Em 19 de janeiro, Priscilla Celeste resolveu criar uma página no Facebook para retratar o preconceito sofrido por sua família e seu filho. Intitulada de Preconceito racial não é mal-entendido. É Crime!, Priscilla narra que no último dia 12 foi com o marido e o filho, de sete anos, à concessionária Autokraft, da BMW, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro. Eles estavam interessados em comprar um carro. No local, foram atendidos por um vendedor que mandou que o filho do casal, que é negro, se retirasse da loja, "dizendo que ali não era lugar para ele". As informações foram coletadas na página da rede social, que já conta com mais de 14 mil participantes.
A mãe afirma que já frequentava a unidade da montadora, porém, foi atendida por um vendedor que não era de costume. "Enquanto olhávamos os automóveis aguardando atendimento, nosso filho assistia a televisão, sentado no sofá. O gerente de vendas da concessionária veio nos atender. Estávamos conversando com ele, quando nosso filho se aproximou de nós. O gerente voltou-se imediatamente para ele e, sem pestanejar, mandou que ele se retirasse da loja", diz o relato da mãe, que afirma também que ela e o marido são brancos.
Priscilla diz que tanto o filho quanto ela não compreenderam de imediato a postura do vendedor, e que o marido perguntou, então, ao vendedor por qual razão ele pediu que o menino se retirasse do local. Segundo a mãe, a resposta do funcionário foi: "Porque eles pedem dinheiro, incomodam os clientes. Tem que tirar esses meninos da loja."
"Quando meu marido disse a ele que o menino negro era nosso filho, ele ficou completamente sem ação, gaguejando desculpas atrás de nós enquanto saíamos indignados da concessionária. Nosso filho perguntou por quê eles não aceitavam crianças naquela loja e por quê tinham uma TV passando desenhos animados, se não gostavam de crianças."
"Como somos clientes da concessionária, esperávamos que ela se manifestasse nos dias que se seguiram", afirmou Priscilla no Facebook. "Isso não aconteceu." Devido à falta de comunicação, os consumidores enviaram um email ao Grupo BMW e, segundo os pais, o grupo teria se desculpado pelo ocorrido, prometendo que a concessionária seria notificada, porém, se isentando da responsabilidade. "Não estamos legalmente autorizados a exercer qualquer ingerência, influência ou participação nas atividades diárias de qualquer concessionária da rede BMW, quer seja em razão de a BMW do Brasil e as concessionárias serem pessoas jurídicas distintas", segundo os pais publicaram na página da rede social.
Uma semana após o ocorrido, os pais afirmam ter recebido um email do dono da concessionária pedindo desculpas e qualificando a atitude do empregado como "mal-entendido e justificando-a como reação natural de um funcionário que vê um menor desacompanhado em sua loja". Os pais afirmam também que o dono da loja alegou que "o gerente de vendas entendeu que os clientes estariam sozinhos e não acompanhados por qualquer outra pessoa, incluindo-se a criança. Assim, no momento em que o filho se aproximou, (o funcionário) não atentou que ele (a criança) estaria acompanhado dos senhores, até porque, segundo relato do meu funcionário, ele não presenciou qualquer diálogo de vocês com o filho."
Os pais alegam que o fato de o gerente não ter percebido que o menino é filho deles e a "conclusão imediata de que um menino negro, aparentemente sozinho, dentro de uma concessionária BMW, seria um menor desacompanhado", além da atitude de colocá-lo para fora da loja "não constituem, em hipótese alguma, um mal-entendido", dizem. "Trata-se de preconceito de raça, sem qualquer possibilidade de outra interpretação".
Na página, Priscilla afirma ainda que a família vivencia há anos casos de preconceito racial e que sempre optaram por não denunciar esses episódios como forma de preservar o filho. A reportagem entrou em contato com Priscilla e aguarda retorno para obter mais detalhes.
Posicionamentos
Em nota, a BMW informou que tomou conhecimento dos fatos por meio de email enviado em 16 de janeiro de 2013 por Ronald e Priscilla e solicitou esclarecimentos à Autokraft por meio de notificação entregue na mesma data. "O BMW Group informa ainda que nenhum funcionário seu esteve presente na data do acontecimento narrado, não podendo dessa forma atestar a veracidade dos fatos relatados por parte dos clientes, tão pouco da concessionária."
Segundo a nota, "confirmamos que o BMW Group, apesar de não ter conhecimento dos fatos, em respeito aos seus clientes, enviou mensagem aos mesmos, desculpando-se pelo ocorrido e explicando a sua relação jurídica e comercial com a concessionária, a qual é regida pela lei nº 6729/79, que proíbe o BMW Group de adotar qualquer postura que influencie a gestão administrativa da concessionária e desautoriza a empresa a intervir ou influenciar nas atividades diárias de seus concessionários".
Também por meio de um comunicado, a Autokraft informou que a criança foi abordada pelo gerente, "que lhe disse que não poderia ficar sozinha no salão". Segundo a concessionária, após a abordagem, a criança foi em direção dos pais, "que se dirigiram ao gerente pedindo esclarecimentos e o mesmo, ao se explicar dando o exemplo de que, por vezes, crianças desacompanhadas entram na loja para vender coisas, foi mal entendido pelos pais, que acharam que o gerente estava querendo dizer que a criança, por ser negra, teria sido confundida com uma criança de rua ou vendedora de balas".
Segundo a nota da Autokraft, "o gerente de vendas, que absolutamente não é racista, está extremamente abalado com a repercussão do que, em momento algum, foi uma atitude racista ou discriminatória". A concessionária exemplifica dizendo que tem no cargo de chefia do RH "uma mulher negra que trabalha conosco há 25 anos". "Em todas as demais áreas da empresa, incluindo a de vendas, existem pessoas de todos os tons de cores de pele. Nenhum tipo de preconceito é tolerado e, portanto, o racismo definitivamente não existe numa empresa que, em toda a sua história (mais de 40 anos), sempre conviveu com a diversidade", diz o comunicado.
A Autokraft diz lamentar o entendimento e a interpretação dos pais sobre o fato e diz estar à disposição deles "para atendê-los e dialogar, para que nos conheçam melhor e compreendam que o ocorrido não foi um ato de racismo, e acreditem que, de fato, ocorreu um mal-entendido".