Documentos entregues pela Odebrecht à Superintendência-Geral do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) apontam a formação de cartel no Rodoanel e no Programa de Desenvolvimento do Sistema Viário Estratégico Metropolitano de São Paulo.
O esquema, de acordo com o material da empreiteira, operou de 2004 até 2015 em obras que custaram cerca de R$ 10 bilhões aos cofres públicos. Neste período, o Estado de São Paulo foi governado pelos tucanos Geraldo Alckmin (2004-06), José Serra (2007-2010) e Alberto Goldman (2010), além de Claudio Lembo, do PFL (2006).
Os detalhes das investigações, a que a Folha teve acesso, devem ser divulgados nesta terça (19) e são parte do acordo de leniência firmado em julho pela empreiteira, a Superintendência do Cade e o Ministério Público Federal em São Paulo.
A Superintendência não tem prazo para concluir as apurações, mas espera-se que sejam finalizadas até o final do primeiro trimestre de 2018. Depois disso, o processo é enviado para o conselho do Cade decidir se aprova o relatório e julga as empresas envolvidas. A companhia que fez a leniência não é condenada.
No acordo com o Cade, não houve menção a pagamento de propina a servidores em troca de licitações. Mas há a indicação de que pelo menos um agente público tenha sugerido a divisão de empresas nos consórcios que disputaram as obras viárias. As investigações se referem exclusivamente aos aspectos administrativos das licitações divisão de mercado e acerto de preços das licitações, por exemplo.
O ponto de partida foram as delações de executivos da Odebrecht. Ao Cade eles revelaram como funcionaram os cartéis do Rodoanel e o das obras viárias de São Paulo. De acordo com eles, no Rodoanel, foi possível chegar a um esquema que envolveu pelo menos 22 empresas entre 2004 e 2007, começando com cinco grandes empreiteiras (Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Odebrecht, OAS e Queiroz Galvão).
Essas empresas, relatam os colaboradores, começaram a fazer acertos pelas licitações em abril de 2004, quando se reuniram para combinar a formação dos consórcios da licitação do trecho sul do Rodoanel.
Outras teriam se juntando ao cartel até fecharem os últimos detalhes da licitação: vencedor, preços apresentados, condições, divisões dos cinco lotes entre os participantes do cartel e até abstenções.
O resultado saiu em abril de 2006. Andrade Gutierrez/Galvão Engenharia venceram o lote 1. Odebrecht/Constran levaram o lote 2. O terceiro ficou com a Queiroz Galvão/CR Almeida. Camargo Corrêa/Serveng assumiram o lote 4 e o quinto lote passou para a OAS/Mendes Júnior. As obras ficaram prontas em 2010 e terminaram ao custo de R$ 4,6 bilhões.
OBRAS EM SP
Nos depoimentos dos executivos da Odebrecht, também ficou evidente a formação de cartel, entre 2008 e 2015, em sete obras que fizeram parte do Programa de Desenvolvimento do Sistema Viário Estratégico Metropolitano de São Paulo, uma parceria entre o governo paulista e a Prefeitura de São Paulo.
Em 2008, quando foi lançado, o programa previa ampliação da Marginal Tietê e das avenidas Roberto Marinho, Jacú-Pêssego, Chucri Zaidan, Cruzeiro do Sul e Sena Madureira.
Também estava prevista uma obra no Córrego Ponte Baixa. Juntas, essas obras melhorariam o trânsito na capital paulista e custariam cerca de R$ 5,5 bilhões. O projeto foi dividido em lotes e as licitações ocorreram entre 2008 e 2013.
Segundo os depoentes da Odebrecht, até as obras no Córrego Ponte Baixa foram objeto do acordo que tinha como objetivo impedir a entrada de participantes de fora do cartel e a acomodação entre as empresas envolvidas.
O processo a ser divulgado pelo Cade não menciona diretamente os governadores desde 2004, os tucanos Geraldo Alckmin, José Serra e Alberto Goldman, além de Cláudio Lembo, que governou pelo PFL entre abril de 2006 e janeiro de 2007.
Segundo os colaboradores, a formação dos consórcios foi feita conforme "sugestão do agente público" e com base na afinidade entre as empresas. Os documentos não revelam o nome desse agente.
Marcelo Odebrecht deixa prisão hoje após dois anos e meio
Após dois anos e meio na cadeia, Marcelo Odebrecht, ex-presidente do Grupo Odebrecht, deve deixar a carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, nesta terça-feira (19). O herdeiro de uma das maiores empresas do país foi preso em 19 de junho de 2015, quando foi deflagrada a 14ª fase da Operação Lava Jato, batizada de Erga Omnes.
Condenado a 31 anos e 6 meses de prisão em dois processos, pelos crimes de corrupção ativa, lavagem de dinheiro e associação criminosa, Marcelo vai deixar a prisão graças a um acordo de colaboração premiada firmado com a Procuradoria-Geral da República (PGR) e do qual participaram outras 76 pessoas ligadas à Odebrecht.
O acordo determina que Marcelo cumpra uma pena total de 10 anos, incluindo o tempo em que ficou detido no Paraná.
Como será cumprida a pena, conforme o acordo:
2 anos e 6 meses em regime fechado (já cumpridos);
2 anos e 6 meses em regime fechado diferenciado: fica em casa e é monitorado por tornozeleira eletrônica;
2 anos e 6 meses em regime semiaberto diferenciado: pode sair de casa, mas deve se recolher durante a noite e aos fins de semana e feriados. Também deve prestar 22 horas mensais de serviço comunitário;
2 anos e 6 meses em regime aberto diferenciado: pode sair, mas deve passar os fins de semana e os feriados em casa.
Restrições e benefícios
Nesta fase de regime fechado diferenciado, o acordo com Marcelo Odebrecht prevê, ainda:
Restrição de visitas: as visitas serão limitadas a familiares, advogados e 15 pessoas predeterminadas, que integrarão uma lista que será entregue pela defesa à Justiça;
Dias "livres": nos próximos dois anos e meio, Marcelo terá direito a duas "saidinhas", ou seja, poderá sair de casa em duas ocasiões. As datas não foram confirmadas.
Caso haja descumprimento das regras ou caso seja descoberto que as informações prestadas na colaboração não são verdadeiras, a Justiça poderá determinar a regressão de regime, e o benefício não valerá para outras eventuais condenações.
Marcelo Odebrecht responde a outros cinco processos na Justiça Federal do Paraná, que ainda não foram julgados em primeira instância. Desses, quatro são ações criminais , e o último é um processo por improbidade administrativa, em que também são réus outros ex-executivos da empreiteira e ex-funcionários da Petrobras.
Multa
Para ter direito a essa pena mais branda, Marcelo Odebrecht teve que contar à Justiça o que sabia sobre os esquemas criminosos que envolviam a empresa. Além disso, foi obrigado a pagar uma multa de R$ 73,3 milhões, valor quitado em junho deste ano.
A Odebrecht, por sua vez, terá que pagar R$ 3,82 bilhões em multas, que estão previstas em um acordo de leniência firmado com autoridades do Brasil, dos Estados Unidos e da Suíça. Desse total, R$ 3 bilhões ficarão no Brasil, e o restante será usado para pagar multas nos outros dois países.