Um dos crimes mais hediondos cresceu assustadoramente no Brasil nos últimos quatro anos, trata-se do feminicídio, tipificação dada aos assassinatos de mulheres, praticados em sua maioria por companheiros e ex-cônjuges.
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontam que 449 casos de feminicídio foram registrados no ano de 2015 contra 621 em 2016 no Brasil, havendo, portanto, um crescimento de 38,3% nas estatísticas. Já no Piauí, foram relatados 90 casos de 2015 a 2018, conforme relatório da Secretaria de Segurança Pública.
No município de Boa Hora, localizado a 135 quilômetros da capital Teresina, um fato envolvendo violência contra a mulher e cárcere privado despertou a atenção das autoridades. O caso aconteceu no final de 2017, véspera de Natal. Cinco meses depois a piauiense Layana Oliveira, de 30 anos foi localizada e resolveu falar sobre os dias de terror vividos naquele final de ano. A mulher convivia com José de Oliveira, mais conhecido como Zé Neuzim, com quem teve uma filha de dois anos.
“Até o meio dia a gente não sabia onde ia para comemorar a ceia. Então ele (agressor) falou que um amigo que há seis anos não andava na Boa Hora e não via a família, passou na loja [onde José de Oliveira trabalhava] e o convidou para uma ceia de Natal em sua casa. Como a gente não tinha para onde ir até aquela hora, ele decidiu que íamos para a casa desse amigo, então a gente se ajeitou, se arrumou e saiu todo mundo bem”, relembra Layana.
As agressões
“Na festa ele conversava com umas mulheres que estavam lá na mesa e perguntou por uma chamada Keliny, então o questionei quem era Keliny por duas vezes e ele não me respondeu”, disse. Ao perguntar pela segunda vez, Layana conta que recebeu o primeiro golpe na frente de todos os presentes.
“Então eu caí da cadeira e o pessoal me ajudou a levantar. Quando ele começou as agressões, minha filha estava dormindo, porém quando viram que a coisa estava ficando séria trouxeram a menina e eu a peguei nos braços, nessa hora ele voou em cima de mim, tomou a menina e com um braço ele me batia e com o outro segurava a criança”, relata.
Cárcere Privado
Após as agressões durante a ceia na casa do amigo, Zé Neuzim foi embora levando a criança. Foi pela filha que Layana decidiu também voltar para a casa do ex-marido. “Quando eu entrei no quarto para ver a menina, ele me deu um golpe que bati a cabeça na porta, onde ficou o hematoma maior”, falou.
A vítima conseguiu sair do quarto para a cozinha, mas seu agressor a alcançou e lhe atirou uma cadeiras nas costas. Layana desmaiou no momento e acordou minutos depois com o esposo derramando água sobre seu rosto. “Lembro que depois sentei na ponta da cama e ele pegou uma cordinha verde e amarrou no meu pescoço dizendo todo tempo que eu não ia virar 2018. Eu consegui colocar as mãos por dentro da corda e folgar um pouco. Chegou certa hora em que comecei a gritar muito nessa parte da corda e ele para conter meus gritos, pegou em meu braço pedindo para fazer amor”, revela.
A denúncia
A solução para o caso de Layana foi o aplicativo móvel Salve Maria, desenvolvido pelo Governo do Piauí, por meio de parceria entre a Agência de Tecnologia da Informação (ATI) e a Secretaria de Segurança Pública (SSP-PI). A ferramenta tecnológica ajuda policiais a localizarem rapidamente vítimas e agressores com apenas dois botões.
Layana procurou seu celular por dois dias enquanto esteve em cárcere privado e o encontrou no porta-malas do carro de Zé Neuzim. Ao pegar o aparelho, procurou por contato de advogados com atuação no município de Barras e encontrou Andreia Galvão.
“Ela entrou em contato comigo através do whatsapp e relatou o que o marido estava prendendo ela na casa dela com a filha menor. Então ela começou a me mandar imagens, fotos e foi quando eu me lembrei do aplicativo Salve Maria”, explicou a advogada.
Após a denúncia, o delegado de Polícia Renato Pinheiro, lotado em Barras, localizado a 137 quilômetros da capital, foi acionado para atender o caso. “Estávamos nas atividades rotineiras aqui na delegacia e recebemos várias ligações da Secretaria de Segurança Pública, principalmente do Núcleo de Defesa da Mulher, dizendo que havia uma situação de violência doméstica noticiada através desse aplicativo Salve Maria”, lembra.
Pinheiro designou os agentes de plantão para ir até o local onde Layana era mantida em cárcere privado. “Expedi uma ordem de missão para que nossos agentes mais operacionais fossem até o local e lá a vítima estava muito machucada, era uma situação deplorável onde as consequências poderiam ter sido irreparáveis”, comentou.
Para o delegado, aquela foi a primeira chamada que atendeu através de denúncia oriunda de uma ferramenta tecnológica. “Foi a primeira vez que a gente teve um sucesso na investigação através do aplicativo e a nossa resposta, conforme a orientação que temos, é de dar uma resposta imediata”, avisa.
Como usar o Salve Maria
Carlos Júnior, analista de sistemas na ATI, explica o funcionamento do aplicativo móvel que ajudou a desenvolver. “A instalação do app é bem simples, atualmente ele está disponível apenas plataforma do Android, Play Store, mas em breve estará disponível na Apple Store também”, conta.
“Na interface tem o botão do pânico bem centralizado, ele deve ser usado com cuidado, pois na hora que você clica é disparado uma alarme para a polícia e uma viatura vai atender o chamado de acordo com a localização que aparece no aplicativo”, esclarece.
O segundo botão é de denúncia, nele qualquer pessoa pode relatar um caso de agressão, incluir vídeo, áudio, fotos, nome do acusado, endereço, entre outras informações.