Pela primeira vez, suspeitos de nazismo serão julgados no Brasil

O MP sustentou que os réus integravam um grupo que pregava o preconceito contra judeus, negros, homossexuais e punks

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No primeiro semestre de 2013, quatro suspeitos de integrar um grupo neonazista serão julgados na capital gaúcha por tentativa de homicídio, formação de quadrilha e racismo, um fato inédito no Brasil, segundo a Polícia Civil do Rio Grande do Sul. O delegado Paulo César Jardim, que coordena uma equipe de investigação contra grupos extremistas no Sul do País há dez anos, compara o fato - guardadas as devidas proporções - ao histórico tribunal de Nuremberg, que condenou os principais dirigentes do nazismo após a 2ª Guerra Mundial.

"Teremos a experiência, através do júri popular, de julgar o envolvimento de nazistas pela primeira vez. Há mais de 60 anos, um fato semelhante aconteceu em Nuremberg, mas é claro que respeitamos as proporcionalidades. Na América do Sul, esse tipo de fato, com tentativa de homicídio e formação de quadrilha, é inédito", disse ele. Ainda sem data definida, o júri vai decidir o futuro de Luzia Santos Pintos, Fábio Roberto Sturm, Laureano Vieira Toscani e Thiago da Silva.

Eles se envolveram, segundo denúncia do Ministério Público (MP) aceita pela Justiça, em uma agressão a judeus em maio de 2005 no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre. Com facas e canivetes, os quatro, junto com outros 10 suspeitos, teriam agredido Rodrigo Fontella Matheus, Edson Nieves Santanna Júnior e Alan Floyd Gipsztejn.

O MP sustentou que os réus integravam um grupo que pregava o preconceito contra judeus, negros, homossexuais e punks. Além das agressões, eles veiculavam ideias discriminatórias pela internet, divulgavam letras de músicas, fotografias e imagens com mensagens de conteúdo antissemita e nazista e pregavam a supremacia da raça ariana. Dos 14 denunciados, dez recorreram e aguardam decisão do recurso por parte da juíza Elaine Maria Canto da Fonseca.

Paulo César Jardim não acredita, mesmo com uma eventual condenação, no fim da propagação do nazismo no Estado: "É um posicionamento ideológico, por isso não acredito no seu término. (...) Os inúmeros inquéritos remetidos à Justiça estão se fazendo necessários para o julgamento dos indiciados, para nós é importante."

Advogado critica "perseguição policial"

Defensor do réu Laureano Vieira Toscani, o advogado Guilherme Rodrigues Abrão sustenta que seu cliente não é neonazista e garante que ele não estava presente na agressão contra os judeus, em 2005. Ele criticou a "perseguição" feita pela Polícia Civil.

"A polícia teve uma visão muito apressada, por conta de um reconhecimento precário, que resultou na prisão deles. Eles não participaram do fato. Embora possua material (de cunho nazista) e tenha lido sobre essas questões, o Laureano não é uma pessoa com qualquer tipo de preconceito", argumentou Abrão.

"Seus pais são professores universitários, residiram na Europa e uma irmã já se relacionou com um negro. Não há motivos para o Laureano participar de qualquer movimento ideológico que cultive o ódio e o preconceito. Muito se dá por uma certa perseguição e estigma", completou.

Rebatendo o defensor, Jardim ironizou: "Quase 90% das pessoas que estão no Presídio Central são "inocentes" e foram "injustamente condenadas". Os demais réus não contrataram advogados e terão defensores públicos no tribunal. O Terra entrou em contato com a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, mas até a publicação desta reportagem não obteve retorno.

Histórico de violência

Em agosto de 2011, uma briga envolvendo punks, skinheads e ao menos um neonazista em um bar da capital gaúcha ligou o sinal de alerta da polícia para a atuação de grupos que pregam o ódio e a discriminação no Sul do País, inspirados pela ideologia de Adolf Hitler. Responsável pelo indiciamento de 35 neonazistas no Estado na última década, Jardim afirmou que está "na gênese" do gaúcho a guarida para movimentos desse tipo.

Já em 2010, um grupo de defesa dos direitos dos travestis no Rio Grande do Sul recebeu ameaças por telefone de um suposto neonazista, que disse preparar uma ação na 14ª Parada Livre. Em edição anterior do evento, cartazes que pregavam a morte de homossexuais foram afixados no bairro Bom Fim, onde ocorre a passeata. Em novembro do mesmo ano, policiais civis apreenderam material de apologia ao nazismo em uma residência no centro de Porto Alegre.

Foram recolhidos fotografias, CDs, camisetas, distintivos, facas, uma soqueira e um laptop, mas ninguém foi preso. Em 2009, apreensões semelhantes ocorreram em Cachoeirinha, Viamão e Porto Alegre. Também em 2009, o casal Bernardo Dayrell e Renata Ferreira foi assassinado após uma festa neonazista no Paraná. O crime foi cometido na BR-116, em Quatro Barras, região metropolitana de Curitiba, e teve motivações de disputa entre o grupo neonazista liderado por Dayrell e Ricardo Barollo, apontado pela polícia como o mandante do duplo homicídio.

Além dele, Jairo Maciel Fischer, Rodrigo Motta, Gustavo Wendler, Rosana Almeida e João Guilherme Correa foram acusados de participar no crime. No dia do assassinato do casal, vários membros do grupo neonazista foram a uma festa em comemoração ao aniversário de Adolf Hitler em uma chácara de Quatro Barras. Conforme a lei 7.716, de 1989, "fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo" prevê pena de até três anos de reclusão.

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