Maquiadora pode ser 1ª pastora trans do país: 'Jesus não exclui'

. Aos 9 anos, ainda menino, descobriu sua fé

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A história de Sal Moretti daria um novelão. De certa forma, o que aconteceu e acontece na vida da maquiadora de famosas, como Preta Gil, vem sendo retratada em “A força do querer”, através dos conflitos na trama de Ivana. Sal nasceu Salvador há 34 anos. Há dois, ela começou a fazer a transição de gênero. Mas durante 18 anos se sentiu aprisionada num corpo que não era o seu. “Aos 31, tentei me matar. Subi a Pedra da Gávea e iria me jogar, até que ouvi uma voz e achei que estivesse louca mesmo”, relembra.

A voz, segundo Sal, era de Deus. Aos 9 anos, ainda menino, descobriu sua fé. “Achei Jesus o máximo. Jesus não excluí ninguém”, conta. Mas as igrejas viraram as costas para ela: “Fui bem tratada em todas, mas não para ficar, para frequentar. Eu teria que me curar se quisesse fazer parte”.

A cura, descreve, foi buscada sem sucesso, claro. Hoje, já transformada, com seios e intervenções cirúrgicas no rosto, Sal pode vir a ser a primeira pastora trans do país. Desde que chegou à Igreja Pentecostal Anabatista, na Barra, da Tijuca, Zona Oeste do Rio, Sal se sentiu amada e, finalmente, parou de lutar contra sua transexualidade: “Não me importa o título que venha a ter. Hoje já tenho meu ministério, vou aos encontros de jovens. Não levanto a bandeira LGBT u a bandeira evangélica. Levanto a bandeira do ser humano. Quero que outras pessoas se sintam como eu: respeitadas por serem quem são”.

A infância

Aos 6 anos, o passatempo predileto de Salvador era brincar com as primas na casa da tia. “Eu colocava as pulseiras delas, encurtava meu short, dobrava a camiseta. Me sentia como elas”, descreve. No aniversário de 9 anos, uma decepção. “Queria vestir um casaco de plush maravilhosos e minha mãe me botou de camisa social. Minha cara nas fotos é a pior possível”.

A primeira pessoa a notar que aquele menino pobre de Suzano, no interior de São Paulo, era diferente foi Tia Claudete, a professora do pré-escolar. “Ela chamou minha mãe várias vezes na escola, porque eu só queria brincar com as meninas. A Claudete me deixava escolher meu círculo. Nunca me esqueço dela”, relembra.

A mãe já havia notado que seu caçula não era como outros garotos de sua idade. Aos 14 anos, Sal se desesperou ao ver pelos no seu corpo: “Eu não entendia porque as meninas da minha idadenão tinham e eu sim”. Aos 16 começou a se vestir de mulher. “Foi um choque, mas nunca liguei para o que as pessoas pensavam de mim. Mas o que Deus pensava. Sempre fui muito ligado à espiritualidade e aquilo me torturava: pensar que eu estava decepcionando Deus, meu criador”, observa.

Aos 18 anos, apesar de a família não aceitar sua homosexualidade, Sal fez um curso de cabeleireiro com a ajuda do pai. “Imagina para ele que tinha o sonho de ver o filho sendo jogador de futebol!”, avalia.

Questão de fé

Nos anos que correram Sal foi para São Paulo, depois Rio, fez uma boa rede de contatos e começou a maquiar famosas como Ana Maria Braga, Hebe Camargo e foi com Preta Gil sua relação profissional mais duradoura. Oito anos juntos.

Se a vida profissional caminhava a passos largos, a pessoa passava por um drama. Sal não se aceitava, sabotava a própria transexualidade, não queria mais pensar no assunto. “Mas aquilo me consumia dia e noite. Eu caí em depressão e depois tive síndrome do pânico. Eu só tinha forças para trabalhar”, descreve. Quando o episódio da Pedra da Gávea aconteceu, e Sal achou q estava louca por ouvir uma voz, descobriu que sua fé poderia ajudá-la a encarar o desafio de zerar quem era e recomeçar. “Fui padrinho da Preta com uma barba enorme. E eu já sabia que aquele evento seria o último em que apareceria de homem”, diz.

Sal pediu demissão, se reprogramou, avisou à família sobre a transição de gênero e diz que nunca se sentiu tão em paz. “Demoprei muito a aceitar ir à igreja porque já havia vivenciado outras experiências de exclusão. Até me sentir amparada pelos meus pastores. Hoje as pessoas no culto não me olham como alguém diferente delas. Eu sou a Sal”, conta.

Dança da solidão

Solteira, Sal diz que nunca esteve tão só. A transexualidade ao mesmo tempo gera curiosidade como repulsa. “Detesto o olhar de alguns homens. Meu corpo não é um parque de diversões. Ele é templo do meu espírito. Ser mulher é muito difícil”, avisa: “Sou vista por muitos como um fetiche. O homem que andar de mãos dadas comigo na rua terá que ser aquele que ama minha alma”.

A redesignação de sexo ainda não foi feita. Sal não sabe ainda se quer passar pela cirurgia. “Me olho muito no espelho, faço muitas fotos até para ver as transformações pelas quais eu passo. Óbvio que ficaria ótimo ter uma vagina. Mas não me agride ter um pênis. Não penso nisso agora”, pondera: “Existe algo muito maior que tudo isso. Hoje posso dar meu testemunho e tocar outras pessoas na mesma condição em que já estive. Não quero esquecer quem eu fui. Para me amar tem que amar a minha história assim como Deus me criou”.

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