Morre Mestre Ageu, o mago das esculturas de Parnaíba

Com um trabalho de perfil técnico exímio, Mestre Ageu recebeu várias homenagens em vida

Mestre Ageu é uma autoridade nas artes plásticas | Divulgação
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Quem conhece a obra de Mestre Ageu pensa até que é mágica pelo realismo extremo retratado em madeira. Precisão, talento e uma técnica indiscutível carecterizam as obras do escultor natural de Parnaíba. Ageu Alves de Melo, de 90 anos, faleceu nesta segunda-feira (25), deixando um legado inestimável para a arte popular piauiense e nacional. 

Com o dom de transformar toras de imburana em belíssimas figurações, o artista dá nome à Galeria Mestre Ageu no complexo cultural do Porto das Barcas. Uma justa homenagem ao parnaibano que possui esculturas espalhadas por todo o Brasil e mundo.

Mestre Ageu. Crédito: John Albert.

As peças de Mestre Ageu já chegaram aos Estados Unidos e Arábia Saudita. O Hotel Cívico, o principal de Parnaíba, é decorado com peças de Mestre Ageu, que encantam pelos detalhes de entalhe. As obras "Labineira", que retrata uma mulher do povoado Labino, e "O Violeiro Ambulante", que retrata um músico, encantam os hóspedes do local. 

Mestre Ageu foi uma autoridade nas artes plásticas do Piauí, com trabalho reconhecido internacionalmente. Crédito: Divulgação/Reprodução WhatsApp.

Artista premiado nacionalmente

Detentor da Medalha Da Costa e Silva, o mais alto grau cultura do Piauí, Mestre Ageu também ganhou o primeiro lugar do Quinto Salão de Arte Moderna, premiação nacional ocorrida nos anos 60. Na época, Ageu foi descoberto em uma Feira de Artesanato na Praça da Graça, promovido pela Cooperativa Artesanal de Parnaíba.

Obra de Ageu é caracterizada pelo realismo. Crédito: Reprodução/Whats

O trabalho de Mestre Ageu é caracterizado pelos contrastes: da simplicidade dos temas escolhidos até a sofisticação das peças, que são impressionantes. Marcado na memória, na história e na cultura popular do Piauí, o trabalho de Ageu permanecerá vivo junto ao legado que construiu.

Legado

Ageu Alves de Melo, alcunhado de Mestre Ageu, nasceu em Parnaíba no dia 5 de outubro de 1931, na rua Armando Burlamaqui, bairro Campos (hoje São Francisco da Guarita). Seus genitores foram Raimundo Nonato de Melo e Maria Feitosa de Melo. 

Mestre Ageu é reconhecido no Brasil e no mundo pelo trabalho ímpar. Crédito: Reprodução/WhatsApp.

Seu pai trabalhava nos armazéns do Estado, no antigo Porto Salgado, ali na beira de rio, no Porto das Barcas, cenário dos romances do notável escritor Assis Brasil, e também foi pintor na construção civil. Sua mãe era cearense e do lar. Com dificuldades para a subsistência, seu Raimundo esteve no Pará como seringueiro, adoeceu de malária e retornou à terra natal. Em seguida, migrou com a família para Teresina, capital do Piauí. Com as expectativas frustradas, todos regressaram em definitivo para Parnaíba.

Obras em madeira retratam figuras populares com traços marcantes. Crédito: Reprodução/WhatsApp.

Mestre Ageu era um menino inteligente, de aguda sensibilidade e com vocação para a poesia. Iniciou a sua carreira artística como repentista, cantador e violeiro. Com múltiplos talentos, sobretudo para a literatura, pintura e música, descobriu a escultura, cujo domínio como artesão o fez célebre e reconhecido no país e no exterior. 

“Eu estava no festejo de São Francisco do Canindé, no Ceará, e veio uma mulher que procurava por alguém que soubesse fazer um ‘pé de madeira’ para ela pagar uma promessa. Eu sei fazer!, disse. Mas você é tão novo, já sabe fazer isto? Quantos anos você tem? Eu respondi: dez anos. Se você sabe, faça para mim um ‘pé direito’. Corri para casa e no outro dia fiz o ‘pé’, cobrei quinhentos réis e ela pagou satisfeita e disse: agora sim, vou pagar a promessa e saiu comentando. Logo depois apareceram mais encomendas, aí não parei mais. Fiquei fazendo ex-votos (peças para agradecer milagres)", lembra o artista em entrevista. 

Mestre Ageu fez a sua primeira exposição no Centro de Parnaíba, na Praça da Graça, com sete peças em uma feira de artesanato promovida durante a primeira gestão do Prefeito João Tavares da Silva Filho. Devido ao sucesso da exposição, que retratavam o lavrador, o pescador, o caçador e o homem do campo, Mestre Ageu recebeu uma homenagem da Cooperativa Artesanal de Parnaíba, sendo prestigiado com um  coquetel oferecido pela primeira-dama da cidade, à época, Dona Almira Silva. 

Obra em madeira de autoria de Mestre Ageu. Crédito: Reprodução/WhatsApp.

Em 1988, ao lado do renomado escritor Fontes Ibiapina, falecido em 1986, membro da Academia Parnaibana de Letras, Mestre Ageu recebeu a Medalha Da Costa e Silva, alta insígnia piauiense. 

Um poeta

Paralela à carreira de escultor, Mestre Ageu também foi feliz na poesia. "O Almanaque da Parnaíba, edição de 2021, prestou um tributo a esse importante artista popular, apresentando aos leitores o seu dom para a poesia. Ainda sem livro publicado, porém com a gaveta cheia de originais, com um acervo de cinco livros prontos para editoração, Mestre Ageu foi um legítimo sonhador, homem simples, conversador e sábio, de labor voltado para o Espírito, sendo detentor da apreciação de quem o conhece", escreveu Diego Mendes Sousa, poeta e crítico.

Ao lado do poeta Diego Mendes Sousa. Crédito: Reprodução/WhatsApp.

Mestre Ageu residia na Travessa Deputado Pinheiro Machado, número 511, no bairro Rodoviária, na Parnaíba, onde possuía um ateliê e um amplo terraço em que recebia os seus admiradores para uma boa conversa debaixo dos manguezais. 

"Depois de escutá-lo, era impossível ser o mesmo e não levar aprendizados consigo para vida afora. A sabedoria lhe era peculiar. Sua poesia é valiosa e vasta, nutrida pelas experiências, pelas paixões, pela natureza, pelo diálogo com o insondável, repleta de lições e de imagens fecundas: “as nuvens passavam longe / deixando sombra no chão/ iam derramar suas águas / em outra dimensão", acrescenta Diego Mendes Sousa.

MAR DE ROSA 

Eu passei um certo tempo em mar de rosas 

Velejando meu navio em verde mar 

Fazendo meus versos e minhas prosas 

Nas penumbras claras do luar 

As gaivotas lindas e graciosas 

Ostentavam seu modo de cantar 

Fazendo revoada primorosa 

Sobre as ondas que não param de rolar 

Vou levando meu barco para ancorar 

Vou em busca do campo que tem rosa 

Vou pegar minha lira e cantar prosa 

Para alguém que mora no fim do mar 

Que talvez tenha vida cor de rosa 

E nenhum pouco de amor para me dar 

Parnaíba, 30 de outubro de 2019

* Colaborou Diego Mendes Sousa

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