A possível inclusão da tilápia na Lista Nacional de Espécies Exóticas Invasoras, feita pela Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio), tem causado preocupação entre produtores de peixe em todo o país. O setor teme que a medida traga novas restrições para a criação do animal, que hoje é o peixe mais produzido e consumido no Brasil. As informações são do g1.
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, uma espécie é considerada invasora quando aparece em locais onde não é nativa e causa desequilíbrio ambiental. No caso da tilápia, o peixe tem sido encontrado em rios fora das áreas de criação.
A tilápia é uma espécie exótica, ou seja, não é natural do Brasil, e sim da África, mais precisamente da bacia do Rio Nilo — por isso o nome Tilápia-do-Nilo (Oreochromis niloticus).
O Ministério do Meio Ambiente informou, no entanto, que a inclusão na lista não significa proibição da criação ou do consumo do peixe. O Ibama continua sendo o órgão responsável por autorizar o cultivo de espécies exóticas e mantém a permissão para a criação da tilápia.
“Não há nenhuma proposta para acabar com essa atividade”, afirmou o ministério em nota.
Segundo o governo, a lista serve como base técnica para políticas públicas e ações de prevenção e controle ambiental.
Mesmo assim, representantes do setor afirmam que a decisão pode gerar mais burocracia, encarecer a produção e dificultar as exportações.
Divergência entre ministérios
A decisão causou divisão dentro do próprio governo federal. Os ministérios da Agricultura e da Pesca e Aquicultura discordam do Ministério do Meio Ambiente.
Para a Secretaria Nacional de Aquicultura, a presença da tilápia na lista pode trazer prejuízos e aumentar os custos da produção. Por isso, o órgão prepara um parecer técnico para pedir à Conabio que o peixe seja retirado da lista.
“Colocar a tilápia e o javali na mesma lista é desproporcional”, afirmou Juliana Lopes da Silva, diretora do Departamento de Aquicultura em Águas da União.
Por que a tilápia é considerada invasora
Pesquisadores apontam que a tilápia tem características que podem ameaçar espécies nativas e alterar o ambiente natural.
O professor Jean Vitule, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica alguns motivos:
🐟 É territorialista, competindo com outras espécies por espaço e alimento;
🐟 É onívora, ou seja, se alimenta tanto de plantas quanto de outros peixes;
🐟 Pode alterar o equilíbrio dos lagos e rios, mudando a quantidade de nutrientes;
🐟 Escapa com facilidade dos tanques de criação e já foi encontrada em áreas de preservação e até em ambientes marinhos.
Segundo Vitule, as fugas aumentam durante chuvas fortes e enchentes, quando os tanques se rompem. “Mesmo em locais bem estruturados, os escapes podem acontecer”, explica.
Além disso, tilápias que escapam podem transmitir parasitas para peixes nativos.
Cuidados e medidas de controle
O Ministério da Pesca afirma que o licenciamento ambiental já inclui medidas para evitar fugas, como a reversão sexual, processo que transforma as fêmeas em machos para impedir reprodução fora dos tanques.
Mesmo assim, a diretora Juliana Lopes reconhece que nem todos os peixes passam por esse processo. Já o pesquisador Vitule diz que ainda encontra fêmeas com ovos em rios e lagos.
Atualmente, a tilápia é criada de duas formas principais:
Tanque-rede: gaiolas colocadas em rios ou reservatórios, que precisam ficar sempre fechadas;
Viveiro escavado: tanques cavados no solo, com barreiras físicas e lagoas de decantação.
Esses métodos ajudam, mas não eliminam totalmente o risco de fugas. “Cada tilápia que escapa representa prejuízo para o produtor”, diz Juliana Lopes.
Como a lista foi feita
O Ministério do Meio Ambiente informou que a lista foi criada com base em pesquisas científicas e em dados da Base Nacional de Espécies Exóticas Invasoras. Foram analisados 247 estudos e publicações.
O processo contou com duas consultas públicas, que reuniram especialistas e representantes da sociedade civil.
“Os critérios foram técnicos e baseados em evidências científicas”, afirmou o ministério.
A lista inclui 60 espécies de peixes e outros animais e plantas, como javalis, abelhas africanizadas, mangas e goiabeiras.
Setor pede garantias
Para o setor pesqueiro, a inclusão da tilápia na lista pode causar insegurança jurídica e atrasar o licenciamento de novas criações.
O diretor da Associação Brasileira das Indústrias de Pescado (Abipesca), Jairo Gund, afirma que o setor teme que a medida desestimule os produtores.
“Essas listas criam mais barreiras e burocracias. É preciso uma garantia oficial de que a produção não será proibida”, disse.
Atualmente, o produtor precisa obter licenças de vários órgãos, como a Agência Nacional de Águas (ANA), a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e o Ibama, o que já torna o processo demorado.
Mesmo com a polêmica, o governo reafirma que a criação da tilápia continua permitida no Brasil.