Mesmo depois de ser bloqueada do WhatsApp e até mesmo impedida pela Justiça de continuar atuando, a Yacows ainda opera normalmente, agora sob nova direção e nome. A empresa, que faz disparos em massa no mensageiro e teria feito envios de mensagens durante a campanha presidencial em 2018, segue com o mesmo número de telefone e oferece os mesmos serviços.
O WhatsApp processou tanto a Yacows quanto a SallApp para tentar, na Justiça, impedir que as empresas utilizem a plataforma para realizar disparos em massa. Como o envio de spam não é ilegal no Brasil, o mensageiro alegou uso não autorizado de identidade visual e nome da plataforma para evitar que elas continuassem atuando. E conseguiu decisão favorável por liminar, que segue em vigor.
Porém, como constatou uma reportagem do UOL, a Yacows continua funcionando normalmente, utilizando até o mesmo número de telefone que já tinha na época das eleições. A empresa, no entanto, teria mudado de nome após ter sido supostamente comprada por uma ex-funcionária, que manteve o modus operandi, incluindo o sistema para disparo das mensagens.
A companhia atende agora como Message Flow, nome fantasia da Unifour Marketing, empresa aberta apenas 22 dias após a decisão judicial que impediu a atuação da Yacows e tem Andressa Campo Ferreira como sócia-proprietária. Ferreira disse ser ex-funcionária da Bulk Service, antiga proprietária da Yacows, e alega ter comprado a empresa e dado seguimento à operação.
“A Message Flow comprou a Yacows, a Bulk Service, e hoje ela está no meu nome. Peguei a operação da Bulk para mim, porque já entendia, e decidi dar sequência nisso”, explicou ela. A operação que ela menciona, Bulk Services, é o nome da plataforma utilizada pela Yacows para fazer os disparos em massa.
Ou seja, a operação segue praticamente idêntica, incluindo os serviços prestados, de disparos em massa. Que era justamente o que o WhatsApp queria bloquear, mas a empresa conseguiu driblar a Justiça para seguir funcionando normalmente.
Novo nome, mesmo sistema
A Yacows oferecia o mesmo tipo de serviço, também com o diferencial de baixar o preço por crédito dependendo do pacote adquirido. O mais barato é de R$ 600, que dá direito a 5.000 créditos de R$ 0,12 cada. O mais caro, com 1 milhão de disparos, custa R$ 62 mil, ou R$ 0,062 o crédito. Segundo uma atendente, mensagens apenas com texto custam um crédito, enquanto disparos com anexos como vídeos, áudio ou imagem custam dois créditos.
Além disso, não há documentação na Junta Comercial que comprove a transação da Yacows para a Unifour Marketing. Ferreira também não explicou como uma empresa com capital de R$ 5.000 conseguiu adquirir outra com capital de R$ 100.000.
Não só número de telefone e serviços prestados, mas o site também permanece praticamente igual, apenas em novo domínio — boa parte dos clientes da Yacows continua com a nova empresa. De acordo com juristas, há fortes indícios de uma manobra para driblar a Justiça: uma empresa proibida de atuar é supostamente vendida a outra, e mantém a mesma operação.
“Há uma transferência de clientela e modus operandi. Isso aplicado a outra empresa, agregado ao direito de uso da plataforma, pode indiciar para uma continuidade das atividades empresariais”, explicou Luciano Bresciani, sócio do escritório de advocacia Rennó, Penteado, Reis & Sampaio.
“Como as quatro companhias estão sofrendo os efeitos da decisão judicial, aparentemente há uma tentativa de desvio, de não atendimento da decisão judicial por uma via transversa, por uma forma que se construiu para que o novo CNPJ não estivesse debaixo dessa decisão judicial”, observou o especialista em direito processual André Bruni.
WhatsApp não consegue barrar
Não é que o WhatsApp goste que essas empresas utilizem o mensageiro para espalhar mensagens em massa, até porque são muitos disparos simultâneos, o que sobrecarrega os servidores. A empresa conseguiu impedir algumas de atuarem ao alegar uso irregular da identidade da plataforma, o que ainda é fácil de driblar, apesar de a Yacows ter optado, ao que parece, por apenas deixar de mencionar o mensageiro em seu material promocional.
O disparo de mensagens em massa não é ilegal no Brasil, apesar de o TSE ter decidido que o uso deste recurso não será permitido durante a campanha eleitoral de 2020. Os infratores poderão ser multados entre R$ 5.000 e R$ 30.000 pela Justiça Eleitoral, e espera-se que a plataforma não seja responsabilizada, mas sim quem contratar e oferecer o serviço.
Para tentar barrar esses disparos, o WhatsApp já limitou os encaminhamentos a até cinco reenvios (e apenas um em alguns casos), monitora contas com comportamento suspeito para tentar bloqueá-las e permitiu que o próprio usuário decida quem pode adicioná-lo a grupos. Mas essas medidas foram ineficazes até o momento para impedir o espalhamento de notícias falsas na plataforma.
Para combater, é necessário que a legislação brasileira preveja punição a quem espalha spam e crie mecanismos para identificar os responsáveis. O projeto de lei das fake news, cujo texto-base foi aprovado nesta semana no Senado, não agrada muito às empresas do setor nem especialistas. Um outro PL, que prevê até 10 anos de prisão para quem criar e divulgar notícias falsas, foi apresentado recentemente na Câmara, mas ainda será debatido e é necessário ficar de olho como ele define o que é fake news e como identificar quem criou e quem espalhou.
Por enquanto, o problema segue aparentemente longe de ter solução, mesmo que paliativa.