Nas visitas ao quarto e nos posts das redes sociais, ele esbanjava sorrisos e palavras de motivação. Falando com os médicos, porém, o choro transformava seu rosto. Dizia-se fraco e frustrado por não suportar o ritmo de trabalho da prefeitura da maior cidade do Brasil.
Apesar de licenciado e internado, Bruno Covas cobrava sua equipe em mensagens de WhatsApp até a véspera de sua definitiva piora clínica, na última sexta (14). Queria saber como estava o índice de ocupação de UTIs na capital paulista (em torno dos 80%) e que medidas estavam sendo tomadas para evitar o colapso hospitalar em meio à pandemia.
Na manhã de sexta, a grande movimentação no quarto era prova da situação delicada. O fígado, um dos órgãos afetados pelo câncer, se recusava a cumprir suas funções. Bruno foi encaminhado para sedativos mais potentes: sem eles, não suportaria as dores. Ele mesmo tinha acordado com a equipe médica que não queria ser mantido vivo artificialmente, por meio de máquinas.
A partir daquele momento, não havia mais regresso possível. Ele morreu como decidiu viver: fazendo política. Como o avô, o governador de São Paulo Mário Covas (1930-2001), foi vencido pelo câncer em pleno mandato, sacrificando seus últimos dias ao cargo. "Trabalhar não mata ninguém", costumava falar o avô, com quem morou no Palácio dos Bandeirantes, dos 15 aos 21 anos.
Ao lado da família
Em sua última noite no hospital, o prefeito teve os pais, Renata Covas e Pedro Mauro Lopes, o irmão Gustavo e o filho Tomás, 15, ao lado da cama. Bruno estava em sono profundo até que os sinais vitais pararam, no começo da manhã de domingo.
Depois da morte, Tomás ligou para o presidente do diretório municipal do PSDB, Fernando Alfredo, amigo de infância do pai. O garoto ficou feliz em saber que a militância tucana lhe faria homenagem, atravessando a avenida Paulista com seu cortejo. Fernandão, como é chamado, contou que Tomás é considerado um menino bastante forte, mas que na manhã deste domingo estava "sem chão".
O adolescente era a principal motivação de Bruno. Tomás morou com o pai durante a campanha à prefeitura. Numa espécie de ritual de despedida, realizaram recentemente alguns desejos, como pular de paraquedas em Boituva (SP).
Em 30 de janeiro, estiveram no estádio do Maracanã, no Rio, para ver o Santos, time do coração de ambos, na final da Taça Libertadores. A piora repentina na manhã da última sexta impediu qualquer tipo de despedida. A família toda tentava digerir a palavra "irreversível", impressa no boletim médico.
Tomás acreditava em um milagre e pedia que os médicos tirassem os sedativos para falar com o pai — como se ele estivesse apenas dormindo, pudesse acordar, voltar para casa e matar a saudade de Volpi, o cãozinho malhado que o espera no apartamento alugado na Barra Funda.
Gabinete semi-intensivo
O percurso de sua última internação começou em 2 de maio. Bruno foi para o hospital com fraqueza, dores e sangramento numa úlcera formada próxima do tumor original, na cárdia (tecido muscular na transição entre esôfago e estômago). Chegou a ser intubado e levado à UTI. Melhorou dois dias depois, e manteve a agenda por uma semana. Até caminhou pelos corredores do andar.
O celular do prefeito se confundia entre as luzes piscantes e sons eletrônicos do quarto cheio de aparelhos médicos. Com a ajuda do irmão Gustavo, 38, Bruno registrou em texto e imagens seus últimos dias nas redes sociais. A ex-mulher, Karen Ichiba, de quem se separou em 2014, o visitava diariamente.
O filho ia ao hospital no centro de São Paulo todo dia, ao final da tarde, depois dos estudos. Apesar dos tratamentos modernos e caros, como imunoterapia e terapia-alvo, misturados à tradicional quimioterapia, Bruno Covas foi deixando de responder a tanta intervenção.
O corpo magro e pálido transparecia atrás da camisola estampada com o logo do Sírio-Libanês. Depois, as fotos revelavam, entre sondas e cateteres, um abdômen protuberante que abria espaço entre os botões de um pijama azul, sinal dos edemas comuns em pacientes da doença.
Mesmo debilitado, recebeu as visitas do governador João Doria, do vice-governador Rodrigo Garcia, do prefeito em exercício, Ricardo Nunes, e do presidente da Câmara Municipal, Milton Leite, com quem discutiu votações e comemorou sua filiação ao PSDB. Do vice cobrou metas; com seu padrinho político, "botou o papo em dia", como escreveu no Instagram.
Pai e filho. E avô
Acamado, Bruno tirou foto com Tomás após a primeira melhora na internação. Naquele 4 de maio, o Santos ia vencer por 5 a 0 a equipe boliviana The Strongest, pela Taça Libertadores. Torceram juntos. O filho com a camiseta do time; o pai com a bata hospitalar.
Os dois se aproximaram ainda mais desde a descoberta do câncer. Não que antes fosse diferente. Durante o período em que Bruno foi deputado federal (2015-2016), o menino esteve várias vezes em Brasília, durante o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff.
Em uma reunião de lideranças, ele estava desenhando em uma mesa, quando, já cansado de tanta discussão, puxou um microfone e disparou: "Quando vão tirar essa mulher daí?" Na festa de vitória eleitoral de 2020, correligionários brincavam que Tomás seria o "futuro presidente".
O menino não esconde o interesse em política, repetindo a vocação despertada no palácio estadual. Com os mesmos 15 anos, Bruno trocou a cidade de Santos, onde nasceu e cresceu, por São Paulo, para estudar no exigente Colégio Bandeirantes. Ele foi morar na sede do governo paulista com os avós, Mário e Lila.
Uma passagem mostra a mistura de vida particular e pública. Bruno já estava na faculdade (fez Direito na USP e Economia na PUC-SP) e saiu à noite com amigos. Quando voltou de madrugada, encontrou o avô acordado, monitorando notícias sobre tempestades e enchentes.
"Não sei como consegue ficar tranquilo no meio dessa calamidade", disparou para o neto, entre uma ordem e outra ao telefone.