Prêmio Piauí Inclusão Social 2013: Centro de apoio livra crianças das drogas em THE

O perigo de envolvimento de adolescentes com drogas fez com que uma mulher resolvesse interceder e ajudar

Crianças participam de atividade do Centro de Apoio que promove inclusão | Jonathan Dourado
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?O homem não é nada além daquilo que a educação faz dele?, a frase é do filósofo prussiano Immanuel Kant, e demonstra que a educação é o principal instrumento de transformação social. Através da educação é possível modificar vidas e transformar a realidade daqueles que nasceram sem nenhuma perspectiva de um futuro melhor.

Foi esta a ferramenta escolhida pela técnica de enfermagem Maria Lurdes de Oliveira, ou melhor, a Lurdinha para transformar a vida de crianças e adolescentes carentes da zona Norte de Teresina. Hoje ela coordena o Centro de Apoio a Criança e ao Adolescente (CACA), mas quem visita o centro não sabe que tudo começou embaixo de uma árvore do Bairro Satélite.

Há duas décadas Lurdinha se deparou com uma situação preocupante. Crianças e adolescentes estavam entrando para o mundo das drogas, e como ela viu todos eles nascerem, não se conformava em vê-los degradar morrer, foi quando decidiu iniciar um reforço escolar embaixo da árvore da casa da irmã.

?Muitos vizinhos me criticaram, mas como sou técnica de enfermagem, eu acompanhei o nascimento de cada criança e para mim era muito doloroso ver que outras pessoas estavam matando aqueles jovens, e decidi resgatá-los através da educação.

O projeto começou com doze adolescentes, e nos reuníamos para dar aula de reforço, mas com o tempo esse número foi aumentando?, contou dona Lurdinha.

Com o passar dos meses a comunidade foi notando a importância daquele ato. Quando já tinha oitenta crianças e adolescentes participando, com idade entre 04 e 13 anos, o padre cedeu um espaço da igreja para a realização das reuniões, o que proporcionou uma formação religiosa, porém com o número de jovens crescendo dia após dia a igreja ficou pequena.

?Nós passamos um ano utilizando o Centro Paroquial, pois a árvore ficou pequena e o padre se prontificou em deixar que nos reuníssemos lá. Era realizada evangelização e palestras sobre drogas, sexo, doenças sexualmente transmissível, além da importância em não se envolver com o mundo do crime, e essa orientação foi responsável por permitir que eles se tornem cidadãos conscientes?, explicou.

O CACA começa a ser construído

O que era para ser apenas uma aula de reforço, foi se ampliando com o passar dos anos até que surgiu a necessidade de criar um espaço para atender toda aquela demanda.

Com o falecimento dos pais, Lurdinha herdou o terreno em que ficava a casa deles, mas não tinha recursos para construir o centro que atualmente transforma a vida de crianças e jovens através da educação e cultura.

Mesmo diante de tantas dificuldades, Lurdinha sempre soube que um dia iria realizar o sonho da comunidade. "Eu sempre tive fé em Deus e sempre soube que ele colocaria pessoas iluminadas no meu caminho, a doutora Onesima foi a primeira que nos ajudou bastante e sempre foi muito solícita, além de nos dar ideias de atividades a serem desenvolvidas com as crianças", contou.

Ainda segundo Lurdinha, a pediatra estava com câncer e faleceu seis meses depois, mas a família dela decidiu ajudar aquele projeto, pois sabia como era muito importante para a médica modificar a vida daqueles jovens.

"Quando ela partiu ficamos tristes, mas sabíamos que ela seria nosso anjo da guarda, como realmente foi, pois para atender a sua vontade o seu marido, o doutor Nascimento, resolveu dar continuidade aos seus planos e conseguiu recursos para a construção de três salas, dois banheiros, cozinha e dispensa, iniciando assim o nosso centro", relatou.

O centro estava construído, mas faltava as instalações elétricas e hidráulicas, além do reboco e piso, foi quando apareceu mais um anjo na vida daquelas crianças, Jamilton Lopes, ele é presidente de uma ONG e resolveu se engajar naquela causa tão nobre, que é salvar vidas através da educação.

"Nos conhecemos em um encontro e começamos a conversar sobre os nossos projetos, quando contei sobre as dificuldades que estávamos enfrentando, ele se prontificou em nos ajudar, organizou uma feijoada e arrecadou R$ 7000, que foram utilizados nos acabamentos necessários.

As pessoas dizem que sou mãe desses alunos, e eu sempre digo que o Jamilton é o pai, pois ele nos ajudou muito e continua ajudando", afirmou Lurdinha.

CACA também oferece oficinas e palestras

Capoeira, pelotão mirim, futebol, dança, teatro, coral são as oficinas realizadas nos finais de semana para ocupar o tempo dos alunos que fazem parte do CACA.

Atualmente 124 jovens recebem aula de reforço escolar e participam das oficinas. O centro que fica localizado no Bairro Satélite, também recebe crianças das vilas Madre Teresa, Paraíso, Firmino Filho, Porto do Centro e Parque Universitário.

?95% dos alunos que recebemos no CACA estão em situação de extrema pobreza, em alguns casos moram com os avós, a mãe é presidiária ou fugiu de casa, então eles veem no centro um lugar para esquecer seus problemas.

Muitos dos alunos almoçam aqui e vão para escola, e a nossa relação é de família mesmo, e fico triste por não conseguirmos atender toda a demanda, já que atualmente temos uma fila de espera?, relatou dona Lurdinha.

