Uma distância de 3.326 km separa Marajá do Sena, no Maranhão, de Rio Fortuna, em Santa Catarina. Os dois municípios têm pouco em comum, além da referência à fartura em seus nomes. As duas cidades estão situadas, respectivamente, nos estados com o maior e o menor número de pobres no país, de acordo com a pesquisa Síntese de Indicadores Sociais 2017, do IBGE. No Maranhão, mais da metade da população (52,4%) vive com menos de US$ 5,5 dólares por dia (o equivalente a R$ 16,50). No extremo oposto, está Santa Catarina, com menos de 10% recebendo esse valor (9,4%). No município catarinense, a renda média per capita é 16 vezes maior que no maranhense. No primeiro, vive-se com R$ 1.570,51 por mês. No segundo, vive-se, ou melhor, sobrevive-se com R$ 96,25 mensais.
Como é a vida nos estados com o maior e o menor número de miseráveis? O #Colabora foi até Marajá do Sena, no Maranhão, e a Florianópolis e Rio Fortuna, em Santa Catarina, para conversar com os moradores e administradores locais. Marajá do Sena é o município com a pior renda per capita do país e, consequentemente, do Maranhão. Faltava escolher o outro extremo para visitarmos. Em Santa Catarina, estado com o menor número de pobres, a cidade com maior renda é Florianópolis (R$ 1.798,12). Fomos até a capital do estado, mas decidimos incluir Rio Fortuna, o mais rico em renda familiar e o terceiro em renda per capita de Santa Catarina. De acordo com dados do Censo de 2010, última aferição disponível, as famílias viviam, em média, com R$ 5.310,87 mensais na cidade. Outro fator favoreceu a comparação entre os extremos: Marajá do Sena e Rio Fortuna têm a população predominantemente vivendo em áreas rurais.
Na extremidade pobre, vive Eva Gonçalves da Silva, de 37 anos, com o marido e os três filhos, de 6,9 e 15 anos. Eles moram numa casa de pau a pique de três cômodos, com banheiro improvisado, localizada em uma rua de terra em Marajá do Sena. Ela lava roupa para a mulher do ex-prefeito por R$ 200 mensais e recebe Bolsa-Família no valor de R$ 163 pelos três filhos matriculados na escola. O marido não tem emprego: vive de bicos, cavando poços ou capinando. Não fosse a ajuda dos pais, os aposentados João Miranda da Silva e Maria Gonçalves da Silva, ela diz que não conseguiria manter a família. “É pouco. Só dá para comprar a comida mesmo”, diz ela. Eva é maranhense e faz parte da população extremamente pobre, que sobrevive com menos de US$ 1,90 por dia (R$ 5,7), conforme revelou a pesquisa do IBGE.
No estado com o menor número de miseráveis do país, vive a família Roecker. O casal Roseli e Luiz Gonzaga, de 48 e 53 anos, com o filho Luiz Henrique, de 24 anos, são pequenos proprietários rurais e vivem da produção de leite em Rio Fortuna. A família têm 42 vacas, que garantem uma produção mensal de cinco a seis mil litros, vendidos a R$ 1,10 o litro. O faturamento gira em torno de R$ 6.500 por mês, fora o corte de eucalipto, negócio adicional tocado pelo pai. Na propriedade, são utilizadas a ordenha mecânica e a inseminação artificial. A família Roecker planta e cria o que come. Na horta, há batata, aipim, couve, laranja, pêssego e ameixa, entre outras frutas e verduras. Galinhas e gado para consumo próprio também são criados por eles. A produção diária demanda muito trabalho, explica Luiz Henrique: “Não tiramos dia de folga. Nos fins de semana, nos revezamos”.
Os indicadores opostos são fartos nos dois municípios escolhidos para dar sentido à reportagem Extremos do Brasil. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) em Rio Fortuna é 0,806, considerado muito alto (quanto mais perto de um, mais desenvolvimento). O dado leva em conta longevidade, educação e renda. O de Marajá do Sena é 0,452, muito baixo pela classificação. O número de crianças fora da escola entre 6 e 14 anos representa somente 1% em Rio Fortuna contra 8,7% em Marajá do Sena.
Entre os jovens, 41% dos que têm entre 15 e 24 anos não estudam e não trabalham no município maranhense. Em Rio Fortuna, eles são praticamente traço nas estatísticas: só 0,32% se encontram nessas condições. As famílias de Marajá do Sena recebem, no total, R$ 250 mil por mês de Bolsa Família. O dia em que chegamos era coincidentemente a data de pagamento. Uma fila se formou na porta da casa lotérica para receber os benefícios. Em Rio Fortuna, são destinados apenas R$ 4.838,00 para cadastrados no Bolsa Família. O valor é baixo porque há somente 32 famílias que se encaixam na situação de vulnerabilidade para receber o auxílio. No município, apenas quatro crianças de 6 a 15 anos não tiveram sua situação escolar reportada nos dois primeiros meses de 2018. As assistentes sociais da prefeitura citam seus nomes de cabeça tão reduzido é o número.
Há outros tantos indicadores reveladores da distância entre as duas cidades que poderiam aqui ser listados. É fácil se deixar seduzir pelo universo caricato dos extremos. Entretanto, é possível notar algumas semelhanças, além da alusão à riqueza comum aos dois nomes dos dois municípios. As duas cidades se resumem praticamente a duas ruas principais como se pode notar pelas fotos de abertura da reportagem. Em menos de dez minutos de carro, é possível explorar o território urbano das duas de ponta a ponta.
Em ambas, o ensino é 100% público. Seria previsível na cidade mais pobre do país, mas é surpreendente no município com a terceira maior renda de Santa Catarina (depois de Florianópolis, está o Balneário de Camboriú). Antes de se eleger prefeito, Lindomar Ballmann, que é professor de Filosofia, chegou a pensar em abrir uma creche, mas desistiu porque não há fila de espera nas creches públicas.
Em um município, faltam empregos: quem não é funcionário público em Marajá do Sena, tenta viver de bico porque as atividades econômicas são escassas. Só 2% da população têm ocupação formal. No outro, faltam empregados – ou melhor, nem se cogita a contratação deles. O perfil dos moradores de Rio Fortuna é de pequenos proprietários e produtores que vivem majoritariamente do gado leiteiro. Quando alguém precisa de reforço em sua propriedade, chama o vizinho para ajudar. Em troca, trabalha um dia para ele. A cada cem pessoas em Rio Fortuna, 30 têm emprego formal. O que poderia parecer mais um abismo entre elas, acaba sendo um denominador comum. Em nenhuma das duas existe a expectativa de se viver empregado Para conhecer as duas cidades, foram 26 horas de estrada em 7 dias de viagem.