A dois meses de completar um ano, a mais devastadora epidemia de ebola dá agora sinais de arrefecimento. A queda no número de novos casos na África Ocidental foi destaque de um informe da Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgado ontem. Na semana passada, foram relatados menos de 150 casos somados em Guiné, Libéria e Serra Leoa. Ainda assim, a agência alerta: devem ser mantidos os esforços para acabar com a doença, que já registra 21.689 infectados e 8.626 mortes só nos três países mais afetados. Nigéria, Senegal, Espanha, Reino Unido, Estados Unidos e Mali somam outros 35 casos e 15 óbitos, sendo que, na semana passada, este último país foi declarado livre da doença. Para especialistas, o recuo na quantidade de novas ocorrências indica que, embora mais violento que anteriores, o surto atual segue a trajetória natural de enfraquecimento do vírus. O apoio internacional de contenção também é destacado entre os fatores relacionados ao possível controle do ebola. Novos surtos, porém, não são descartados.
De acordo com os dados divulgados pela OMS, Serra Leoa foi o país mais afetado nos últimos dias, com 117 dos 145 novos casos confirmados, contra 184 na semana passada e 248 na anterior. “A incidência de casos continua a cair em Guiné, Libéria e Serra Leoa”, informou a agência, acrescentando que a vigilância está sendo intensificada nos distritos de fronteira de Guiné-Bissau, Costa do Marfim, Mali e Senegal. A cada dez dias, o número de novas infecções reportadas cai pela metade na Guiné. Foram 20 no balanço mais recente, quantidade mais baixa no país desde o início de agosto. Na Libéria, onde os casos confirmados na semana passada despencaram para oito, de um pico de mais de 300 por semana entre agosto e setembro, a quantidade vem se reduzindo à metade a cada duas semanas, e em Serra Leoa, a cada 20 dias, aproximadamente. Além do Mali, outras nações da região livres do vírus são Nigéria e Senegal, e não houve mais casos entre os trabalhadores estrangeiros da área de saúde que retornam a Grã-Bretanha, Espanha ou Estados Unidos, apesar de uma enfermeira britânica ainda estar se recuperando em um hospital em Londres. Até o momento, 828 profissionais de saúde foram infectados nos três países mais atingidos. Deles, 499 morreram.
DECLÍNIO É TENDÊNCIA
Infectologista e autor do livro “Pandemias”, Stefan Cunha Ujvari explica que a tendência de enfraquecimento da epidemia é natural. No início, lembra, a contenção foi adiada porque, em alguns casos, doentes não chegavam a buscar hospitais, e unidades não tinham áreas de isolamento para os pacientes infectados.
- A tendência do ebola é aumentar e, depois, declinar. Foi assim até agora: todas as epidemias anteriores foram controladas em cinco ou seis meses. Esta teve as características especiais de um número tão grande de infectados e de ser tão duradoura por ter ocorrido em grandes centros urbanos e em países que estão no alto dos rankings de nações mais pobres do mundo. Mas em algum momento seria possível controlá-la - raciocina, citando o apoio internacional como o principal fator de redução no número de novos casos. - Uma lição importante dessa epidemia é que a desigualdade social e econômica que se tem em alguns países é um problema para o planeta todo. No mundo globalizado, não dá pra interpretar essas nações como distantes. É hora de repensar a situação.
O virologista Fernando Portela Câmara, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que, a partir de um determinado momento de um surto, sucessivas mutações do vírus podem originar variantes mais fracas.
- A linhagem original vai se multiplicando e produzindo mutantes, que podem conter defeitos genéticos. Então, depois que a epidemia se prolonga, muitas variantes menos virulentas vão sendo geradas. Ao mesmo tempo, aos poucos, é criada alguma resistência imunológica na população - detalha.
Para Câmara, é possível assegurar que, depois de finda, esta não será a última epidemia de ebola. Contudo, diz, não é possível prever quando, onde ou com que severidade a doença pode voltar a aparecer:
- O ebola normalmente aparece depois de um período de seca seguido de uma temporada de chuvas. Essa combinação leva a um aumento da cobertura vegetal e, consequentemente, da população de animais silvestres. Com isso, aumenta a chance de exposição das pessoas ao vírus.
PARA MEMBRO DO MSF, É CEDO PARA COMEMORAR
Médico generalista e membro da organização Médicos Sem Fronteiras, Paulo Reis pondera que ainda é cedo para comemorar. Segundo ele, embora o atual cenário seja mais “estável”, em outros pontos da epidemia, melhorias nos números de ocorrências recentes foram seguidas de novos aumentos.
- Eu acho que pode ser um pouco otimista imaginar uma melhora, embora essa queda pareça mais lógica, mais estável. O decisivo para essa redução foi o envolvimento de mais pessoas, um fortalecimento da resposta mais intensa, além de a doença tender a perder a força com o tempo. No futuro, é importante que todas as organizações que lidam com saúde pública fiquem preparadas. Não podemos relaxar, achar que está tudo bem - alerta Reis, que esteve quatro vezes na África Ocidental durante a atual epidemia.
A declaração do médico se alinha com a preocupação de outros órgãos internacionais. Anteontem, o chefe da ONU para o ebola, David Nabarro, destacou que as agências das Nações Unidas precisam de um total de US$ 1 bilhão para combater a epidemia de ebola num momento em que os especialistas passam para uma nova fase que envolve uma operação maciça de rastreamento de casos remanescentes. “Casos de resistência de comunidades a enterros seguros e à identificação de contatos continuam a ser relatados em todos os três países, embora sejam mais comuns na Guiné”, informou relatório da OMS. No mesmo dia, o Comitê de Emergência Para o Ebola da entidade explicitou que os passageiros ainda devem ser rastreados ao deixar Guiné, Libéria e Serra Leoa a fim de que se detectem sinais de infecção.
A expectativa do fim da epidemia, no entanto, já faz autoridades dos países afetados reorganizarem serviços públicos. Anteontem, o governo de Serra Leoa informou que escolas do país serão reabertas em março, oito meses depois que os alunos foram mandados para casa, e as classes, fechadas. Um comunicado explicou que a decisão foi tomada após reunião consultiva presidida pelo presidente Ernest Bai Koroma e que serão fornecidas instalações para garantir que os alunos e professores estejam seguros.
- Estamos trabalhando para ter certeza de que nossas escolas estão seguras e desinfectadas, a fim de que possamos levar nossas crianças de volta para elas - declarou o ministro da Educação, Minkailu Bah.
Ele acrescentou que os professores serão treinados para usar termômetros e, assim, poder medir as temperaturas de alunos e de outros membros da equipe. Além disso, baldes de água clorada ficarão à disposição em todas as escolas.