Com a crise na saúde pública e a greve dos médicos, que já dura 80 dias no Rio Grande do Norte, os pacientes que necessitam de atendimento de emergência estão sofrendo com a demora nos hospitais de Natal.
Relatos apontam que a demora para receber o primeiro atendimento chega a 24 horas no hospital Walfredo Gurgel, maior emergência do Estado. Além disso, os pacientes são obrigados a ficarem internados em macas de hospitais pelos corredores por conta da falta de leitos. Há problemas de superlotação também nos hospitais pediátricos e maternidades, com registro de mortes de mães e bebês.
A dona de casa Terezinha Bezerra Costa, 51, contou que passou 24 horas sentada em uma das cadeiras da recepção do Walfredo Gurgel, quando finalmente foi transferida para uma das macas no corredor do hospital. Na noite do último dia 12, Costa reclamou à reportagem da demora na assistência médica. ?Passei a noite gemendo de dor, com esse braço inflamado devido às várias fístulas e abcessos. Estou com febre e apenas uma enfermeira passou por aqui para dar uma olhada, mas os médicos passam e não param para me atender.?
Segundo relato do médico anestesista Madson Vidal, duas gestantes morreram em junho em busca de vagas em maternidades durante o trabalho de parto. ?Imagine essas famílias pobres, que se preparam com enxoval, berço e tudo mais, e no final de tudo recebem, em vez de um bebê, dois caixões em casa. Isso é desumano?, disse.
Vidal também afirmou que a superlotação nas maternidades está obrigando gestantes a darem a luz em locais inadequados. O médico publicou uma foto, pelo Twitter, mostrando uma gestante deitada em duas cadeiras por falta de leito. A imagem teria sido captada no último dia 16. ?Quem aqui suportaria ou aceitaria ver a sua esposa humilhada e maltratada desta forma para dar a luz um filho seu? Dói muito?, escreveu o médico.
Para tentar ajudar os pacientes, ele e um grupo de pessoas em Natal criaram a Amico (Amigos do Coração da Criança), uma instituição fundada para ajudar crianças cardiopatas que não têm condições financeiras de se manter após se submeterem a cirurgias cardíacas. ?São médicos, promotores de Justiça, advogados e outros profissionais que se sentem desconfortáveis com a situação das crianças cardiopatas carentes e resolveram ajudar porque sempre operávamos uma criança, numa cirurgia complicada, mas bem sucedida, e depois sabíamos da notícia de que aquele paciente havia morrido de desnutrição, de falta de assistência básica em casa por ser pobre.?
Segundo o médico, a falta de atendimento em maternidades da capital gerou superlotação também na Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC). ?Existe uma boa estrutura para atender as mães no local, dentro da capacidade que eles suportam. Como eles atendem mais que a capacidade, porque a rede é deficiente, há a superlotação e os problemas.?
A acompanhante de uma mãe contou que ela foi obrigada a dar à luz em uma cadeira, no último dia 10.
?E não foi porque chegamos em cima da hora do parto: ela já esperava desde a manhã por uma vaga numa enfermaria ou sala de parto para ter o menino, mas não conseguiu. Graças a Deus eles estão bem, pois se dependessem do atendimento daqui estavam mortos?, disse a mulher, que pediu anonimato.
Segundo a acompanhante, mãe e filho ainda estavam internados porque o bebê "engoliu um pouco de líquido [amniótico] e ficou em observação". "Nesses dois dias que estou aqui, observei que não foi só ela quem pariu em cima de uma cadeira. Outras mulheres --acho que umas quatro ou cinco-- também ficaram na mesma situação constrangedora, com todo mundo olhando os nascimentos dos nenéns.?
No dia em que visitou o local, a reportagem tentou falar com o diretor da maternidade, Kléber Morais, mas foi informada que ele estaria viajando, sem prazo para retorno.