Não bastasse os jogos de videogame no Brasil custarem caro, com lançamentos saindo na média por R$ 200, a importação destes títulos apresentou problemas entre março e julho. Jogos estão parados na Receita Federal, deixando as lojas sem games produzidos (o termo usado é "prensados") fora do país. O que está em jogo é a interpretação de como estes jogos são classificados a fim de ser definida carga tributária que incide sobre este produtos, que é divergente entre o órgão e as distribuidoras.
O motivo dessa "inspeção geral" entre março e junho foi um aumento no rigor sobre a interpretação da classificação de games importados, o que intensificou a averiguação e colocou as cargas em "canal cinza". Com isso, o órgão investiga de modo mais apurado a carga importada com o objetivo de resolver os problemas apontados e a pagar a tributação correta.
O problema aconteceu com as importações durante quatro meses feitas principalmente nos Estados de São Paulo e do Paraná por conta de divergências na classificação do que é um jogo de videogame para a Receita Federal: é um brinquedo ou software? Para a Receita, o game deve ser tributado como brinquedo, enquanto para as distribuidoras, ele é um software e um dos meios usados é a divisão dos tributos entre a mídia do game (DVD ou Blu-ray, por exemplo) e os direitos autorais.
O motivo para que a inspeção geral fosse iniciada não foi revelado. De acordo com a inspetora-chefe da inspetoria de Curitiba da Receita Federal, Cláudia Regina Thomáz, pode ser sido uma denúncia ou um estudo apresentado para representantes do órgão. "Uma denúncia ou um estudo faz com que a Coordenação-Geral de Administração Aduaneira (Coana) aumente seu radar para determinado problema e, no caso, tenha colocado os jogos em "canal cinza". Isso significa que as empresas que importaram games entre março e abril caíram neste canal para uma inspeção mais aprofundada da carga".
Diferença de preço
Games importados têm 164% de impostos sobre o valor do produto. Dessa maneira, um jogo que custaria R$ 100, ao acrescentar o imposto de importação de 20%, Pis de 1,65%, Cofins de 7,60%, ICMS (no Estado de SP) de 25% e IPI de 50%, acaba por ser vendido por R$ 264.
Na prática, atualmente, jogos vendidos por US$ 60 nos Estados Unidos, para videogames PlayStation 3 e Xbox 360, são vendidos no Brasil entre R$ 170 e R$ 200.
Se for classificado como software, quando o game chega ao Brasil, são recolhidos os mesmos impostos (Pis, Cofins, IPI, imposto de importação e ICMS) para a mídia, mas a carga tributária chega a 72,17%. Separadamente, são recolhidos 17,65% sobre o direito autoral a título de imposto de renda retido na fonte.
A classificação do game como software é a mais adequada ao produto, no entendimento da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES).
?No início de 2012, a Receita Federal divulgou uma consulta no Estado de São Paulo onde houve entendimento de que game não é software e, portanto, tem que ser importado pelo valor total do produto, sem separação entre mídia e conteúdo. Com isso, os distribuidores foram se subordinar a outra delegaria da Receita Federal [em Curitiba], que dá a interpretação federal. Então você fica sujeito à interpretação do fiscal. Esse é o grande problema e não da carga tributária?, afirma o presidente da ABES, Jorge Sukarie.
"Canal cinza"
Declarações de importação (DI) que caem no "canal cinza" têm a inspeção de exame documental, a verificação física da mercadoria e a aplicação de procedimento especial de controle aduaneiro para verificação de elementos indiciários de fraude, inclusive no que se refere ao preço declarado da mercadoria, de acordo com a Receita Federal. "As empresas precisam apresentar documentos, comprovar origem e valor da mercadoria, forma da negociação para que a mercadoria seja liberada se estiver tudo correto", diz a inspetora.
"O que pode ter chamado a atenção da Receita é o aumento na quantidade de jogos importados. Com mais empresas importando, chama a atenção do órgão mesmos títulos com classificação e preços diferentes", explicou Cláudia.
A inspetora afirma que há fatores na importação, como classificação do produto ou valor declarado, que levam para os canais "amarelo", "vermelho" e "cinza". "São uma série de situações que combinadas podem levar para uma seleção. Isso não quer dizer que a empresa que caiu em "canal cinza" está fraudando ou tem problemas. Ainda, nestes casos damos oportunidades para a empresa se apresentar, mostrar o jogo que está sendo trazido para que não fique algo mais frio, somente no virtual, para que possamos liberar ou não esta mercadoria".
Pirataria
Para o presidente da Abes, o dano pela malha fina já está feito. ?Ainda que liberem a importação dos games, as distribuidoras terão o problema dos preços, que vão subir mais de 50%?, afirma Sukarie. ?Então você tem dois graves problemas: o primeiro é a indisponibilidade nas lojas e o segundo é o preço. E se você quer jogar aquele jogo vai buscá-lo de outra forma. Isso é um incentivo à pirataria?, alerta.
Procurada, a rede varejista UZ Games disse que teve problemas de recebimento de games importados. A rede Fnac disse que não teve problemas e a Saraiva não quis se manifestar. Outras redes não foram procuradas. Entretanto, conforme apuramos, games importados como "Call of Duty: Black Ops II", "Tomb Raider", "Tekken Tag Tournament 2" entre outros não estavam presentes nas prateleiras destas lojas.
Procuramos as distribuidoras NC Games, Neoplay e Ecogames, que importam games de diversas produtoras de jogos estrangeiras, que disseram por e-mail que não iriam se manifestar sobre o caso. Já a Gaming do Brasil (importadora de games da Nintendo) e a Game1 disseram que não tiveram problemas de importação. Outras distribuidoras não foram procuradas.