Vanessa Teodoro Trajano nasceu em Teresina, mas mora em Brasília e é mestra em estudos literários pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), poeta e romancista. Já escreveu quatro livros, sendo que o último, “Ela não é pra casar”, traz personagens empoderadas ou que beiram à loucura, com contos que permeiam o universo do erotismo e da psiquê humana.
A escritora teresinense de 26 anos, artista plástica e professora de língua portuguesa também é autora de Mulheres Incomuns (2012), Poemas Proibidos (2014) e Doralice (2015). Vanessa começou a escrever ainda na infância e teve grande influência na alfabetização pelos seus pais. Segundo Vanessa, já rabiscava poesias e afins aos 14 anos, consolidando a carreira de escritora ainda no início de sua adolescência.
Vanessa Trajano aborda em seus livros um conjunto de contos e que tem mulheres como suas protagonistas. São obras de postura política que coloca em questão assuntos relacionados ao mundo feminino e antirromântico. Em entrevista ao Jornal Meio Norte, Vanessa releva que antes do primeiro livro de fato (Mulheres Incomuns) escreveu vários primeiros livros e sempre soube o que queria.
Trajano revela ainda sua relação com Teresina e o Piauí e o que costuma fazer nas horas livres e ainda adianta detalhes sobre seu livro de contos lançado recentemente.
Jornal Meio Norte: Como foi sua infância e de que forma iniciou sua vida de leitora?
Vanessa Trajano: Nasci em Teresina em 27 de junho de 1992, meus pais são cearenses e vieram tentar a vida no Piauí. Nunca tivemos posses, a saber. Meu pai é um “caboco” e minha mãe, dona de casa. Estudaram pouco, muito pouco, mas tinham consciência do poder transformador da educação. Então, a minha mãe me ensinou a ler e a escrever aos 3 anos de idade e papai, vendo a criaturinha toda leitora das placas de rua, resolveu investir e toda semana trazia revistinhas em quadrinhos. Foi só o começo da minha formação leitora, depois não parei mais. No entanto, na adolescência decidi cursar letras português na UESPI só por estar meio perdida mesmo. Gostava de literatura, mas não me imaginava como professora. Mas hoje não só imagino como sou por amor. Continuo a me aperfeiçoar na minha área: fiz mestrado em Estudos Literário na Universidade Federal do Piauí e pretendo fazer doutorado aqui na UNB. Atualmente, atuo no GDF e no Pronatec como professora. Escrever ainda não enche a minha barriga, por enquanto vou ensinando a mim mesma como sobreviver.
JMN: Qual sua relação com o Piauí?
VT: Saí do Piauí com ódio, pois toda mulher bem resolvida é perseguida e julgada em Teresina. Por homens machistas e por mulheres que ainda não se libertaram, ou seja, a maioria das pessoas - de determinados grupos, vale ressaltar. Porém, há um amor e ele é muito mais forte. Amo as pessoas. Amo a forma como o piauiense é receptivo, animado. A gente não nega uma cervejada com os amigos. Gosto do calor. Gosto de chegar num sarau e 70% dos rostos dali serem conhecidos, dá um alívio. Isso só é possível numa cidade como Teresina, onde quem está produzindo conhece outra pessoa que está produzindo, que conhece outra e por aí vai. Em Teresina me sinto muito amada. Conheci pessoas maravilhosas em virtude da carreira e que ainda hoje são meus amigos. Agradeço demais ao professor Wellington Soares, a Marleide Lins, o Feliciano Bezerra, Durvalino Couto, Kenard Kruel, Marina Campelo, Rubervam Du Nascimento, Wilson Seraine pela amizade e ao Salgado Maranhão pelos puxões de orelha. Sem essas pessoas, creio que não teria continuado esse negócio de escrever. Veja bem, não há só uma relação familiar, visto que minha família ainda mora aí. Construí uma teia de confiança e respeito ao meu redor que me permitiu grandes saltos. Essa é a minha relação com o Piauí: os primeiros degraus que formam todo o meu alicerce.
JMN: Em que momento se descobre escritora e quais suas referências na literatura?
VT: Sempre gostei de inventar histórias. Os personagens estavam na minha cabeça, conversavam comigo, gritavam comigo, aí não tinha jeito e eu ia escrever. Antes do primeiro livro de fato (Mulheres Incomuns) escrevi vários primeiros livros. Então, não há uma idade certa, uma referência de quando começou. Sempre soube o que queria. Lembro de juntar dinheiro o primeiro semestre inteiro para ir ao Salipi comprar livros. Lá conheci o Fifi. Ele chegou junto de mim, me deu um livro na sala de bate-papo literário. Me fez prometer que o leria. Eu disse: é claro. Três anos depois, ele era meu professor na universidade e fez o meu texto de apresentação de Mulheres Incomuns, em que me chamou de Anaïs Nin tropical. Eu havia lido pouca coisa dela, então resolvi mergulhar, e ela acabou se tornando meu objeto de estudo no mestrado. Descobri que a comparação era válida. Além dela, tenho uma relação de chamego com a Clarice Lispector, a Lygia Fagundes Telles, Matilde Campilho, Machado de Assis, Rubem Fonseca, etc. Recentemente me tornei super fã de André Sant’Anna e Aline Bei.
