O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta quinta-feira (12) para definir que é crime deixar de pagar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) já declarado.
Até agora, seis ministros entenderam que essa dívida declarada, mas não paga pelos empresários, pode implicar processo criminal por apropriação indébita, com pena de detenção de seis meses a dois anos e multa.
Todos entenderam que é preciso ser comprovado o dolo, intenção deliberada de não pagar o tributo (leia mais sobre os votos dos ministros abaixo).
O julgamento continua, e os demais ministros ainda precisam apresentar seus votos.
Tribunais no país vêm tomando decisões divergentes sobre a possibilidade de condenação criminal dos devedores. Por ser declarada, a dívida não conta como sonegação, por isso, estados começaram a entrar na Justiça pedindo condenações.
A decisão do Supremo não deve ser obrigatória, mas deve ser vir de orientação para que demais instâncias analisem os casos.
O julgamento teve início nesta quarta com o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, e do ministro Alexandre de Moraes, para criminalizar a conduta; e do ministro Gilmar Mendes, contrário.
No recurso julgado, um casal de contribuintes de Santa Catarina alega ter sido alvo de ação penal. Para o relator, ministro Luís Roberto Barroso, a dívida poderia ser criminalizada se o devedor for considerado contumaz e agir com dolo.
Também votaram para considerar a conduta crime os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia. O ministro Ricardo Lewandowski foi contra.
O ICMS é um imposto estadual que incide sobre operações como compra de mercadorias (alimentos, eletrodomésticos, bebidas etc.), e é adicionado ao valor do produto adquirido.
Segundo dados encaminhados ao Supremo, em 2018 a dívida declarada e não paga de ICMS em 22 estados era de mais de R$ 12 bilhões.
Votos dos ministros:
Luiz Fux
O ministro Luiz Fux foi o primeiro a apresentar voto nesta quinta, o terceiro por criminalizar a dívida. Segundo o ministro, números mostram que o prejuízo com a sonegação é maior do que a corrupção no país. Além disso, disse que empresas milionárias são devedoras.
"Temos dificuldade relativa a necessidade de fundos para viabilizar o estado a atender essa promessa constitucional, direitos básicos, educação. Isso decorre da corrupção, vimos no mensalão, depois no petrolão, mas também por força da sonegação", afirmou.
Edson Fachin
O ministro Edson Fachin foi o quarto ministro a votar pela criminalização da dívida, seguindo entendimento do relator, ministro Luís Roberto Barroso.
Em seu voto, o ministro afirmou que a punição não ocorrerá pelo simples não recolhimento do tributo e caberá a cada juiz avaliar as hipóteses em que houve intenção de não arcar com as dívidas caso a caso.
"A ausência de pagamento não denota apenas e tão somente inadimplemento, mas sim, disposição de recursos de terceiros, aproximando-se de uma espécie de apropriação tributária, aspecto que a meu ver fulmina o cerne das teses defensivas", disse.
Rosa Weber
A ministra Rosa Weber também votou para que a dívida seja considerada como crime, mas apenas na modalidade dolosa, e não culposa.
"Eu entendo que o acórdão recorrido em absoluto revela constrangimento ilegal", afirmou a ministra sobre o caso de Santa Catarina. "Concluo pela tipificação abstrata quando o contribuinte deixa de recolher no prazo legal", afirmou.
Segundo Rosa Weber, isso alcança "tanto aquele que retém na fonte tributo e deixa de recolhê-lo, como aquele que cobra como contribuinte de direito o valor dos tributos indiretos e possivelmente deixa de recolher aos cofres do titular". "O delito não comporta a modalidade culposa", completou.
Cármen Lúcia
A ministra Cármen Lúcia votou para criminalizar a dívida. Segundo a ministra, é necessária a comprovação da intenção de não pagar.
"Não há neste caso nada que possa ser considerado como indevido ou ilegal ou que configure constrangimento", afirmou a ministra.
Ricardo Lewandowski
O ministro Ricardo Lewandowski votou contra considerar crime esse tipo de dívida.
"Não me impressionam os dados de que a Fazenda Pública estaria desguarnecida de instrumentos para cobrar os sonegadores", afirmou o ministro. "Ela está plenamente aparelhada."
Votos apresentados na quarta (11):
Luís Roberto Barroso
Primeiro a votar, o ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que crimes tributários não podem ser considerados "de pouca importância".
Relator do caso, ele afirmou que esses crimes "privam o Estado brasileiro de recursos necessários para acudir as demandas da sociedade".
"Se o sujeito furtar uma caixa de sabão em pó no supermercado o direito penal é severo. Penso que quando há crime tributário deve ser igualmente sério. Tratar diferente furto da sonegação dolosa faz parte da seletividade do dinheiro brasileiro que considera que crime de pobre é mais grave do que crime de rico", disse o ministro ao votar pela possibilidade de criminalizar a dívida.
Para o relator, no entanto, é "imprescindível" que se demonstre a intenção de não pagar. "Se for capaz de demonstrar insolvência, não há dolo, por exemplo. É preciso olhar no caso concreto o comerciante que enfrenta dificuldade ou aquele inadimplente contumaz, que faz da inadimplência tributária o modus operandi", afirmou.
Alexandre de Moraes
Alexandre de Moraes concordou com Barroso. "Existem duas formas de se combater a sonegação fiscal: a brasileira e a correta. No Brasil, nem se pedir pra ser preso um sonegador vai conseguir . É mais arriscado jogar na roleta em Las Vegas do que sonegar imposto no Brasil", disse Moraes.
"Infelizmente, sonegar acaba dando bons resultados para a empresa", completou Moraes.
Gilmar Mendes
O ministro Gilmar Mendes votou contra a possibilidade de criminalização da dívida. "A norma penal repele responder com tipo penal pagamento de divida. Só é permitido em caso de fraude", destacou.
"Num cotejo analítico, na qualidade de bem jurídico tutelado, a intervenção criminal só se justifica na medida que houver fraude pelo agente. Na falta de tal elemento, resta cristalino o vilipêndio da criminalização do mero inadimplemento", considerou Mendes.
Compartilhamento de dados fiscais
Em votação no início de dezembro, o Supremo definiu regras para compartilhamento de dados sigilosos. Veja abaixo reportagem sobre o tema.