Até pouco tempo a agressão física ou moral contra a mulher era considerada um problema de foro íntimo que não ultrapassava as barreiras das quatro paredes inerentes aos envolvidos.
Hoje, as punições a esta violência, previstas no Código Penal, são disciplinadas pela Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, que completou 07 anos, na última quarta-feira (07).
No Brasil, burlar as leis é um hábito e existe o mito de que algumas ?não pegam?. A Lei Maria da Penha ainda não é cumprida plenamente, mas sem dúvidas tem ganhado cada vez mais força e visibilidade entre os brasileiros.
Tal visibilidade é comprovada pela grande quantidade de processos instaurados em Teresina. Segundo Carlos de Moura Rêgo, secretário do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (JVDFM), desde a instalação da Comarca de Teresina, no dia 24 de maio de 2010, até hoje tramitam 6.021 processos. Destes 1.587 são medidas protetivas. Hoje o JVDFM consta com 42 presos: 6 provisórios, e 36 sob cautelar.
De acordo com o promotor Francisco Jesus Lima, do Núcleo de Promotores de Justiça Especializados no Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar Contra Mulher de Teresina ? NUPEVID- o Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra Mulher de Teresina registra mais 30% dos processos criminais existentes Teresina, tratam de casos relacionados a violência contra a mulher. Essa grande quantidade advém muito da visibilidade que a Lei Maria da Penha alcançou nestes sete anos.
Esse alcance é observado na pesquisa ?Percepção da sociedade brasileira sobre violência e assassinato de mulheres?, realizada pela Agência Patrícia Galvão/Data Popular, publicada esta semana. O estudo realizou 1.501 entrevistas com homens e mulheres maiores de 18 anos, em 100 municípios de todas as regiões do país, entre os dias 10 e 18 de maio deste ano.
A pesquisa de temática inédita revela forte preocupação da sociedade que está adquirindo uma consciência mais ampla de como a lei é um importante mecanismo de combate a violência e defesa da mulher.
A quantidade de pessoas que tem conhecimento da lei é de 98%. Dentro deste número, 66% julga conhecer bem os dispositivos, 32% afirmam ter ouvido falar da lei, no entanto não sabem quase nada a respeito e os 2% restantes sequer sabem da existência da lei.
De acordo com os dados, 86% dos brasileiros acreditam que as mulheres passaram a denunciar mais os casos de violência doméstica após a implantação da Lei Maria da Penha.
Também 86% da população avalia que os casos de agressão devem sim ser denunciados à polícia. Apesar disso, 85% dos entrevistados acreditam que as mulheres que fazem a denúncia contra maridos ou namorados correm riscos de serem assassinadas pelos parceiros.
Justiça ainda precisa investir na expansão do atendimento às mulheres vítimas
Um dos pontos questionados pelo estudo foi com relação ao atendimento prestado às vítimas de violência. Quase todos os entrevistados, 97%, reconhecem a Delegacia da Mulher como principal instituição de apoio, seguida pelos centros de assistência social.
Já os serviços de saúde e de justiça em apoio às mulheres são pouco conhecidos. Além disso, apenas 40% das pessoas ouvidas conhecem o número de telefone gratuito para ajudar mulheres que sofreram violência, e apenas 20%, informaram espontaneamente que o 180, era o número para realizar denúncias.
A maioria das pessoas, 57%, acredita que as denúncias têm surtido efeito e que um número maior de homens passou a ser punido por ter agredido mulheres. No entanto, 85% considera que a Justiça não pune devidamente os homens que assassinaram suas parceiras, sob os argumentos de que a justiça não prioriza esses casos, além de ser muito lenta e a pena ser muito curta.
Sobre a atuação da Justiça o promotor Francisco Jesus Lima faz um adendo, afirma que um dos motivos do atraso é a distribuição dos processos e a carência estrutural do juizado especializado em violência contra mulher da capital.
