Sem medo de recomeçar, Léo Carlos Becker faz planos para adotar uma criança após a morte da única filha na tragédia da boate Kiss, em Santa Maria. Érika tinha 22 anos e estudava agronomia na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Ainda de luto, o pai deseja dar amor também a outra pessoa, ideia que amadurece ao lado da mulher, Mauren. O incêndio, que completa sete meses nesta terça-feira (27), matou 242 pessoas.
Desde a morte da jovem, Léo divide o dia entre o emprego em uma concessionária da cidade e o trabalho voluntário na Associação de Vítimas da Tragédia de Santa Maria (AVTSM). Enquanto isso, Mauren se dedica a visitar e dar carinho a crianças com câncer em um hospital do município.
?Meus investimentos sempre foram pensando na Érika. Ia no mercado e comprava primeiro as coisas dela?, contou Léo.
Sem a única filha, o casal pensa no sonho de poder preencher a casa novamente. O fato de ter apenas um filho foi escolha da própria Érika. ?Deixamos para um segundo momento e quando perguntamos, ela não queria ter um irmão. Então nunca tivemos?, comentou.
A ideia é cuidar de um bebê, mas o casal não fecha as portas para o destino. ?Queremos recomeçar. Eu sei que esta criança vai surgir. Temos que abrir o coração?, completa.
Mesmo sete meses depois da tragédia, Léo revela que ainda é difícil mexer nos pertences da filha, embora saiba que a chegada de um filho adotivo determinaria uma reforma na casa no bairro Nossa Senhora das Dores. ?Ainda é um sonho, uma ideia para o próximo ano. Vamos esperar esse ano passar?.
Como uma relíquia entre os objetos que Érika deixou como lembrança, os pais guardam a bolsa que ela utilizava na festa na casa noturna. ?Alguém encontrou e nos entregou. As botas que ela usava no curso de Agronomia também são especiais. Um casaco demos para uma amiga que pediu?, lembra Léo.
O nome do novo filho permanecerá o mesmo dado pelos pais de sangue. Segundo Léo, todo filho é especial para os pais, independente das circunstâncias. ?A Érika era muito especial, única?, lamenta.
Entenda
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, na madrugada de domingo, dia 27 de janeiro, resultou em 242 mortes. O fogo teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco.
O inquérito policial indiciou 16 pessoas criminalmente e responsabilizou outras 12. Já o MP denunciou oito pessoas, sendo quatro por homicídio, duas por fraude processual e duas por falso testemunho. A Justiça aceitou a denúncia. Com isso, os envolvidos no caso viram réus e serão julgados. Dois proprietários da casa noturna e dois integrantes da banda foram presos nos dias seguintes à tragédia, mas a Justiça concedeu liberdade provisória aos quatro em 29 de maio.