Relacionamento a distância: a internet é capaz de suprir necessidades?

Na era digital, a dinâmica do relacionamento entre as pessoas passou por um impacto imensurável

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Redes sociais, aplicativos, chamadas de vídeo e "nudes". Na era digital, a dinâmica do relacionamento entre as pessoas passou por um impacto imensurável, e possibilitou que a ideia do relacionamento à distância, o que pode abrir margem para alguns problemas. Isso porque a internet tem a premissa de aproximar pessoas que estão fisicamente distantes. Agora, será que é mais fácil uma relação virtual do que uma presencial?

Para entender um pouco sobre relacionamento à distância, a equipe do Canaltech bateu um papo com a Dra. em Psicologia, Adriana Nunan, que é co-autora do livro Relacionamentos Amorosos na Era Digital. Basicamente, a obra aborda vários pontos que envolvem o amor e a tecnologia em junção, e levanta a questão sobre a era digital aproximar ou separar as pessoas.

Adriana explica, primeiramente, que existem dois tipos muito distintos de relacionamentos à distância: no primeiro caso, as pessoas já se conhecem pessoalmente e, por um motivo ou outro, como viver em lugares diferentes, mudar de cidade devido a trabalho ou estudo, tiveram que se afastar. Nestes casos, para que o relacionamento seja saudável, é necessário estabelecer algumas regras, manter contato frequente - por telefone ou aplicativos de mensagem - e fazer planos concretos para encontrar-se sempre que possível.

Mas há também outro tipo de relacionamento à distância, característico da era digital: é aquele estabelecido entre pessoas que nunca se viram pessoalmente, seja porque moram distantes uma da outra ou por medo de se encontrarem. Quanto a eles, Adriana destaca a baixa autoestima, ou até algum transtorno mental maior: "O problema com este relacionamento é que na medida em que não conhecemos o outro 'ao vivo' fazemos todo tipo de inferências e idealizações que, na maioria das vezes, não correspondem à realidade. A pessoa acaba se relacionando com quem ela deseja, não com quem existe. Nestes relacionamentos os golpes amorosos também são muito frequentes".

E aí, tecnologia aproxima ou separa?

Sim e não, afirma Adriana. A doutora em psicologia aponta que tudo depende da forma como a tecnologia é utilizada: "Se eu, por exemplo, uso a tecnologia no dia a dia para interagir com mais frequência com as pessoas que gosto, o uso é benéfico. Inclusive, atualmente, muitos relacionamentos tendem a evoluir mais rápido do que antigamente por causa disso. Na medida em que a troca é constante (ex: por mensagens de aplicativo) você estabelece intimidade muito mais rápido com o outro. Agora, se mantenho as relações apenas no âmbito virtual, a tecnologia cria apenas a sensação de proximidade, mas não uma proximidade real".

Nossa equipe questionou a psicóloga se prender-se a um relacionamento baseado em aplicativo/redes sociais denota algum comportamento ou algum bloqueio social. De acordo com ela, se o relacionamento se mantiver apenas no âmbito virtual, é possível dizer que sim. "Naturalmente não podemos fazer esse tipo de inferência sem mais informações, mas é possível que uma das pessoas - ou ambas - sofra de baixa autoestima ou tenha algum tipo de inabilidade, ou fobia social. Em casos mais graves, pode-se tratar de um golpista", relata.

Além disso, Adriana conta que, do ponto de vista da psicologia, é prejudicial que as pessoas se relacionem mais pela internet do que pessoalmente, porque vínculos são fortalecidos no convívio presencial. Segundo a psicóloga, se nos relacionamos mais pela internet idealizamos o outro, projetamos nossos desejos e ideais, e fazemos inferências que, na maioria das vezes, não condizem com a realidade. "Nós sempre tentamos mostrar nossas qualidades e esconder os defeitos e fazer isso pela internet é muito mais fácil. Você pode acabar se relacionando com uma pessoa que não existe", aponta.

Tendo essa análise em mente, a psicóloga também levanta o seguinte posicionamento: todo ser humano sente necessidade de afeto, atenção (em maior ou menor grau), sensação de pertencimento a uma comunidade. Adriana menciona o sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman, que levanta uma ideia muito interessante que é a diferença entre comunidade e rede: "Você nasce em uma comunidade, ou seja, você pertence a ela, portanto, os laços são mais difíceis de serem desfeitos. Mas a rede é criada e mantida por você, o que significa que você pode se conectar e desconectar das pessoas à vontade. Isto pode criar a ilusão de que você tem muitos amigos, mas se as conexões forem 'líquidas' a sensação de solidão, na verdade, aumenta", expõe a doutora.

