Localização online amplia funções, mas desafia privacidade de usuário

Serviços de geolocalização avançam em áreas como monitoramento dos filhos, gestão de serviços públicos, segurança, marketing e agricultura

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Usar mapas, saber onde seus amigos estão e fazer "check-in" em seus lugares favoritos são alguns dos usos mais tradicionais da geolocalização - tecnologia que usa dados do seu tablet ou celular para identificar sua posição geográfica.

Mas as aplicações dessa tecnologia têm crescido exponencialmente, em setores que vão de segurança a publicidade, de serviços públicos a agricultura.

Com isso, também ganham força os debates éticos e de privacidade: até que ponto um governo pode usar essa tecnologia para obter dados de seu cidadão? E um pai tem o direito de monitorar todos os passos de seus filhos?

"A questão da privacidade é preocupante para muitas pessoas, e as legislações (dos países) não acompanham a tecnologia", diz à BBC Brasil Jane Frost, da empresa de pesquisas britânica Market Research Society (MRS).

Com a ajuda de especialistas, a BBC Brasil listou alguns usos da geolocalização que têm crescido ou podem crescer:

Uso social

Esse talvez seja um dos usos mais difundidos da geolocalização, como mostram dezenas de aplicativos de celular que compartilham dicas de restaurante e de compras com base na localização do usuário.

Incluem indicações de viagem e entretenimento, informações sobre a bicicleta para alugar mais próxima e o tradicional upload de fotos, com menção ao local onde foram tiradas.

O aplicativo Localmind, por exemplo, coloca os usuários em contato com moradores de determinadas áreas para receber dicas locais ou para perguntar a frequentadores de um determinado bar se o local já está lotado.

Até o Facebook permite a usuários de smartphones identificar locais próximos onde comer ou visitar.

Aplicativos de carona também usam o GPS para unir pessoas que vão fazer percursos semelhantes e podem compartilhar seus carros.

Segurança

Enquanto empresas de transporte usam o GPS para rastrear e proteger suas cargas, pais adotam aplicativos para cuidar da segurança de crianças.

É o caso, por exemplo, do ZoeMob, serviço que permite aos pais, via celular com GPS, saber se seus filhos saíram de um determinado perímetro geográfico ou se entraram num carro em alta velocidade, além de monitorar mensagens e ligações recebidas por eles.

A segurança bancária também começa a incorporar o GPS, diz Frost. "Pela localização do seu telefone, o banco poderá identificar se é você quem está sacando dinheiro da sua conta no caixa eletrônico", explica.

E seguradoras também poderão em breve ter acesso a uma "caixa-preta" dos veículos, que, poderá identificar lugares visitados pelo carro e a velocidade média percorrida por ele para o cálculo de seguros e a prevenção de fraudes.

A fabricante de computadores Apple também tem um serviço de rastreamento de celulares - Find My iPhone - que rastreia o equipamento em caso de furto. E seguradoras também oferecem o serviço para celulares e computadores.

Comercial e marketing

Aplicativos de táxi já incorporam o GPS para mostrar aos usuários onde estão os taxistas mais próximos, e lojas começam a identificar clientes que estejam nas proximidades para avisar-lhes de promoções.

Nessa área, as possibilidades são ilimitadas, conta Eduardo Peixoto, executivo-chefe de negócios do laboratório tecnológico brasileiro CESAR. "Há o que se chama de computação contextual: pega-se o contexto do usuário para influenciar suas decisões, combinando diferentes dados."

É possível, por exemplo, aliar os dados de localização e temperatura para avisar o usuário que uma loja próxima oferece roupas de frio; ou unir dados do carro à posição geográfica para informar sobre os postos de gasolina mais próximos.

Serviços públicos

Que tal usar o GPS de usuários para identificar quais as rotas de ônibus mais demandadas de uma cidade? Ou combinar o localizador de veículos com um acelerômetro, para identificar que pontos do trajeto estão esburacados?

Estes são alguns dos usos possíveis para geolocalizadores que podem ajudar administradores a gerenciar serviços públicos. Outras possibilidades são o mapeamento de crimes e do suprimento de água, por exemplo.

"Mas é preciso cuidado com a interpretação desses dados - que dão um bom indicativo histórico, mas nem sempre permitem previsões", aponta Frost.

