Filho de Witzel após placa destruída de Marielle: 'Perdi meu pai'

O filho de Witzel define a relação com o pai como \“fria e distante”

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A vida do cozinheiro Erick Witzel, 24, virou de cabeça para baixo há pouco mais de dois meses, quando o então candidato ao governo do Rio de Janeiro Wilson Witzel (PSC) revelou em uma entrevista ser pai de um filho transgênero --apesar do pedido feito de antemão pelo jovem, para que o ex-juiz federal não tocasse no assunto durante a campanha eleitoral. "Eu não queria a minha imagem e a minha condição de gênero associadas às causas dele", argumenta Erick.

O filho de Witzel, que define a relação com o pai como "fria e distante até aquele momento, mas pacífica", relatou em entrevista ao UOL a decisão de se afastar ainda mais do pai quando viu o então candidato em um ato de campanha em que uma homenagem à vereadora assassinada Marielle Franco (PSOL) foi destruída.

Desde a entrevista em que Witzel citou o filho trans, Erick passou a conviver com ataques virtuais de supostos apoiadores do governador eleito.

"Eu nunca disse 'sou trans' no meu trabalho, por exemplo, mas sempre fui respeitado. Daquela declaração até hoje, eu 'ganhei um rosto', um rótulo de filho trans do governador eleito. E não paro de receber ofensas e ameaças constantes no meu Instagram. Muitas vezes de perfis falsos que se dizem eleitores do meu pai, que falam que eu sou a vergonha da minha família, me mandam voltar para o armário, dizem que vão rir quando eu for parar no caixão", conta o cozinheiro, que não falou mais com o pai e cogita formalizar uma denúncia na Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática contra os agressores virtuais.

Enquanto via os atos de transfobia aumentarem, o jovem formado em gastronomia também percebia à distância o endurecimento das propostas do pai, que se declarou alinhado politicamente ao presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) e e passou a defender o "abate" de criminosos que estejam portando fuzis. As intenções de votos em Wilson Witzel, que giravam em torno de 1% em agosto, saltaram para 59,87% dos votos totais no segundo turno --resultado que deu ao ex-juiz federal a vitória sobre o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) e fez dele o próximo governador do Rio de Janeiro.

"O Brasil não tem pena de morte, como se propõe executar alguém sem julgar esta pessoa? Quem vai morrer com essa política? O que me pega nessa declaração é a incoerência. Como um cristão, candidato por um partido cristão, propõe isso? E o princípio do “não matarás?”, questiona.

Se àquela altura o jovem já se via distante dos ideais defendidos pelo pai, a participação de Witzel no ato no qual o deputado estadual eleito Rodrigo Amorim (PSL) exibiu uma placa destruída com o nome de Marielle gerou mais revolta.

"Quando eu ainda tinha Facebook [hoje mantem só o Instagram], vi a foto do deputado destruindo a placa. Ainda não aparecia o Wilson na imagem [Erick só se refere ao governador eleito pelo nome]. Fui ao perfil dele e comecei a olharr as fotos do dia, investigando em que contexto aquilo tinha sido feito. Quando vi, o Wilson estava lá. Eles vibravam e cantavam”, descreveu.

“Naquele momento pensei: 'eu perdi o meu pai. Qualquer resto de humanidade dele se perdeu ali'. Foi uma violência. Foi como se eles rasgassem a luta de todas as minorias pelas quais Marielle lutou”, Erick Witzel, filho de Wilson Witzel.

De lá para cá, nem mesmo um telefonema parabenizando o pai pela vitória nas urnas. "Eu não conseguia mais ver os debates, me sentia agredido pelo que era defendido. Vergonha alheia mesmo. Ligar para ele para quê? Seria muito hipócrita da minha parte”, conta Erick, que precisou se licenciar por três semanas do restaurante em que trabalha, em um hotel na zona sul da capital fluminense, para "colocar a cabeça no lugar".

Após ser eleito, Witzel pediu desculpas à família de Marielle e reiterou que não compactua com atos de intolerância. Procurado para comentar as declarações do filho, o governador eleito ainda não se manifestou. Mas, se por um lado a presença de Witzel nesse ato espantou o jovem, Erick diz que o fato também despertou a coragem necessária para se posicionar ideologicamente.

O cozinheiro, que refuta a possibilidade de seguir carreira política e se filiar a um partido, afirmou que não crê em política voltada à comunidade LGBT no governo Wilson Witzel. Erick pretende militar pelos direitos dos transgêneros nas redes sociais e nas ruas.

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