O centro também avalia o boletim de todos os alunos para saber como está o desempenho na escola.

Para dona Lurdinha esta é a parte essencial, pois é quando o centro avalia os avanços na escola e as disciplinas que merecem mais atenção nas aulas de reforço. ?Esse acompanhamento é importante para saber se eles estão frequentando a escola, suas notas, se estão tendo dificuldade?, explicou.

"Ser voluntário faz bem", dizem colaboradores do Centro

Não há nada mais gratificante do que fazer o bem ao próximo, e essa sensação é bem conhecida pelos voluntários Maria do Livramento, Maria de Jesus e José Carlos Alves.

Os três atuam há algum tempo no CACA e garantem que o melhor pagamento é o sorriso estampado no rosto daquelas crianças, que veem no Centro uma oportunidade de ter um futuro melhor.

"Eu estava desempregada quando a Lurdinha me chamou para ajudá-la a cuidar das crianças, eu logo aceitei, e hoje me sinto muito feliz por cuidar do lanche deles, pois percebo como é importante para eles participar do Centro, e me orgulho em ser uma das responsáveis por ajudar a manter este centro em funcionamento", disse Maria do Livramento.

Para acompanhar a educação do neto de perto dona Maria de Jesus Dornelo resolveu se tornar voluntária, e ajudar na cozinha no período da tarde. "Adoro conversar com as crianças, pois noto como o meu trabalho é importante para elas. Quando eu entrei foi para acompanhar meu neto, mas hoje tenho vários deles", afirmou.

O estudante de administração José Carlos Alves viu no centro uma oportunidade de compartilhar o conhecimento que adquiriu com aquelas crianças. Há dois meses atuando como professor de reforço, o jovem afirma que a determinação para aprender é a maior recompensa no seu trabalho.

"Quando o rapaz que trabalhava aqui teve que sair eu logo pedi para me tornar um voluntário, pois vi uma oportunidade de ajudar estas crianças, que também tem me ensinado bastante, logo a força de vontade e a determinação para aprender me dão força para continuar, até porque a história de vida deles não é diferente da minha", comentou José Carlos.

Iniciativa modifica vidas através da educação

"A tia Lala (Lurdinha) é como uma mãe para a gente", assim foi definida a idealizadora do projeto pela jovem Karioly Silva, de 12 anos. Ela participa do centro desde pequena e afirma que a vontade de crescer na vida surgiu da motivação dada todos os dias pelos voluntários, que se dedicam dia e noite para que aquelas crianças vejam na educação uma oportunidade de modificar a realidade que estão inseridos.

"A fé e as palavras de incentivo da tia Lalá são as maiores responsáveis por nos motivar. Assim como eu, muitas crianças não convivem com os pais e perdem um pouco a esperança, mas depois que começamos a frequentar o centro notamos que existe uma oportunidade de vencer na vida, e esta oportunidade está na educação", garantiu Karioly.

O adolescente Antoniel Sousa, de 15 anos, depois de passar anos estudando no Centro, resolveu ajudar as crianças da comunidade. Como o reforço escolar é apenas para quem está cursando o ensino fundamental, o jovem não queria deixar o Centro e se tornar voluntário foi a maneira encontrada para continuar e ajudar outros jovens.

"Hoje eu ensino e participo das atividades, mas acredito que a maior lição que aprendi aqui foi a importância do amor ao próximo e a paciência para ensinar. Se todas as pessoas fossem como a tia Lalá, o mundo seria um lugar bem melhor", garantiu o adolescente.

O Centro de Apoio a Criança e a Adolescente modifica há vinte anos a vida de crianças e jovens, que poderiam ter um futuro totalmente diferente se não tivessem conhecido o amor e a vontade de ensinar da dona Lurdinha.

Incluir vidas através da educação é o que motiva a vida da técnica de enfermagem, que não mede esforços para plantar no coração daquelas crianças a esperança de um futuro melhor.

Trabalho do Centro consegue mobilizar toda a comunidade

A proposta inicial era oferecer aulas de reforço escolar para os jovens carentes da comunidade, mas com o passar dos anos essas atividades foram se ampliando, e hoje envolvem os pais e moradores da região, que participam a cada 45 dias de palestras com médicos, dentistas e outros profissionais que tratam de variados temas.

As atividades visam fortalecer o vínculo familiar com o centro, pois a educação é um processo que ultrapassa a barreira da escola e deve ser iniciada dentro de casa.

"Nós temos uma relação muito próxima, pois se alguém adoece nós levamos para o hospital; se algum deles está com problemas em casa, nós conversamos com ele e com a família, e essa amizade é importante, até porque queremos que eles se sintam bem aqui", afirmou a diretora do CACA.

Uma relação que dona Elisângela Martins faz questão de cultivar, ela que é mãe do pequeno Diogo Gabriel, de 10 anos, conta que o filho depois que passou a frequentar o Centro melhorou seu desempenho na escola e adora participar das atividades desenvolvidas nos finais de semana.

"Aquela velhinha (Lurdinha) é uma abençoada, pois tudo que ela pode fazer por nossos filhos ela faz como se fosse para alguém da sua família. Diogo participa do Pelotão Mirim aos sábados e vem empolgado, o que nos tranquiliza, pois sabemos que ele não está nas ruas correndo o risco de se envolver com o terrível mundo das drogas".

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