"Ao invés dos processos relacionados a mulher vítima de violência ir diretamente ao Juizado, vão para o Fórum Criminal de Distribuição", observa.
A Lei Maria da Penha aumentou a demanda de casos, pois isso trouxe à mulher, ao longo dos anos, mais garantias sociais, capazes de oferecer-lhes maior segurança no ato de denunciar.
"Com o fortalecimento da rede de atendimento, das campanhas desenvolvidas, a mulher vítima de violência saiu do "anonimato" e passou a denunciar as agressões. Sem dúvidas, essas agressões sempre existiram", analisa o promotor Francisco.
Com a grande quantidade de casos, o promotor explica que para agilizar e otimizar a estrutura seria necessário, além da redistribuição processual, com encaminhamento direcionado ao Juizado, a contratação de pelo menos mais um magistrado no Juizado, que conta com apenas um juiz.
"Essa demanda é humanamente impossível para um juiz só resolver. O Judiciário tem que se sensibilizar em colocar no mínimo mais um juiz permanente, além de melhorias estruturantes. Isso já foi solicitado e está sendo providenciado", expõe.
O poder da mulher: ?Nada por nós, sem nós?
A avaliação do movimento feminista sobre esses dados é de que a lei trouxe muitos avanços e soluciona questões mais específicas. Porém ainda é preciso que a interpretação judiciária avance em questões referentes à violência moral e psicológica.
É o que preconiza a coordenadora do coletivo feminista GEMDAC (Gênero, Mulher e Ação para Cidadania), Dulce Silva, que analisa que toda a problemática que envolve a violência contra mulheres envolve a desigualdade de gêneros que está enraizada no seio da sociedade.
?Nós tivemos um avanço muito grande com a lei, só que ela não se estabeleceu totalmente. O sistema jurídico não absorveu e tem dificuldade na interpretação e na operacionalização da lei.
As principais dificuldades estão relacionadas à tipificação da violência. Só é considerado violência o espancamento, o que deixa marcas. O insulto, o deboche, a humilhação são desqualificados como agressão moral, são considerados brincadeiras?, observa.
Dulce esclarece que a base da violência é a desigualdade de gênero e enfatiza que as mulheres devem buscar ocupar os espaços de poder na sociedade. ?Só comete violência contra outro, alguém que se sente com mais poder.
Você não comete violência contra seu igual. A raiz da violência são as desigualdades sociais, que no fundo começam pelas desigualdades de gênero.
Enquanto não tivermos poder de mando, estaremos sempre nesse lugar em que os outros estão decidindo por nós. Temos um lema: Nada por nós, sem nós?, explica.
A feminista e assistente social, Maria José do Nascimento, criou a primeira experiência de atendimento à mulher vítima de violência sexual do Piauí (Projeto Maria Maria). Ela observa que a lei teve papel transformador. ?A Lei Maria da Penha, enquanto marco legal, representa enorme transformação nas relações das mulheres com companheiras e com a sociedade como um todo.
O fato é que a mulher sabe ? e precisa saber cada dia mais ? que existe um instrumento de defesa dos seus direitos e punição de seu, agressor. As maiores dificuldades estão na aplicação da Lei.
Além de ser operacionalizada por muitos que ainda dialogam com o machismo, inexiste mecanismos públicos de responsabilizar o agressor?, destaca.
Sobre a pesquisa da Agência, avalia que a opinião do brasileiro com relação a este tema tem evoluído positivamente. ?As pessoas hoje reprovam a violência contra a mulher. Esse dado é maravilhoso. Ainda que se saiba que, em geral, as pessoas tendem a buscar a resposta melhor aceita socialmente.
Nesse caso, acho que a sociedade mostra reais sinais de mudança e são confiáveis, pois conheço de perto a seriedade do Instituto Patrícia Galvão.
Instituto que é referência e tem subsidiado a construção diária das pautas feministas?, avalia.