Ao olhar-se no espelho, dona Nilva enxergava uma mulher com idade bem mais avançada do que na verdade pensava que tivesse. No dia em que completou 79 anos, em fevereiro de 2013, foi surpreendida com uma pequena festinha preparada pela família em sua casa, em Porto Alegre, com direito a bolo e os versos de parabéns a você. Ao ser avisada que estava de aniversário, perguntou: ?Quem, eu??.
O enredo da vida real, que ganhou destaque na imprensa e comoveu pessoas em todo o país, agora está disponível em livro. A história de Nilva de Lourdes Aguzzoli, que passou os últimos meses de vida sob os afetuosos cuidados do neto, o porto-alegrense Fernando Aguzzoli, 22 anos, está na obra ?Quem, eu? ? Uma avó. Um neto, Uma lição de vida?. Publicado pela editora Belas Artes, o volume tem lançamento em Porto Alegre na próxima segunda-feira (28). Depois, percorre outras cinco cidades brasileiras.
?É muito mais do que um livro para mim. É a última homenagem que eu podia fazer para a minha avó?, diz Fernando, em entrevista. ?Era um título provisório, mas acabou ficando. E não poderia ser outro. Hoje, se a minha avó visse a foto dela na capa do livro, ia virar para mim e dizer, com certeza: ?Quem, eu???, brinca o neto, ao justificar o nome dado ao livro.
Diagnosticada com mal de Alzheimer em 2008, a matriarca da família Aguzzoli, descendente de italianos e natural de Caxias do Sul, na serra gaúcha, passou a sofrer lapsos de memória e comprometimento de funções motoras. O caso se agravou a ponto de ela não conseguir mais realizar sozinha tarefas comuns do dia a dia e de não reconhecer amigos e familiares. Nem a si mesma.
Então estudante de filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e aspirante a pequeno empresário, o neto trancou a faculdade, largou emprego e as festas com os amigos para se dedicar em tempo quase integral para cuidar daquela que fez o mesmo por ele quando criança. Era o momento de retribuir o cuidado quase materno da avó, assumindo uma espécie de papel de pai.
?Existem algumas doenças do novo século. Acho que o Alzheimer é uma delas. Antigamente, isso não tinha nome, Alzheimer era só caduquice, coisa de velho?, avalia. O mal de Alzheimer é uma doença neurodegenerativa ainda sem cura, mas a chance de controlá-la é maior se ela é detectada precocemente. A incidência maior é na terceira idade e seu sintoma mais comum é a perda da memória, mas compromete ainda o comportamento e pensamento do paciente.
Para enfrentar os dias que viriam e dividir a experiência de cuidar da avó enferma, Fernando levou o assunto às redes sociais. Com bom humor, criou a página Vovó Nilva, no Facebook, um espaço que serviu para compartilhar as experiências de se conviver com alguém com Alzheimer.
Os textos descrevem situações engraçadas, aventuras até fantasiosas ? características de um paciente com Alzheimer ? e, ao mesmo tempo, cheias de sensibilidade e amor. E foi a partir de pedidos dos internautas que surgiu a idéia de transformar esses momentos em livro. ?A ideia partiu dos leitores da página do Facebook. Os internautas que incentivaram a escrever o livro. Em momento algum eu havia pensando em escrever sobre isso?, revela.
Dona Nilva se foi em dezembro de 2013, quando não resistiu a uma infecção urinária, pouco antes de completar 80 anos de idade. Na mesma época, a primeira etapa do livro havia sido concluída. ?Depois disso eu adicionei outros capítulos. Escrevi sobre o período de perda, sobre a ajuda que tive dos internautas para suportar tudo. Mas não queria que fosse só um livro biográfico. Por isso entrevistei 25 profissionais para darem seus pareceres mais científicos, digamos assim?, sustenta.
Tratam-se de esclarecimentos de psicólogos, psiquiatras, neurologistas, geriatras e até advogados e arquitetos. ?Todos falam sobre questões bem pertinentes para o paciente a para a família. Ao arquiteto questionei, por exemplo, quais modificações a casa tem que receber para acomodar um idoso. O advogado fala sobre quais são os direitos de um portador do Alzheimer?, exemplifica.
Para Fernando, a maior recompensa é saber que sua história pessoal está ajudando muitas famílias a lidar com casos semelhantes. ?O Brasil tem vergonha de envelhecer. E tem, com razão, medo de envelhecer, já que é uma tarefa muito difícil no país. Estou recebendo um retorno bem gratificante do público até agora. Realmente, espero que ajude?, conclui.