"Mãe, paguei a faculdade. Não precisa mandar o dinheiro do livro porque eu já comprei", disse Jhessica Freitas Almeida da Silva, 20 anos, à mãe Cristiana Freitas, 39, pelo telefone, em 31 de março. Foi a última vez que ela ouviu a voz da filha única, que morava em Long Island, em Great River, próximo a Nova Iorque, Estados Unidos, onde estudava e trabalhava como babá.
Dois dias depois, o telefone da casa da família, em Vila Valqueire, tocou. Do outro lado da linha, funcionária do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília, se apresentou e disse: ?A Jhessica faleceu?. Começava um drama.
A jovem foi encontrada morta em 1º de abril, enforcada e pendurada por um cinto no guarda-roupa do quarto dela. No atestado de óbito, emitido pelo Consulado-Geral do Brasil nos EUA, em 5 de abril, consta como causa da morte autoenforcamento (suicídio). Mas a família contesta a versão para a morte e critica a investigação americana, e o Ministério das Relações Exteriores e a Secretaria Nacional de Direitos Humanos por não cobrar empenho das autoridades americanas.
?Minha filha não faria isso. Ela era feliz, estava realizando o sonho de morar lá. Quem planeja o futuro não pensa em se matar. A polícia americana não nos informou o que aconteceu e concluiu as investigações em poucos dias dizendo que foi suicídio. Temos muitas dúvidas?, conta, chorando, o pai dela, o suboficial da Marinha João Vieira da Silva, 46.
Estudante de Psicologia na SuffolK County Community College, Jhessica morava há dois anos e quatro meses nos Estados Unidos, e trabalhava como babá para John Surace e a mulher dele, cuidando dos três filhos dos americanos. Segundo os pais da jovem, o cordão da filha sumiu, assim como o anel que ganhou deles aos 15 anos.
?Ela não tirava esse cordão, e nenhum desses objetos nos foi entregue. Aliás, poucas coisas dela foram devolvidas. Quando fui informada da morte, desliguei o telefone achando que era trote. Depois, entrei em desespero?, lembrou Cristiana. Após a notícia, ela e o marido tiveram que ser hospitalizados e ainda estão sob cuidados médicos. Jhessica foi enterrada em 6 de abril, no Caju.
Patrão revirou quarto da jovem antes da polícia
A família da jovem estranha a rapidez com que o caso foi resolvido. Entre a data em que Jhessica foi achada morta e a chegada do corpo no Rio, passaram-se cinco dias. João foi aos EUA liberar o corpo: ?Lá, me disseram que as investigações ainda estavam em curso. A polícia terá que provar que foi suicídio. Se for, temos que saber o motivo, mesmo que nos faça sofrer mais?.
Segundo os pais de Jhessica, o corpo foi encontrado por John, que seria vendedor de seguros para policiais de Nova Iorque. ?Ele nos contou, por um tradutor, que arrombou a porta do quarto porque minha filha não atendia os chamados. Depois revirou o quarto tentando achar pistas sobre o ocorrido. O local não foi preservado. Não acuso ninguém, mas preciso de respostas?, completa o oficial.
João conta que o patrão da jovem sugeriu que o corpo fosse cremado nos EUA e ofereceu passagens: ?Foi muito frio conosco. Só pedia desculpas. Ainda deu coisas da minha filha para igreja sem nossa autorização. E a polícia entregou a ele (John) o laptop e iPhone da minha filha?.
Preparação para viagem sem que os pais soubessem
Determinada a viver nos EUA, Jhessica se preparou para a viagem sem que os pais soubessem: aprendeu inglês sozinha e depois se matriculou em curso para aprimorar a língua. Inicialmente, eles foram contra a viagem. Mas o pai ?capitulou? após conversa com a filha: ?Ela disse : ?Você está querendo que eu viva o seu sonho, e não o meu??, lembrou ele.
Hoje, para matar as saudades da filha, ele e a mulher passam horas no quarto da jovem, entre os poucos objetos que restaram. ?Foi isso que sobrou dela?, desabafou João, mostrando a mala de Jhessica. Ele a mulher estiveram com a jovem em março, nos Estados Unidos.
O casal pediu ajuda ao Itamaraty e à Secretaria Nacional de Direitos Humanos, para onde enviaram um dossiê sobre o caso, dia 14. A secretaria, porém, disse que soube do caso ontem e afirmou que entrará em contato com o Itamaraty a fim de saber as medidas que estão sendo tomadas. Já o Itamaraty informou que o Consulado-Geral do Brasil em Nova Iorque pediu cópia da investigação.