A psiquiatra e neurocientista nordestina Natália Mota, de 35 anos, graduada, mestra e doutora pela UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), foi a primeira brasileira indicada ao prêmio da Nature Research Award de 2019, após unir computação e psiquiatria para acelerar diagnóstico de esquizofrenia. Natural de Fortaleza e radicada em Natal há 20 anos, a pesquisadora concorreu ao prêmio na categoria Ciência Inspiradora, voltado para mulheres cientistas que inspiram outras mulheres.
O prêmio é promovido por uma das publicações científicas mais respeitadas do mundo e Natália concorreu ao lado de outras nove cientistas do mundo todo. O reconhecimento veio por causa do projeto que desenvolve há 14 anos, em que, a partir de um programa de computador, consegue reduzir o tempo do diagnóstico de esquizofrenia, que geralmente leva dois anos. Sendo assim, o trabalho contribui para antecipar tratamentos e controlar o distúrbio.
Em sua pesquisa de pós-doutorado na UFRN, ela desenvolveu um programa de computador que mede a organização do pensamento por meio da fala e, assim, consegue diagnosticar esquizofrenia a partir da análise de apenas 30 segundos de discurso do paciente. Tudo isso com 90% de precisão. A pesquisadora lembra que sua trajetória inclui centenas de horas de pesquisa em laboratório e residência médica, acompanhada da vida pessoal de quem teve duas gestações durante esse processo.
“Eu estava concluindo a universidade de medicina quando comecei essa trajetória desde 2006, em Natal. O projeto tem como objetivo principal entender melhor sobre esse adoecimento mental associado com a esquizofrenia. Percebemos que vários sintomas que os psiquiatras são treinados por anos para perceber e descrever, poderíamos, na verdade, quantificar se transformássemos as trajetórias das palavras faladas pelo paciente numa entidade matemática e foi isso que a gente fez”, esclarece.
Identificação em 30 segundos com 90% de precisão
Natália revela que conseguiu organizar, por meio do desenvolvimento de um algoritmo computacional, a trajetória das palavras de pacientes com uma entidade matemática. Realizou os primeiros estudos em pacientes já diagnosticados com o distúrbio. Assim, percebeu que pessoas com esquizofrenia fazem discursos menos conectados, de um jeito em que as frases formadas apresentam um modelo diferente quando comparado com a fala de quem não possui a patologia.
“Dessa forma coletei dados dos meus pacientes enquanto residente e psiquiatra e podemos caracterizar sintomas conhecidos como desordens da forma do pensamento. Essa caracterização ficou tão precisa que alimentando algoritmos de máquinas só com as características desses grafos podemos predizer o diagnóstico de esquizofrenia em 30 segundos com mais de 90% de precisão. E descobrimos que tudo isso tinha a ver com o sofrimento do paciente no que diz respeito aos seus relacionamentos com outras pessoas, dificuldade de continuar a vida produtiva, de continuar estudando, entre outros aspectos”, acrescentou.
Os primeiros protótipos vieram em 2009, quando passou a se dedicar a aprender sobre ferramentas que precisava usar na pesquisa. “Não é o significado do que o paciente fala, mas a forma que fala e como organiza as suas ideias para relatar uma memória. Os psiquiatras são treinados a entender isso, mas a quantificação e poder dar um número que possa traduzir a severidade e gravidade desses sintomas é que é novidade. A psiquiatria não tem um exame que você possa dizer se o paciente está melhorando ou piorando, depende muito da observação clínica, que é muito subjetiva, então o que conseguimos com relatos curtos de 30 segundos é fazer com precisão a caracterização desses sintomas”, declarou. (W.B.)
Análise precoce é fundamental para a qualidade de vida
Natália Mota, que é membro do laboratório Sono, Sonhos e Memória do Instituto do Cérebro da UFRN, deparou-se com a dificuldade em encontrar exames que auxiliam o diagnóstico das chamadas desordens mentais, por isso elaborou um manejo que possibilitará a doença de forma precoce e com precisão, que dará condições de estabelecer uma série de tratamentos e qualidade de vida para o paciente.
“Uma analogia que eu tenho feito é com relação ao descobrimento precoce de células que depois vão virar um câncer, que é uma patologia extremamente grave e se você descobrir depois que já teve um desenvolvimento muito grande e atingir outros órgãos e começar a tratar vai ser mais difícil ter uma cura. Para a esquizofrenia a gente não tem ainda uma cura, mas tem o manejo, o controle e se for detectado de maneira precoce e com precisão você consegue sim estabelecer uma série de tratamento, rotina, educação para o paciente e para família de maneira que o paciente consegue ter uma vida adequada para os desejos dele, mas é preciso identificar cedo antes que ele perca cognição, oportunidades na vida, laços sociais e muito mais”, destacou.
A psiquiatra ressalta que o mecanismo desenvolvido se trata de um exame, em que é necessário que a pessoa passe por um protocolo curto, através de perguntas feitas por um profissional que vai identificar um possível risco para o diagnóstico da doença, no entanto não é qualquer discurso ou fala que pode ser utilizado como parâmetro.
“Estamos em um projeto para viabilizar e validar um aplicativo que coleta e analisa esses dados de maneira precisa, então fazendo outra analogia com uma doença muito conhecida, que é a diabetes, conseguimos, por exemplo, identificar o risco da diabete a partir do exame de glicemia, em que é detectada a partir da coleta de sangue, já chegamos nesse ponto com a esquizofrenia, já temos a técnica que quantifica esses sintomas, o que precisamos agora são dos valores de referência para que possamos identificar a severidade e caracterizar um risco de diagnóstico de esquizofrenia, por isso agora estou nessa fase de coleta de dados e entrevistando pacientes para poder estabelecer esses parâmetros de referência. Espero que nos próximos anos a gente tenha a disponibilidade desses aplicativos para dentro das clínicas”, adiantou. (W.B.)
Doença crônica e complexa exige tratamento
A esquizofrenia é um transtorno psiquiátrico em que uma alteração cerebral dificulta o correto julgamento sobre a realidade, a produção de pensamentos simbólicos e abstratos e a elaboração de respostas emocionais complexas. Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, a esquizofrenia não é um distúrbio de múltiplas personalidades. É uma doença crônica, complexa e que exige tratamento por toda a vida.
Geralmente, a esquizofrenia se inicia com uma simples apatia no final da adolescência e no começo da vida adulta, na faixa dos 18 aos 30 anos. Aos poucos, o indivíduo abandona as atividades rotineiras e se isola. Suas reações ficam estranhas e desajustadas. Do nada, surge uma sensação de que algo está errado e alguém prejudica a sua vida. O passo seguinte é a transformação dessa inquietação nas fantasias sensoriais e teorias da conspiração.
Fique atento a estes sinais: dificuldades no aprendizado desde a infância; apatia; pouca vontade de trabalhar, estudar ou interagir com os outros; Não reagir diante de situações felizes ou tristes; vozes que surgem na cabeça e outras alterações nos órgãos dos sentidos e mania de perseguição inexplicável. (W.B.)