Quando começou a ouvir disparos, Jussara Aparecida de Melo dava aulas de espanhol no Centro de Línguas que fica na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano. “Eu fechei a porta e pedi para todos ficarem abaixados atrás das carteiras. Apaguei a luz e pedi que não gritassem. Fui para trás da minha mesa depois", diz.
Jussara ainda não sabia que estava em meio a um massacre. Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, de 25 – ex-alunos da escola – entraram na unidade na quarta-feira (13) e fizeram sete vítimas. Antes, Guilherme havia atirado no tio comerciante, na loja dele.
Segundo a professora, as portas das salas de aula da escola não trancam. Ela e os alunos precisaram improvisar uma barricada para impedir a entrada dos assassinos.
“Um deles chegou na porta e disse: 'Hoje é o dia que todo mundo vai morrer'. Eu nem sei se ele me viu, mas eu empurrei a minha mesa para fechar a porta. E soube depois que vários professores escoraram com próprio corpo a porta", contou Jussara.
O desespero foi grande, de acordo com ela, que diz ainda que nunca havia sentido tanto medo.
"Meus alunos pediam a Deus para não morrer. Foi Deus que impediu eles de fazerem mais mortos naquela escola. Eu nunca senti tanto medo em toda minha vida”, relata Jussara.
A Polícia Militar chegou a tempo de evitar que o massacre chegasse até aquela sala.
Sem licença e segurança
Há quase duas décadas trabalhando na Escola Raul Brasil, Jussara considerava a unidade como a sua segunda casa. A serviço do Estado há 30 anos, no início de 2019 ela havia pedido uma licença prêmio. “Eu completei 30 anos em 19 de fevereiro. E deveria estar em licença prêmio, mas não me concederam”.
Emocionada, a professora afirma que não sai de casa desde o dia do massacre e confessa que não tem condições de voltar para a escola. “Eles querem que a gente volte na semana que vem, mas eu não tenho condições. Foi por pouco que a gente não morreu.”
Jussara destaca que é preciso que o Estado reforce a segurança na unidade para garantir o bem estar de alunos, professores e funcionários. “Não tem segurança, não dá para voltar".
A professora ainda lamenta os comentários sobre armar os professores.
Eu ouvi dizer que se o professor estivesse armado isso não teria acontecido. Mas eu não nasci para matar, eu nasci para lecionar.
Lembranças
Chorando, Jussara se recorda do último contato que teve na quarta-feira com a coordenadora pedagógica Marilena Ferreira Umezu. Ela foi uma das duas funcionárias mortas no massacre.
“Ela foi no intervalo no Centro de Línguas e demos nosso último abraço. Eu não consegui ir ao velório e nem no enterro dela. Eu não consigo ainda acreditar que ela está morta.”
Entre os estudantes que foram vítimas do massacre, Jussara foi professora de dois. Douglas Murilo Celestino, de 16 anos, morreu tentando ajudar a namorada. Jenifer da Silva Cavalcante, de 15 anos, segue internada em situação delicada. Foi retirada uma bala do abdômen dela, colocada uma bolsa de colostomia, mas ainda há uma bala alojada perto do pescoço da adolescente.
“O Douglas era um menino doce e estudioso. A Jenifer me ajudava muito em sala de aula. Era administradora do grupo de WhatsApp da classe. Eu espero que ela sobreviva.”
Enterros
Sete vítimas dos massacres foram enterradas na quinta-feira (13), cinco delas no Cemitério São Sebastião: os estudantes Samuel Melquiades de Oliveira Silva, de 16 anos; Kaio Lucas da Costa Limeira, de 15 anos; Caio Oliveira, também de 15; Cleiton Antônio Ribeiro, de 17 anos, e a inspetora Eliana Regina de Oliveira Xavier, de 38 anos.
Já Marilena Ferreira Umezu foi enterrada nesta sexta-feira, também no Cemitério São Sebastião.
Outras duas foram enterradas no Cemitério Colina dos Ipês: Jorge Antônio de Moraes, tio de um dos assassinos, e Douglas Murilo Celestino, de 16 anos.
Os assassinos foram enterrados no mesmo horário, também em Suzano, mas em cemitérios diferentes. Luiz Henrique de Castro, de 25 anos, no Cemitério São Sebastião, e Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos, no Cemitério São João Batista.