O traficante Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, revela em livro que ajudou o ex-governador Sérgio Cabral na campanha de 1996 — quando o então deputado presidente da Assembleia Legislativa do Rio disputou o cargo de prefeito e perdeu. No texto, um manuscrito, o traficante conta que a equipe de Cabral pediu o apoio dele no Complexo do Alemão e que o ex-governador esteve com ele durante uma hora num camarote na favela durante um show do Molejo.
Na época do encontro, Marcinho já chefiava o tráfico local. Cerca de um mês depois, ele foi preso em Porto Alegre. Marcinho VP foi condenado a 44 anos de prisão — 10 por tráfico e outros 34 por mandar matar duas pessoas, crime que ele nega.
O traficante considera que sua transferência para o sistema penal federal, em 2007, foi uma decisão de Cabral. Ele está há 10 anos nos presídios de segurança máxima. Marcinho chama o ex-governador de “ladrão” e “traidor”.
De acordo com o texto, ele convidou o então candidato e sua comitiva para um camarote instalado para o show do Molejo com cerca de 100 líderes comunitários. Ele lembra que Cabral subiu a comunidade com “fôlego, vitalidade e confiança”. Marcinho conta que o ex-governador fez elogios a juventude do traficante: “O futuro do país pertence a vocês, jovens”, teria dito Cabral, segundo Marcinho.
A defesa do ex-governador nega o encontro. O advogado Rodrigo Henrique Roca Pires, que representa Cabral, afirmou que nunca houve essa reunião, nem ajuda do traficante na campanha:
— Nenhum outro governo foi tão duro quanto o combate ao tráfico de drogas. Claro que não teve esse encontro. É uma afirmação completamente descabida. As pessoas usam os meios mais esdrúxulos para chamar atenção para si e seus interesses. Certamente uma informação dessa que não é verdadeira, mas ele vai conseguir vender muito mais.
Vida do crime
O livro, com publicação prevista para outubro, tem o título provisório de “O Direito Penal do inimigo: Verdades e Posições”. Marcinho VP conta que nasceu em Vigário Geral e mudou-se ainda bebê para a Vila Norma, em Meriti. O pai foi assassinado quando ele tinha dois anos. A mãe, que ele classifica como uma guerreira, foi presa quatro vezes — ele não revela os crimes dela.
Por isso, foi criado com os três irmãos por uma tia. Ele ainda revela que tem três primos policias e um irmão vereador. Começou a trabalhar aos 9 anos e a roubar aos 13 para comprar roupas de marca. Abandonou a escola na 5ª série. Foi detido pela primeira vez aos 16 por um roubo de carro que deu errado.
Marcinho admite que roubou carros, participou de saidinhas de banco, assaltou agências bancárias seis carros-fortes. No entanto, no manuscrito obtido pelo EXTRA, não conta como se deu a sua participação no tráfico de drogas. Ele é apontado, ao lado de Fernandinho Beira-Mar, como um dos chefes da maior facção criminosa do Rio.
A cadeia
VP, que foi diagnosticado com depressão, reclama da vida preso. Ele conta que fica 22 horas do dia sozinho na cela. Ele já ficou preso em Mossoró, no Rio Grande do Norte, e em Catanduvas, no Paraná.
Na obra, ele também relata a relação que tem com outros traficantes. Diz que Beira-Mar é carismático e quem o conhece sabe que “seu coração é proporcional à sua fama”. Os dois só se conheceram pessoalmente na cadeia, segundo VP.ho
Marcinho também conta conversas que teve com o xará Marcinho VP, antigo chefe do tráfico do Morro Dona Marta, em Botafogo. “Você está sempre saindo no Fantástico, no Jornal Nacional. O verdadeiro Marcinho VP é você. Eu sou o VP do Paraguai”, disse o VP do Alemão para o xará.
O Marcinho VP do Dona Marta morreu em 2008. Ele foi encontrado dentro de uma lixeira no presídio Bangu III. Marcinho VP do Complexo do Alemão foi apontado como um dos mandantes do crime. Ele não estaria gostando das entrevistas que o antigo comparsa dava — baseada nelas, o jornalista Caco Barcellos escreveu o livro “Abusado”. No manuscrito para o seu livro, o VP do Alemão nega a acusação.
Apoio à Lava-Jato
O traficante também faz reflexões sobre a política. Marcinho afirma que a Operação Lava-Jato é um “sopro de esperança que varre o país e reacende o sentimento de orgulho nas pessoas de bem”. Ele também afirma que a operação é um patrimônio da sociedade brasileira e diz que agora os poderosos sabem que ela representa o fim de uma era de impunidade. Marcinho VP também fez comentários sobre a UPP. Para ele, faltou o estado fornecer assistência social. Ele admite que o crime tem um forte componente social.