Nada menos do que 75,7 milhões de pessoas podem ser consideradas usuárias de jogos eletrônicos, no Brasil. O volume de jogadores coloca o País em primeiro lugar entre os países latino-americanos – e em 13º lugar no ranking global do setor. A Secretaria Especial da Cultura do Ministério da Cultura atua no fomento ao setor de jogos eletrônicos, um dos mais expressivos da economia criativa. Para este ano, estão previstos investimentos de R$ 45,2 milhões do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) para o setor, em especial para a produção e comercialização de jogos, incluindo projetos de realidade virtual e aumentada, e para a criação de aceleradoras de desenvolvedoras de games.
Nos últimos cinco anos, o número de empresas brasileiras que desenvolvem jogos eletrônicos mais do que dobrou, passando de 142, em 2013, para 375 em 2018, segundo dados do 2º Censo da Indústria Brasileira de Jogos Eletrônicos, promovido pelo então Ministério da Cultura, hoje Secretaria Especial da Cultura. E muitas dessas empresas vêm apostando no mercado internacional. Já são vários os exemplos de desenvolvedores brasileiros com jogos vitoriosos em importantes premiações internacionais e expressivo faturamento proveniente de negócios internacionais.
Criada em 2009 em Brasília (DF), a Behold Studios é uma dessas empresas. Os três principais jogos criados pela desenvolvedora – Knights of Pen and Paper, Chroma Squad e Galaxy of Pen and Paper – já conquistaram mais de 50 prêmios internacionais, entre eles o de melhor jogo independente no maior festival de jogos eletrônicos do mundo, o Independent Games Festival, em 2013, com Knights of Pen and Paper, RPG (role playing game) baseado no mundo medieval.
“O Knights of Pen and Paper foi o nosso primeiro jogo autoral, feito em 2012. Foi um jogo que conquistou o mundo. Ao vencer o Independent Games Festival, ele colocou nossa empresa no mapa de desenvolvedores do mundo. Hoje, o jogo tem mais de 3 milhões de jogadores e é realmente um sucesso internacional”, destaca o criador e diretor da Behold Studios, Saulo Camarotti. O game está disponível para consoles (PS4, Xbox One e Nintendo Switch), PCs, celulares e tablets.
Hoje, informa Camarotti, o mercado internacional representa 93% do faturamento da empresa. Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, França e Japão são os principais mercados. “Nós trabalhamos inteiramente focados no mercado internacional. Nossa apresentação, nossa comunicação é sempre em inglês e os jogos a gente chega a traduzir para 10, 15 línguas”, conta o desenvolvedor.
Outro jogo brasileiro que ganhou espaço internacional é Dandara, da Long Hat Studio, selecionado pela Revista Time como um dos 10 melhores do mundo em 2018. A personagem do jogo, o segundo desenvolvido pelo estúdio, foi inspirada em Dandara dos Palmares, esposa de Zumbi.
“A Dandara pula como se não tivesse gravidade, é um estilo de jogo em que você explora e navega livremente pelo mapa do jogo, como se fosse um labirinto. À medida que ela vai lutando, descobre novos poderes”, explica Lucas Mattos, um dos sócios e criadores do jogo. “Para nós, [ser selecionado pela Time] foi uma surpresa, é um reconhecimento do nosso trabalho e mostra que estamos o caminho certo”, avalia.
Mattos destaca que os jogos brasileiros estão conquistando mais espaço fora do País, sobretudo devido à qualidade. “Tem cada vez mais jogos se destacando. As pessoas lá fora não olham de onde vem o jogo, mas se ele é bom. E vemos a qualidade aqui subindo”, afirma. “O que recomendaria para quem quer se internacionalizar é não copiar o que já existe, mas usar o que tem na vida dele de brasileiro, fazer algo mais perto da nossa realidade, porque já fica algo diferente e isso dá um destaque”, destaca.
Turma da Mônica
Outro exemplo de game brasileiro bem-sucedido no exterior é “Mônica e a Guarda dos Coelhos”, da Mad Mimic Interactive, que ganhou a melhor direção de arte na Exposición de Videojuegos Argentina (EVA) 2018, um dos mais importantes eventos sul-americanos de jogos eletrônicos.
O jogo, feito em parceria com a Maurício de Souza Produções, foi lançado em 5 de dezembro na Comic Con, em São Paulo, para computador e console. Nele, os jogadores precisam defender os castelos contra a horda de sujeira e proteger as relíquias de coelhos. Para isso, precisam criar pólvoras e coelhos mágicos, cada um com um poder único, carregar os canhões e derrotar os inimigos invasores.
O CEO da Mad Mimic Interactive, Luis Fernando Tashiro, conta que receber o prêmio foi uma surpresa. “A indústria nacional está em processo de amadurecimento rápido”, avalia. “Os nossos maiores compradores são Canadá, Estados Unidos e Coréia. Temos um público fiel, que consome nossos produtos cada vez mais”, completa.
Um dos conselhos dados por Tashiro para internacionalizar os negócios é buscar fazer parcerias com distribuidoras da Ásia. “A Abragames (Associação Brasileira das Empresas Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos) também é importante para firmar as parcerias, ter investimentos no País e distribuir produtos lá fora”, conclui.
Outro game que se destacou no cenário internacional foi o Sword Legacy Omen, que ganhou título de melhor jogo do IndieX, da Lisboa Games Week. Disponível para PC, o jogo, de RPG tático com ênfase em diálogo e trama sofisticada, é baseado em uma releitura das lendas do Rei Arthur. “Para nós, o prêmio é uma honra e um reconhecimento. Também dá visibilidade, que é algo difícil de conseguir. A grande luta do produtor brasileiro é por visibilidade”, afirma Arthur Protasio, roteirista e fundador da Fableware Narrative Design e Firecast.
Para Arthur, a indústria brasileira ainda tem que amadurecer e enfrentar o desafio de se tornar sustentável. “Uma coisa é o mercado brasileiro (consumo), outra coisa é a indústria (produção). É importante o trabalho de conscientizar o público brasileiro da qualidade dos jogos desenvolvidos no País”, diz.
Histórico de Fomento
Em 2017, o então Ministério da Cultura lançou dois editais de jogos eletrônicos, com investimento de R$ 16 milhões em 30 projetos voltados ao público infantil. Além disso, a Agência Nacional do Cinema (Ancine), vinculada ao Ministério da Cidadania, lançou, em 2016 e 2017, dois editais de fomentos a jogos eletrônicos, com investimento total de cerca de R$ 45 milhões.
Além disso, a Pasta financiou o Censo de Games 2018, pesquisa fundamental para nortear o desenvolvimento de políticas públicas, e promoveu três cursos a distância gratuitos de capacitação para profissionais do setor de jogos eletrônicos, que contaram com mais de 10 mil inscritos.