A psicóloga conclui que, naturalmente, a internet facilita conhecer pessoas diferentes que talvez nunca tivessem se encontrado de outra forma. "A tecnologia também pode ser muito útil para fortalecer relacionamentos já existentes, reaproximar pessoas, trocar informações, etc., mas, em algum momento, a relação deve sair do virtual para o presencial".

A Distância

Também conversamos com duas jovens que carregam diferentes experiências envolvendo relacionamentos a distância: Larissa, de 25 anos, que está prestes a completar dois anos de namoro com Gustavo, que mora em outro estado (ela mora no Rio de Janeiro, e ele no Espírito Santo); e Nicole, que terminou há pouco tempo o relacionamento com uma pessoa dos Estados Unidos.

Sobre a sensação de namorar a distância, Larissa traz um olhar positivo: "Sinto que dá para manter algo, mesmo longe, porque qualquer oportunidade ele está lá, completamente disposto a vir ou a me receber", conta. A garota observa que a melhor parte é que, por estar longe, o casal também está perto. "Sei que é um pouco estranho de falar assim, mas, nós nos falamos o tempo todo: no telefone ou trocando mensagem. Todo minuto. Todo segundo. Tudo o que ele faz, me avisa e vice-versa. Acabamos ficando bem mais próximos do que muitos casais que estão fisicamente próximos", expõe a carioca.

Em contrapartida, Larissa reconhece a pior parte da distância. "O fato de você querer abraçar, beijar e não poder. Mas nós nos apegamos muito ao futuro e compensa essa vontade forte de ficar junto de verdade com todas as horas que nos falamos, que vemos séries através de chamadas de vídeo. Mas é claro que quando conseguimos nos ver é a melhor parte".

Larissa conta que o maior aprendizado que teve com essa relação a distância foi que, para mantê-la, é necessário confiar cegamente na pessoa que você escolheu se relacionar: "Se você não confiar que aquela pessoa está ali junto de você e que quer estar com você e te fazer feliz, você vai ficar muito inseguro, e isso vai fazer com que qualquer coisa desande o relacionamento. Resumindo, precisa se confiar muito um no outro. E quando essa confiança é quebrada, é impossível (pela própria distância) que aquilo dê certo".

Por fim, Larissa revisita uma dica para as pessoas que estão namorando a distância: "Seja transparente! Não esconda nada, conte tudo o que acontece no seu dia, o que você sente, se abra, converse... confie! É importante demais que tudo isso esteja claro e que seja mútuo de ambos. Acima de tudo, é importante os dois quererem mover o mundo para que o relacionamento a distância não continue a distância para sempre".

No caso de Nicole, essas experiências de relacionamento a distância ocorreram no passado, e foram apontadas como positivas. "A principal diferença entre elas [experiências] foram um fator que existe e afeta qualquer relacionamento. O nível de sacrifício entre ambas partes. Em qualquer relacionamento, as duas pessoas precisam saber a hora de ceder, a hora de se sacrificar pelo bem do outro ou da relação. Em um relacionamento a distância, isso fica ainda mais evidente, porque simplesmente ter um encontro já é um sacrifício", conta.

Nicole diz que, em relação ao término do último relacionamento a distância, a razão cultural mesmo. "Meu namorado era de outro país. Ele teve uma criação e tinha uma mentalidade muito diferente da minha. Quando comecei a descobrir o ponto de vista dele sobre alguns assuntos, comecei a me decepcionar muito e, eventualmente, aquela paixão acabou. Acho que isso teria acontecido em um relacionamento 'comum' também".

Para a garota, a insegurança e a saudade são os fatores que mais pesam nesse tipo de relacionamento. "Você querer abraçar a pessoa, ficar junto e saber que só vai poder fazer isso daqui a sei lá quantos meses. Se é que já tem uma data de previsão. Na verdade, o pior para mim, é a despedida. Uma sensação horrível sempre que tá na hora de voltar para a rotina, de voltar para parte 'a distância' do relacionamento", afirma.

Com esses relacionamentos, Nicole aprendeu que conversas bobas do dia-a-dia são extremamente importantes. "Coisas do tipo dar bom dia ou boa noite, mesmo naqueles dias em que tudo está um caos, mostram que a pessoa está na sua mente e isso valoriza seu parceiro. Isso é algo que vale para qualquer relacionamento. Aprendi que comunicação é essencial e que sempre devemos ser claros sobre o que sentimos", conta.

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