"No caso do ônibus, por exemplo, a análise dos dados pode indicar quantos usuários tomam determinada linha de ônibus, mas não quantos precisam dela. Se uma linha é pouco confiável, talvez seja pouco usada. Mas isso não significa que não haja demanda para ela."

Já existem experiências positivas em lugares como a Nigéria, que usou dados de GPS para monitorar a mortalidade materna e infantil.

"A partir dos dados de geolocalização foi possível identificar o raio em que determinadas populações eram atendidas por clínicas médicas", explica Cara Carter, da empresa de pesquisas ORB International. "Com isso, conseguimos medir o impacto de programas sociais."

E, no Brasil, está em curso o Siniav - Sistema de Identificação Automática de Veículos, que tem como meta acoplar nos carros um chip que permita identificar, por exemplo, taxas pendentes e veículos roubados ou em situação irregular.

Prevenção (e previsão) de conflitos

A ORB International, que é especializada em pesquisas em locais de difícil acesso, também participou de um projeto para tentar identificar áreas que poderiam ser alvejadas pelo grupo guerrilheiro Exército de Resistência do Senhor, em Uganda.

Para chegar a conclusões, a empresa fez uma análise geoespacial, a partir de imagens de satélite e informações geográficas de locais previamente atacados pelos guerrilheiros.

Segundo Carter, da ORB, também é possível usar a geolocalização para tentar prevenir violência ou fraude eleitoral, por exemplo.

"Se temos áreas com histórico de violência ou de baixa confiança no processo eleitoral, podemos mapeá-las e notificar o governo ou mesmo observadores internacionais."

Agricultura

A agricultura de precisão já é um conceito antigo no Brasil, mas a geolocalização está abrindo novas oportunidades.

O laboratório CESAR, por exemplo, acoplou GPS em equipamentos de irrigação usados em amplas plantações de grãos no Centro-Oeste. "Esse GPS mede a velocidade da irrigação, a pressão da água e dá informações remotas aos administradores", explica Eduardo Peixoto, executivo-chefe de negócios da empresa.

O próximo passo, diz ele, é mapear, em parceria com a Embrapa, os dados coletados pelos GPS em busca de uma regulagem padrão para cada tipo de cultura agrícola.

Voluntariado e ajuda humanitária

A geolocalização tem sido usada tanto para aproximar voluntários de causas como para aprimorar o trabalho humanitário.

Nos EUA, após o furacão Sandy, em 2012, surgiram aplicativos de celular como o Sprout Help, que avisava voluntários sobre áreas que necessitavam medicamentos e suprimentos. Também permitia que pessoas avisassem se estivessem em uma área que precisasse de ajuda.

No trabalho humanitário, a geolocalização também é usada para gerenciar a ação de ONGs, gerando mais dados para monitorar o uso do dinheiro, identificando a localização (e a segurança) dos agentes humanitários e comparando indicadores sociais de determinadas áreas.

Gafes e privacidade

Como costuma acontecer com novas tecnologias, deve crescer o debate em torno da privacidade e da ética no uso das informações coletadas por GPS, apontam os especialistas consultados pela BBC Brasil.

E, enquanto isso, o serviço deve propiciar também algumas gafes - por exemplo, de pessoas que dizem ao chefe que estão doentes e são "deduradas" por seu geolocalizador mostrando que elas estão, na verdade, no cinema.

"É como um novo Big Brother", diz Jane Frost.

"Não é uma tecnologia boa nem ruim - tudo depende de seu uso. Somada a outros dados, permite uma análise multidimensional. Mas a ética (no seu uso) deve ser aplicada também nos serviços públicos (que usem dados dos cidadãos)."

Para Peixoto, do CESAR, "vai demorar até que legisladores entendam essa questão, já que as mudanças tecnológicas foram radicais nos últimos anos. Isso rende uma discussão relevante, porque permite uma vigilância em alto nível".

Alguns cuidados com os dados de geolocalização - que tampouco são cegamente confiáveis, já que muitas vezes não são tão precisos quanto se imagina - já são tomados por pesquisadores em campo, explica Carter.

"Nunca marcamos pontos ao lado de uma casa, por exemplo, para preservar seus moradores. Marcamos áreas genéricas. Ao mesmo tempo, o GPS nos dá segurança porque sabemos que, se o tablet de nossos agentes for roubado, podemos localizá-lo pelo dispositivo."

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