JMN: Seus textos seguem que tipo de linguagem? Qual seu ritmo de produção?
VT: Dizem que é erótico, né? Realmente não gosto de rotular assim - não por puritanismo, claro - mas será mesmo que se autor colocou palavras como pau, buceta, ou descreve o coito, o texto é classificado como erótico ou pornográfico? Acredito que o meu texto é político, no sentido em que revela fantasias femininas com naturalidade e as coloca em par de igualdade com a dos homens, que há muito dominam o mercado editorial e eles em que na maioria das vezes escreviam sobre sexo - na visão deles. Apresentar uma visão feminina, principalmente de uma forma antirromântica, torna-se uma posição política na medida em que essas personagens têm o poder sobre o próprio corpo e seus desejos. Já em relação ao ritmo é meio irregular. Preciso me isolar para ter concentração. Recentemente saí de todas as redes sociais, desinstalei até o whatsapp para poder escrever. Aí deu muito certo. Porém, no dia a dia não há uma rotina de escrita, como eu gostaria.
JMN: Qual a história do seu último livro “Ela não é para casar”?
VT: Trata-se de um livro de contos. Nele há mulheres que fogem, de forma consciente ou não, dessa antiga e persistente segregação de que algumas são pra casar e outras nem tanto. Com personagens empoderadas ou que beiram à loucura, os contos permeiam o universo do erotismo e da psiquê humana, uma vez que tendem a investigar os desejos mais íntimos das mesmas. Tenho umas preferidas, como Senhorita Lins, que conta o relato de uma mulher que está a fim de sua amiga e é coagida a revelar isso de forma inusitada durante uma “social” na casa de amigos; e Sedenta, que abre o livro e dá pra entender direitinho o perfil da maioria das personagens. O livro foi feito a partir de um financiamento coletivo no Catarse, um sistema de pré-venda para custear a edição e impressão da obra. Agradeço a todos que contribuíram com esse sonho e àqueles também que colaboraram de formas impagáveis, como é o caso da capa, uma fotografia de Lucas Martins da modelo Fernanda Gomes; o ensaio feito com a fotógrafa Dayane Cavalcante com produção de Larice Almeida, a revisão de Clarissa Macedo, poetamiga da Bahia e o patrocínio do Instituto Amostragem e da Loja Arena Toys.
JMN: Como avalia a produção literária de mulheres no Piauí? Qual a importância desse movimento?
VT: Dá um certo orgulho em saber que estamos produzindo mais, publicando mais, participando mais do meio literário e do mercado editorial; acredito que o passo de largada já foi dado e a gente de jeito nenhum vai andar pra trás. Porém, observo algumas coisas que acredito se repetir no resto do Brasil – ou não – e gostaria muito que o quadro mudasse. Estamos bem-vistos pela cena literária fora do Piauí e essa imagem só tende a crescer se as mulheres que escrevem se unissem mais às outras mulheres que escrevem, não ficassem só no círculo de amizade delas. A Marleide Lins, por exemplo, tem um trabalho incrível de publicação de antologias e leva o nosso nome pra fora mesmo, com uma edição e curadoria impecáveis, que vai tendo um revezamento. Eu participei de duas antologias dela, A Antologia Transcultural de Poesia Feminina (2012) e A mulher na literatura Latino-Americana (2018), e percebo que os nomes dificilmente se repetem nessas e em outras coletâneas. Esse é um trabalho maduro e que tem muita seriedade envolvida. Admiro outras escritoras também como Luiza Cantanhêde, Graça Vilhena e Tarciana Ribeiro, no entanto na esfera da coletividade gosto de tomar como exemplo a iniciativa da Marleide porque a dela diz muito sobre o que é uma produção não excludente, uma que abrace as escritoras e lhes dá uma oportunidade de compartilharem seus trabalhos.
JMN: Tem trabalhado em que projetos atualmente?
VT: Acabei de escrever um romance, então creio que a próxima publicação possa ser esse ou um próximo livro de contos, mas nada definido ainda.
JMN: Ainda existe muita resistência para a produção literária?
VT: No sentido de produzir para publicar, sim. É difícil se tornar público aqui no Brasil. Uma gigantesca crise financeira num país que não lê, mata todo escritor antes do primeiro livro. Por outro lado, não há resistência e sim irresponsabilidade. Nunca tivemos tantos escritores que não gostam de ler. A geração Instagram está dando a ilusão de que “menos é mais”, na verdade se trata de menos é tudo. E não é bem assim que a banda toca. Um dia ainda consigo as oito horas de leitura diárias da Hilda Hilst.
JMN: O que costuma fazer nas horas livres? Quais são seus hobbys?
VT: Tento escapar um pouco da pecha de poeta maldita, que bebe, que fuma, essas paradas todas. Então, gosto de cuidar do corpo, malhar, correr, meditar. Claro que no meu lazer solitário cabe uma cervejinha de leve entre livros e Netflix. Amo desenhar e pintar, um dia pretendo fazer um lançamento com uma exposição de desenho realístico meu. Mas minhas horas livres sempre acabam se tornando laboratório e as histórias que escuto de amigos vão parar nas minhas obras. Perdoem-me. (Por Waldelúcio Barbosa)