O litígio entre Piauí e Ceará chegará ao fim nos próximos 10 meses. E é muito provável que o Piauí finalmente tenha direito de uso aos planaltos da Serra da Ibiapaba. De acordo com três documentos, o mais antigo data de 1553, a área de litígio com o Ceará é, por direito, pertencente aos piauienses.
Para Eric Melo, mestrando em Geografia pela Universidade Federal do Piauí e especialista em litígio, a área da Serra da Ibiapaba nunca pertenceu ao Ceará, apesar do Estado sempre ter demonstrado grande interesse na região. “Isso pode ser explicado pelas características climáticas do Ceará. Durante os séculos, sempre houve um fluxo migratório de pessoas do Ceará para o Piauí, fugindo das secas e procurando terras boas para a agricultura e criação. Com essas migrações, surgiram núcleos cearenses dentro do Piauí que, posteriormente, foram ‘apadrinhados’ pelos padres e governantes do Ceará”, explica.
Os documentos que mostram a verdade sobre esse litígio são três. O mais antigo é a Carta Donatários, de 1535. A Carta Régia de 1697 e o Decreto Régio de 1880 também endossam a tese que a Serra pertence ao Piauí. “O primeiro documento detalha que os limites territoriais ao Oeste do Ceará iam até o Rio Camocim e margeavam a Serra Grande/Ibiapaba, sendo ela pertencente ao então Maranhão, lembrando que o Piauí surge após ser desmembrado do Maranhão”, aponta Ericke Melo.
Ao Ceará, da Serra da Ibiapaba, resta um abismo que separa os dois Estados. “O segundo documento reafirma esse limite pela Ibiapaba, mas amplia o litoral do Ceará até o Rio Timonha. E o terceiro documento é responsável por um erro terrível na história do Piauí: recuperou o litoral que sempre foi piauiense e deu às nascentes do Rio Poti. Ainda assim, é possível por esse documento compreender a divisa entre os dois Estados, pois ele aponta as vertentes ocidentais como pertencentes ao Piauí. Logo, os planaltos da Ibiapaba são cuestiformes, ou seja, toda a vertente ocidental é o que conhecemos como Ibiapaba, desde seu ponto mais alto. E pertencente ao Ceará é basicamente a vertente íngrime dos planaltos, ou seja, o ‘abismo’”, reforça o pesquisador.
Não apenas o Ceará “tomou” terras do Piauí. “Apesar de ter suas terras reconhecidas e documentadas há séculos, como a exemplo do Mapa do Piauí de 1760, o Piauí sofreu grandes perdas territoriais para o Maranhão e para o Ceará ao longo do tempo. No entanto, o Piauí não tinha força política para reivindicar esses sinistros. Isso só veio ocorrer em 1811, quando a Capitania do Piauí tornou-se soberana politicamente. Até então era governado pelo Estado do Maranhão”, relata Eric.
Logo em 1823, após a batalha do Jenipapo, o Piauí passa a ser ocupado por tropas do Ceará na atual Luís Correia, antes Amarração. “Essa ovulação se fortaleceu com os fluxos migratórios de 1825 e 1845. Padres cearenses realizavam batismos, casamentos e festividades no Piauí, isso serviu de meio para a criação de um município cearense dentro do Piauí, em 1865. O Piauí reivindicou a questão e surgiu o decreto de 1880”, acrescenta o mestrando em Geografia.
Uma população a ser anexada ao Piauí
As grandes questões agora são populacionais: a população piauiense e a população a ser anexada ao Piauí. “O povo do Piauí não conhece sua história e personagens, suas riquezas e potencial turístico. É preciso conhecer tudo isso para desenvolvermos o sentimento de orgulho e pertencimento. Isso fará toda a diferença no futuro, principalmente para sabermos escolher o que é melhor para o Piauí”, aponta Eric Melo.
O mestrando em Geografia acredita que é preciso resgatar a autoestima do piauiense com boas iniciativas. “É preciso desenvolver esse sentimento para apresentá-lo aos novos piauienses e fazer desse Estado uma unidade. Minha pesquisa é uma singela demonstração de amor ao meu Estado. Viva ao Piauí”, avalia o pesquisador.
Três mil km² de litígio
Por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), o Exército Brasileiro é o responsável pela perícia técnica nas regiões de litígio. Enquanto isso, o deputado Franzé Silva (PT) é o presidente da Comissão de Estudos Territoriais (Cete) da Assembleia Legislativa do Piauí (Alepi).
Para a realização da perícia, o Governo do Estado do Piauí precisou desembolsar R$ 6,9 milhões, sem contrapartida do Ceará, que afirmou que o interesse é do Estado vizinho. Ao todo são sete municípios em uma área que compreende 3 mil km², compreendendo a região da Serra da Ibiapaba, que possui forte apelo turístico.
A primeira área, de aproximadamente 217 quilômetros quadrados, fica entre os municípios de Luís Correia e Cocal, no Piauí, e os municípios de Granja e Viçosa, no Ceará. A segunda área, cerca de 657 quilômetros quadrados, fica entre Cocal dos Alves e São João da Fronteira, no Piauí, e Viçosa, Tianguá, Ubajara, Ibiapina, São Benedito e Carnaubal, do lado do Ceará.
A terceira área tem 2 mil km² e tem limites piauienses em Pedro II, Buriti dos Montes e São Miguel do Tapuio e, pelo lado do Ceará, pelas cidades de Guaraciaba do Norte, Croatá, Ipueiras, Poranga, Ipaporanga e Crateús. As cidades sem demarcações enfrentam problemas sérios, sendo consideradas “terras de ninguém”, sem ajuda de nenhum dos dois governos que pleiteiam as terras.
Bancada do Piauí vai à luta
Para o deputado estadual Franzé Lima, é preciso que o Piauí lute pelas terras que lhe são de direito. “As forças políticas do Estado precisam estar juntas em um momento como esse. É preciso fazer uma audiência com o Exército, com o general Pujol, para apresentar toda a documentação que temos, que prova que a área é sim do Piauí”, avalia Franzé, que esteve no programa Banca de Sapateiro, com o jornalista Arimatéa Carvalho.
Franzé reforça que a bancada deve manter um diálogo no Supremo, com Cármen Lúcia. “Precisamos influenciar o maior número de autoridades nesse processo, unindo Senadores e Deputados em um só objetivo”, finaliza o petista.