Já passavam dez minutos do horário marcado quando disseram que eu podia entrar na sala, que Mark Wahlberg só faria um telefonema breve antes da entrevista. Com o celular colado à orelha, ele apertou a minha mão e sussurou: "Desculpa, vai ser rapidinho. Só quero saber por que
minha mulher não apareceu aqui hoje".
Ela atendeu, ele perguntou o que tinha acontecido e ficou em silêncio por longos segundos, visivelmente chateado. Desejou boa sorte à mulher, desligou e me contou que um dos filhos havia aprontado no cinema e, portanto, o plano de uma visita ao pai num sábado de trabalho foi abortado.
Pensei que a partir dali eu o tinha perdido: mais distante, como se a cabeça estivesse em outro lugar, não responderia a nada direito. E comecei a entender quem é Mark Wahlberg -acima de tudo, um pai. Uma de suas tarefas cotidianas é colocar os quatro filhos na cama. Em seguida, é a sua vez. Acontece geralmente às 21h e, por volta das 4h, ele já está de pé.
A rotina, não exatamente glamorosa, é uma boa ilustração das prioridades de um dos nomes mais bem-sucedidos de Hollywood hoje. Aos 41 anos, a marca Wahlberg significa lucro para a indústria do cinema e da televisão norte-americanas. Produziu séries de sucesso como "Boardwalk Empire", "Entourage" e "Em Terapia", todas para a HBO, e foi indicado ao Oscar pelas atuações em "Os Infiltrados" (2006) e "O Vencedor" (2010).
O ator Mark Wahlberg interpretando o papel de sargento Dignam no filme "Infiltrados"
Agora, está em cartaz com uma comédia para maiores dirigida por Seth MacFarlane, o criador da série de animação "Family Guy". "Ted" -- confira o trailer --gira em torno da amizade de um homem e um ursinho de pelúcia chegado a álcool, drogas e prostitutas. Quando ainda era criança, John (Wahlberg) desejou que o brinquedo falasse de verdade. O pedido foi atendido, o urso ganhou vida e o acompanhou por toda a infância e adolescência até tornar-se um bichinho de pelúcia meio podrão na vida adulta, fazendo com que a namorada de John (interpretada por Mila Kunis) lançasse o ultimato: ou ele ou eu.
No primeiro fim de semana de exibição nos EUA, "Ted" já se mostrou um campeão de verão e alcançou uma bilheteria de R$ 54 milhões, R$ 4 milhões a mais que o seu valor de produção.
Sucesso de vendas, ator dedicado e determinado, homem de negócios, chefe de família, católico fervoroso, dono de uma personalidade diplomática e gentil. A lista de epítetos é enorme e fica ainda mais surpreendente quando se descobre que sua biografia começou de maneira tumultuada. Afinal de contas, antes de ser rapper e modelo, foi um garoto-problema.
Marginal Mirim
Filho de uma bancária e um motorista, era o mais novo de nove irmãos. Cresceu em um subúrbio operário de Boston, Dorchester, que, segundo ele, não é exatamente um lugar que se queira visitar. Aos 11 anos, os pais se separaram e, aos 13, ele largou a escola. Naquela época, tinha como rotina sair de casa pela janela do quarto, sem que a mãe percebesse, e passava a noite com os amigos bebendo, roubando e vendendo drogas.
"Roubava carros porque gostava de dirigir, vendia drogas porque precisava do dinheiro para ficar doidão". Mas, ao mesmo tempo, também mantinha um "emprego formal" porque queria comprar coisas bacanas. Teve dois bons carros antes mesmo de ter idade legal para dirigir.
Ele conta que passava quatro horas por dia obstinadamente empacotando compras em um supermercado e depois de três semanas uma BMW! Segundo ele, a mãe achava normal.
Mas nem só de histórias engraçadas é feito o passado de Mark Wahlberg. Ele virou uma espécie de habitué do Departamento de Polícia de Boston, onde esteve mais de 20 vezes em poucos anos.
No caso mais grave, em 1988, quando tinha 16 anos, espancou um homem com um bastão de madeira para roubar pacotes de cerveja. O homem ficou cego de um olho e Wahlberg foi julgado por tentativa de homicídio e condenado a dois anos de prisão. Enquanto os colegas comemoravam a formatura do ensino médio, ele habitava uma cela no pior presídio da cidade.
Novo Homem
A reclusão durou pouco e, 45 dias depois, dava os primeiros passos rumo à sua reinvenção. O irmão mais velho, Donnie, integrante da boy band New Kids on the Block, o levou a um estúdio de gravação e ali nasceu o rapper Marky Mark --confira videoclipe --, sensação dos anos 1990 que tinha como marca baixar as calças no palco.
A ideia não agradou à mãe, mas atraiu Calvin Klein, que rapidamente o transformou em seu modelo número um de cuecas. Trabalhou com Kate Moss e foi fotografado por Annie Leibovitz. A carreira de ator viria na sequência, em 1993, quando fez teste para o primeiro trabalho no cinema. O título parecia uma encomenda: "Um Novo Homem".