Uma investigação da Polícia Civil descobriu que o tráfico instituiu um “plano de carreira” sangrento na favela do Mandela, na Zona Norte do Rio: criminosos que matam policiais são premiados com cargos mais altos na hierarquia da quadrilha. A descoberta foi feita por agentes da 21ª DP (Bonsucesso) em março do ano passado. Na ocasião, um traficante da favela, preso por policiais militares, contou como funciona a determinação em depoimento à distrital. No relato, ele revelou que um comparsa foi promovido ao posto de gerente da venda de drogas na favela após matar um policial um mês antes de ser preso.
Em 12 de janeiro de 2017, pouco mais de um mês antes do depoimento, traficantes mataram o soldado Sandro Mendes de Lyra, de 36 anos, na favela. Na ocasião, ele dirigia uma viatura e, ao passar na localidade conhecida como Igrejinha, foi atacado a tiros por dois criminosos numa moto. O soldado havia ido à favela buscar outra equipe de PMs que tinha sido atacada horas antes.
No depoimento, o traficante preso também ajudou a polícia a identificar o criminoso "promovido" pelo homicídio: Thiago Ferreira de Lima, o Soldadinho. De acordo com o relato, Lima, que era vapor — responsável somente pela venda das drogas aos usuários — virou “gerente do pó de R$ 10 e R$ 5 e da maconha de R$ 5” — ou seja, passou a administrar as bocas de fumo. Ao final da investigação, Thiago foi um dos 17 traficantes da favela denunciados pelo Ministério Público pelos crimes de associação criminosa e tráfico de drogas. Segundo a denúncia, após a promoção, Soldadinho passou a administrar “os atos de endolação, distribuição e venda de cocaína e cuidar da contenção armada das suas áreas de atuação”.
Na lista de réus, também está o fornecedor de armas e drogas da favela, Marcelo Fernando Pinheiro Veiga, o Marcelo Piloto, expulso do Paraguai na semana passada após assassinar uma mulher dentro da cela onde estava preso, num quartel em Assunção. Ao longo da investigação, comparsas de Marcelo Piloto o entregaram à polícia. Em depoimento à 21ª DP, traficantes presos nas favelas de Manguinhos e Mandela, ambas na Zona Norte, apontaram Piloto como principal fornecedor de drogas das comunidades dominadas pelo grupo.
No mesmo inquérito, José Benemário de Araújo, o Benemário, de 55 anos, apontado pela polícia como chefe do tráfico da favela do Mandela, foi ouvido. Ele afirmou em depoimento que deixou a vida do crime e tira seu sustento do aluguel de imóveis na comunidade.
Em maio do ano passado, Benemário, que cumpre pena no Complexo de Gericinó, disse aos policiais que, “para manter sua subsistência, possui alguns imóveis na comunidade do Mandela, dos quais recebe aluguéis que geram uma renda de cerca de R$ 4 mil”. Ele também disse que “há cerca de 20 anos não põe os pés na comunidade do Mandela, nem tampouco qualquer outra em que haja domínio de traficantes”.