Na antevéspera de Natal, a violência invadiu a casa da família Silva, na localidade conhecida como Santinho, na favela Para Pedro, em Irajá. Sete crianças estavam na sala para tomar café da manhã às 8h de ontem, quando três balas perdidas entraram no cômodo de cerca de 5 metros quadrados. Uma delas matou a menina Maria Eduarda da Silva Sardinha, de 11 anos, atingida no rosto enquanto esperava seu pão com manteiga sentada no sofá. Levada para a UPA de Rocha Miranda, ela não resistiu aos ferimentos. A comunidade é disputada por duas facções de traficantes há dez dias.
Primo de Maria Eduarda, Davi Araújo, de 7 anos, levou um tiro de raspão na nuca. O tio da menina, Silvano André da Silva, de 49, ficou com uma bala alojada num dos braços e foi encaminhado ao Hospital Salgado Filho, no Méier. Os dois não correm risco de vida. A família acusa PMs do 41º BPM (Irajá).
? Os PMs chegaram atirando. Não ouvimos confronto. Só a rajada de tiros que entrou na sala. Depois de levarem minha filha, não prestaram socorro ? afirmou a irmã de Maria Eduarda, Bruna Soares da Silva, de 22 anos, que preparava café na hora.
Já a PM afirma que houve um confronto com traficantes que invadiram a favela na semana passada. Segundo o comandante do 41º BPM (Irajá), tenente-coronel Luiz Carlos Leal Gomes, o Grupamento de Ações Táticas, formado por três PMs, que entrava na favela com uma viatura, foi recebido à tiros. O oficial afirma que, na ocasião, os policiais iam substituir o blindado da unidade, que havia saído da favela pouco antes para troca dos vidros.
? Durante a ocorrência, os policiais apreenderam uma pistola e um radiotransmissor ? disse o oficial, que abriu Inquérito Policial Militar e afastou os PMs do serviço na favela. As armas dos PMs foram entregues à Divisão de Homicídios para perícia.
Maria Eduarda já tinha ganhado seus presentes de Natal: um conjunto de roupas iguais às de sua cantora preferida, Anitta. A família inteira foi fazer compras junta, no sábado, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
Durante todo o domingo, a menina desfilou de saia e blusinha novas pela favela. Entretanto, ela não sabia que ganharia uma surpresa, guardada a sete chaves por todos os seus quatro irmãos mais velhos: um celular.
? Ela era uma menina divertida e precoce para a idade. Era muito responsável e boa aluna. Por isso, ia ganhar um celular ? conta sua mãe, a diarista Silvânia da Silva.
Aluna da Escola Municipal Amapá, a poucos metros da favela, Maria Eduarda fez por merecer o presente. Passou de ano com boas notas e foi à igreja com a mãe em todos os fins de semana do último mês. No ano que vem, cursaria o 7º ano. Para a família, a menina conseguiria realizar seu maior sonho: virar médica.
? O Natal não faz mais sentido. Não vamos comemorar ? disse seu irmão, Jonathas Soares.
A morte da menina gerou revolta entre os moradores da Para Pedro. Por volta das 9h, um protesto fechou a Avenida Martin Luther King Jr., na altura da favela. Um ônibus foi incendiado e o trânsito ficou interditado na via até às 14h.