Após uma semana, o julgamento contra a fabricante Airbus e a companhia aérea Air France por homicídio culposo, por conta do acidente que deixou 228 vítimas fatais em 2009 após queda de avião que ia do Rio para Paris, revelou o áudio (somente para aqueles que estavam na sessão) com a conversas entre pilotos e a torre de comando pouco antes da aeronave cair no Oceano Atlântico. Nos registros, é possível ouvir o piloto dizendo “não tenho mais o controle do avião”.
Segundo o canal BFM TV, o gravador que fez os registros havia sido recuperado em maio de 2011 e mostra a surpresa dos pilotos com o alerta emitido pela própria aeronave. Em princípio, eles pensam que estão perdendo altitude, mas notam que ocorre o contrário, no entanto, algo fora do controle da cabine.
— Que diabos está acontecendo! Não entendo o que está acontecendo — diz o co-piloto.
Em terra, um capitão percebeu os sinais de alerta e, então, pede um retorno. — Ei, o que diabos você está fazendo? — grita o capitão.
Piloto e o copiloto, que não sabiam que os dados recebidos estavam errados, não sabem o que responder.
— Não tenho mais o controle do avião — diz o piloto.
Pouco tempo depois, apesar das tentativas de manobras, eles percebem que a aeronave está em queda.
— Estou empinando. Caramba, vamos bater, não é verdade! — gritou o copiloto.
A divulgação havia sido solicitada pela defesa de familiares de algumas das vítimas, em particular pela associação Entraide et Solidarité AF447 (Ajuda Mútua e Solidariedade, em tradução livre), que tinha indicado, por meio de um dos seus advogados, que ouvir o áudio dos pilotos era “absolutamente essencial para esta busca da verdade”.
Em 1º de junho de 2009, o avião do voo AF447 caiu no meio da noite no Atlântico, 3 horas e 45 minutos após a decolagem no Rio, causando a morte de seus 216 passageiros e 12 tripulantes. Foi o desastre mais mortal da história da Air France.
Os primeiros destroços, assim como corpos, foram encontrados nos dias que se seguiram, mas a fuselagem só foi localizada quase dois anos depois, em 2 de abril de 2011, a 3.900 metros de profundidade cercada por altos relevos subaquáticos, durante a quarta fase de buscas.
As caixas-pretas, recuperadas um mês depois, confirmaram que os pilotos, desorientados pelo congelamento das sondas de velocidade Pitot numa zona de convergência intertropical perto do Equador, não conseguiram recuperar a sustentação (estol) da aeronave, que caiu em menos de cinco minutos.
Após uma longa sucessão de perícias, os juízes de instrução arquivaram o caso em 29 de agosto de 2019. Indignados, familiares das vítimas e sindicatos de pilotos recorreram e, em 12 de maio de 2021, a Câmara de Instrução decidiu pelo processo por homicídios involuntários das duas empresas.
— Não param de nos dizer que o sistema aéreo, o transporte aéreo, têm como lema a segurança. Neste caso, vemos que às vezes a segurança é deixada de lado — disse à AFP Sébastien Busy, advogado dos familiares das vítimas.
Para o advogado, o objetivo de seus clientes é duplo: "obter a verdade judicial, para entender o que aconteceu exatamente naquela noite" e também construir com esse julgamento "a segurança (aérea) de amanhã". No entanto, as famílias das vítimas vão acompanhar o julgamento com sentimentos contraditórios.
— Não espero nada deste processo — disse à AFP Nelson Faria Marinho, presidente da associação brasileira das vítimas do voo AF447 e cujo filho morreu no acidente aos 40 anos. Este homem de 79 anos não viajou a Paris por falta de recursos.
Já Danièle Lamy espera que esse processo, após uma "batalha jurídica", "seja o julgamento da Airbus e a Air France" e não "o dos pilotos".
Para o sindicato de pilotos do grupo Air France (SPAF), é "importante que um tribunal possa ouvir todas as partes e se pronunciar sobre as diferentes responsabilidades durante um processo público, onde será destacada a importância da segurança dos voos".
Um total de 476 familiares constitui a parte civil. Cinco dias serão dedicados àqueles que desejam testemunhar. O tribunal terá que determinar se a Airbus e a Air France, que enfrentam uma multa de 225 mil euros (cerca de 220 mil dólares), cometeram erros relacionados à tragédia. As duas empresas negam ter cometido qualquer infração penal.
O Tribunal de Apelação considerou existir acusações suficientes contra a Air France por "se abster de implementar a formação adequada" face ao congelamento das sondas, "o que impediu os pilotos de reagir conforme necessário".
A Airbus foi acusada de ter "subestimado a gravidade das falhas dos sensores de velocidade instalados na aeronave A330, ao não tomar todas as medidas necessárias para informar com urgência as tripulações das empresas operadoras e contribuir para a sua formação eficaz".
O CEO Guillaume Faury disse que a Airbus montou uma "organização" para chegar "o mais próximo possível de zero acidentes" e que a segurança era a sua "prioridade", pelo que considerou que "estas queixas não se justificam".
Falhas nessas sondas foram registradas nos meses anteriores ao acidente. Após o desastre, o modelo afetado foi substituído em todo o mundo. A tragédia também levou a outras modificações técnicas no campo aeronáutico e reforçou o treinamento em estol, bem como no estresse da tripulação.