Após 12 anos preso, oito deles no regime fechado e quatro no semiaberto, em agosto do ano passado o ex-policial militar X. ganhou direito a cumprir pena em casa, na chamada Prisão Albergue Domiciliar (PAD). No entanto, ele não tem o que comemorar. Desde o último dia 13, X. vive num novo cárcere: o ex-PM precisa ficar preso à uma tomada para carregar a tornozeleira eletrônica por meio da qual é monitorado. Além disso, o equipamento apita a cada dez minutos, ainda que ele esteja em casa, sem descumprir qualquer determinação da pena. A denúncia foi recebida por meio do WhatsApp do EXTRA.
? Não acreditei quando percebi que teria que ficar preso numa tomada para carregar isso. É revoltante ? desabafa X., que precisa fazer a recarga pelo menos duas vezes por dia.
O ex-PM é um dos cerca de 400 presos do estado a usar as tornozeleiras eletrônicas da SpaceCom, uma nova empresa que está sendo testada pelo estado desde o último dia 10. A companhia entrou em cena após o Consórcio de Monitoramento Eletrônico de Sentenciados perder, em 27 de fevereiro, o contrato com a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), depois de duas prorrogações. Outros 1.500 detentos ainda usam o aparelho do consórcio.
O sistema de monitoramento antigo era composto pela tornozeleira e uma unidade de comunicação, que deve ficar a no máximo seis metros de distância do preso. Era esse aparelho que o detento colocava para carregar, sem ter de ficar atado.
Para X., a nova empresa já está reprovada. Desde que colocou o novo aparelho, suas noites de sono não são as mesmas. Além de apitar, a tornozeleira vibra. Um transtorno para ele e a mulher.
? Não estou reclamando de ter de usar a tornozeleira. Queria apenas uma que não me causasse esses aborrecimentos. Não conseguimos dormir direito. Fora o constrangimento. Quando pego ônibus, a tornozeleira fica apitando e todos olham. Tento disfarçar pegando o celular ? reclama o ex-PM.
O major Luiz Otávio Odawara, superintendente Geral de Inteligência do Sistema Penitenciário e responsável pela central da Seap que faz o monitoramento, disse que não tem conhecimento das reclamações dos presos. Ele disse também que é cedo para avaliar o serviço da SpaceCom.
? Estamos em fase de testes e vamos ver que resultado teremos ? pondera o major.
A opção de testar uma nova empresa, no entanto, não foi à toa. Embora a Seap não informe os motivos para não ter renovado o contrato com o Consórcio de Monitoramento Eletrônico de Sentenciados, o próprio Odawara assume que foram muitos os problemas com a empresa.
? Aconteceu muitas vezes, por exemplo, de ficarmos sem equipamentos novos para colocar. Fora os problemas com o funcionamento das tornozeleiras ? relata o major.
Representante da empresa paranaense SpaceCom, Sávio Bloomfield disse que não poderia comentar os testes que estão sendo feitos no Rio. Ele também não quis falar sobre as reclamações que estão sendo feitas pelos presos. Já os sócios do Consórcio de Monitoramento Eletrônico de Sentenciados não foram localizados.
Y., outro preso que está usando o novo sistema de monitoramento, engrossa o coro de reclamações.
? É uma falta de respeito. Cometi um crime sim, mas me sinto humilhado, horas preso à uma tomada ? reclama ele.
O advogado criminalista Paulo Ramalho criticou a situação descrita pelos presos e os problemas causados pelas novas tornozeleiras.
? Isso é degradante e dificulta muito o principal objetivo da pena, que é a ressocialização. É realmente humilhante para o preso. É lamentável que o estado seja tão incompetente ? comentou.
Entre o término do contrato da Seap com o consórcio e a parceria com a Spacecom, não foram colocadas novas tornozeleiras eletrônicas em presos. Aqueles beneficiados pelo regime aberto eram encaminhados para Casas de Albergado.
Atualmente, 1.900 presos do estado do Rio são monitorados com tornozeleiras eletrônicas. Eles cumprem pena no regime aberto, após ganharem direito à Prisão Albergue Domiciliar (PAD).
Os testes com a SpaceCom têm previsão para durarem três meses. A empresa já presta o mesmo serviço para outros estados, como São Paulo e Goiás.
O monitoramento eletrônico de presos no Rio começou em fevereiro de 2011. Inicialmente, o sistema era para presos do regime semiaberto. Um mês após o uso, o estado suspendeu o uso do sistema, já que 32% dos presos monitorados fugiram e 54 tornozeleiras foram rompidas. O monitoramento foi retomado em abril de 2011.