Para o ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, Elizeu Soares Lopes, a conduta do tenente-coronel Cássio Novaes, acusado de assédio sexual, ameaças de morte e de estupro pela soldado Jéssica Paulo do Nascimento, de 28 anos, é "ultrajante e inaceitável". "A sociedade não pode aceitar de forma alguma, em pleno século 21, que alguma pessoa use de sua condição de superior hierárquico para constranger, ameaçar ou assediar, seja sexualmente ou moralmente, uma mulher", disse em entrevista ao G1. O oficial foi afastado do comando do batalhão onde está lotado, e a investigação é conduzida pela Corregedoria da Polícia Militar.
"A ouvidoria já tomou providências, inclusive solicitando informações acerca dos procedimentos da corregedoria. Então, nós estamos aguardando a resposta do órgão. De qualquer forma, após aberto o Inquérito Policial Militar (IPM), se tem o prazo de 40 dias, a priori, tempo que pode ser prorrogado caso necessário, e é onde serão apuradas todas essas condutas apontadas pela policial que o denuncia", explica.
Segundo o ouvidor, se o que for apurado no inquérito nesse período for suficiente, o Ministério Público Militar (MPM) - responsável pela ação penal militar no âmbito da Justiça Militar da União - poderá denunciar o tenente-coronel. Caso a Justiça Militar o condene como culpado, ele poderá ser expulso da corporação e preso, sendo encaminhado ao Presídio Romão Gomes, que fica na Zona Norte da Capital.
De acordo com Lopes, com relação aos crimes dos quais o oficial é acusado pela soldado, ele é julgado apenas no âmbito da Justiça Militar, por se tratar de crime em função da conduta dele. O ouvidor ainda explica que, quando um policial militar é investigado por um crime como esse, pode até mesmo ser preso antes de ser julgado, caso haja, por exemplo, tentativa de intervenção processual ou prática de ameaças.
"Além disso, trata-se de um crime de um militar contra outro militar. Eu não tenho dúvidas que, se comprovados esses crimes, e pelo que vi nos autos, as informações e elementos iniciais são muito fortes e ultrajantes, ele será punido. A Justiça Militar é muito severa com esses tipos de crimes. De qualquer forma, é preciso ter inquérito e o direito de ampla defesa para todos. Mas, os elementos aqui apresentados pela soldado são bastante substanciosos", afirma o ouvidor.
Para ele, esse tipo de conduta não só fere uma policial, mas todas as mulheres, que há tempos lutam para serem respeitadas em seus trabalhos. "Presto minha solidariedade à vítima e a todas as mulheres, porque um crime desse não agride só uma policial, mas toda a corporação de policiais femininas, porque um oficial da Polícia Militar tem o dever de preservar a boa conduta e ser um espelho, um exemplo positivo para a corporação. Tenho certeza que a Justiça Militar e a própria corregedoria não irão refutar de cumprir à lei caso comprovadas essas graves denúncias", conclui.
O G1 tentou contato com o tenente-coronel, por telefone, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
Assédio sexual e ameaças de morte
A soldado está, atualmente, atuando no 45° Batalhão da Polícia Militar do Interior (BPM/I), em Praia Grande, no litoral de São Paulo. O tenente-coronel Cássio Novaes, denunciado pelos crimes, atuava na capital paulista. Ao G1, o advogado de defesa da soldado, Sidnei Henrique, informou que solicitou medidas protetivas para ela e a família dela. O advogado também solicitou à Corregedoria da PM que peça a prisão preventiva do militar, e a suspensão do porte e posse de arma dele.
As investidas pessoais do tenente-coronel à soldado Jéssica começaram em 2018, segundo ela. Ele havia acabado de assumir o comando do Batalhão da Zona Sul de São Paulo, quando passou pelas companhias para se apresentar aos policiais militares e a conheceu, chamando-a para sair assim que conseguiu ficar a sós com ela.
"Em um momento em que a gente ficou um pouco sozinho, ele assim veio em uma total liberdade, uma intimidade. Mas a gente nunca tinha se visto, né? E me chamou para sair na cara dura", relembra.
Ela disse ao superior que era casada e tinha filhos, recusando o convite. "Depois desse dia, minha vida virou um inferno", desabafa. A soldado relata episódios de investidas sexuais, principalmente por mensagens, ameaças por áudio, humilhação em frente aos seus colegas e até mesmo sabotagem, quando se recusou a ceder aos pedidos de seu superior.
Ela chegou a ficar dois anos e meio afastada do serviço para evitar contato com ele. No entanto, a licença acabou no mês passado, e ela precisou voltar ao serviço. Ele conseguiu o telefone dela e as investidas recomeçaram e, segundo ela, cada vez mais insistentes. O comandante prometia sustentar os filhos da soldado, dar uma promoção para ela dentro da corporação e a transferência que ela queria para o litoral paulista.
"Eu pensei que precisava de provas, porque ele sempre ia fazer isso e ninguém ia acreditar. Entrei em contato com um advogado, e ele me orientou a ver até onde ele iria, deixando ele falar", conta. "Foram coisas muito baixas. Me ameaçou de estupro e de morte".
As ameaças de morte vieram também por áudios. Em uma das falas, o comandante afirma que "não existe segredo entre dois, um tem que morrer" e "quem não tem problema na vida está no cemitério".
A soldado decidiu formalizar uma denúncia na Corregedoria da PM no início de abril, quando percebeu que estava sendo enganada pelo tenente-coronel. Ele havia prometido que a levaria ao Departamento Pessoal para pedir pela transferência dela quando, na verdade, o DP estava fechado, e ele planejava levá-la a um hotel.
Afastado do Batalhão
Procurada pelo G1, a Polícia Militar esclareceu, por nota, que recebeu a denúncia e imediatamente instaurou um Inquérito Policial Militar para apurar rigorosamente os fatos.
O oficial foi afastado do comando do batalhão, e a investigação é conduzida pela Corregedoria da Polícia Militar. Segundo a corporação, todos os fatos são sigilosos, conforme prevê a legislação.