Astrid Lages, jornalista e educadora, transformou a experiência pessoal na força motriz para lutar pelos direitos dos autistas. Mãe de dois meninos autistas - Sérgio, 11 anos, e Gabriel, 4, além de Alice, de 16 anos - fez de todos os autistas do Piauí seus filhos. Hoje, à frente da organização denominada Autismo Legal The, que é completamente independente, ela defende a causa e orienta mães de autistas a partir da própria experiência.
E que experiência! Astrid precisou unir calma, força e dedicação para manter o filho, Sérgio, em uma importante escola de Teresina. Diante do despreparo e até mesmo agressões, a mãe teve que usar a força da palavra para mostrar porque os autistas devem ser incluídos na rede regular de ensino, como bem manda a legislação, em todos os âmbitos.
Nesta jornada, Astrid decidiu criar um grupo de Whatsapp, que foi crescendo e hoje possui mais de 100 participantes. A causa é uma só: defender o direito dos autistas. Desde a matrícula na escola ao direito à fila preferencial, tudo está na pauta da comissão formada pela jornalista e outras mães, com o apoio de advogado e psicóloga.
Astrid Maria Lages Neves, 45 anos, é funcionária pública do Estado há 18 anos, hoje à disposição da Secretaria de Estado da Saúde (Sesapi), ocupando o cargo de assessora de comunicação na Maternidade Dona Evangelina Rosa.
Como jornalista, atuou em importantes veículos de comunicação, inclusive a Rede Meio Norte. É formada em Jornalismo por uma faculdade particular e em Letras Inglês pela Universidade Estadual do Piauí.
JMN: Sua militância começou a partir da própria experiência. Como foi isso?
Astrid Lages: Levei o Sérgio, o mais velho, para uma consulta em São Paulo com o papa do autismo na época. Era o médico Salomão Schwartzman. Ele disse que meu filho não era autista. Então, dos quatro aos seis, ele ficou sem diagnóstico, mas com seis anos ele começou a dar problema na escola. Ele chutava porta quando mudou de colégio, batia em menino. Então mudei de escola e levamos a outro médico, que disse que era autismo sim. Ele começou a sofrer muito bullying. Foi feita uma série de exames até o diagnóstico de asperger. Hoje, ele é medicado, tem auxiliar terapêutico, depois de colocar a escola na Justiça. Mas nunca entrei em abrigo para brigar, mas sempre mantive minha posição. Ele sofreu toda espécie de bullying, ao ponto de ter um grupo de mães se articulando para tirar ele da escola. Entrei nesse grupo. E a escola, claro, omissa. Ele perdeu uma viagem para São Paulo, porque não avisaram. É exclusão total. Eu nunca chorei vendo meu filho tendo uma crise, é uma situação bem estressante. O pequeno [Gabriel] começou a ter crise agora. Ele foi diagnosticado com três anos e meio. É importante a intervenção precoce.
JMN: Por que as escolas colocam dificuldade para receber autistas?
AL: As deficiências de nível comportamental incluem material humano, o que é gasto. Não é uma rampa, não um braile, não é libras. É um profissional a disposição, com salário e direitos trabalhistas. As escolas evitam os alunos autistas por isso. É preciso alguém que saiba conter uma crise, prever gatilhos. No caso do Sérgio, o bullying conta muito. Eu sei como a sociedade é. Os próprios pais dos filhos reforçam isso em casa.
JMN: Onde começa o preconceito?
AL: Na família. A família é sociedade. Ela não deixa de ser sociedade porque é família. Meus pais e minha família são ótimos, mas não é sempre assim.
JMN: Você milita pelos próprios filhos, mas hoje também milita pelos dos outros. Como é isso?
AL: Tem muita mãe que acha que não deve comprar briga com a escola. Mas eu mesma nunca tive nenhum desentendimento. Levei para diante da promotora, que decretou a contratação de um profissional para acompanhá-lo. A escola foi notificada e precisou criar ações ostensivas contra bullying. Então criei um grupo no Whatsapp.
JMN: E como cresceu?
AL: Coloquei meu marido e criei um link. Então toda pessoa que entrava eu contava a história dos meus filhos. Sempre fui uma mãe que guardava sofrimento. Contei para o Serginho que ele era autista no ano passado. Acho que errei muito neste aspecto. Eu deveria ter assumido muito antes. Mas hoje posso ajudar outros.
JMN: Existem outras demandas além da escola?
O grupo foi criado com foco em escola, tanto que o que mais discutimos é isso. Mas tem crescido muito a preocupação com o autista. Os casos vêm crescendo. Não porque nascem mais autistas, mas porque se descobrem mais diagnósticos. Quem não tem autista na família, certeza que tem um vizinho, um filho de amigo. Quando criei, pensei assim: vou cuidar do direito dos meus filhos. Hoje cuidamos de uns aos outros, todos do grupo.