Primeira transexual na Força Aérea Brasileira (FAB), Maria Luiza da Silva, de 59 anos, conseguiu na Justiça o direito de se aposentar como subtenente. Pelos últimos 20 anos, ela lutou para garantir o benefício integral, depois de ter sido obrigada a deixar o serviço militar por ser considerada "incapaz", após fazer uma cirurgia de mudança de sexo.
A decisão é do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Herman Benjamin, que negou um recurso da União e manteve decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que havia concedido a aposentadoria à ex-militar.
Ainda cabe um último recurso à Corte. Acionada pela reportagem, a Advocacia-Geral da União (AGU) informou que "foi intimada da referida decisão e, no momento, estuda quais medidas irá adotar".
Na decisão de Herman Benjamin, o magistrado afirma que "é legítimo que a agravada receba a aposentadoria integral no posto de subtenente, pois lhe foi tirado o direito de progredir na carreira devido a um ato administrativo ilegal, nulo, baseado em irrefutável discriminação", disse o ministro na decisão.
"Não há dúvida de que a agravante foi prejudicada em sua vida profissional por causa da transexualidade."
Já o advogado Max Telesca, que representa Maria Luiza, disse que a decisão vem em um "momento histórico" e deixa um legado contra a discriminação.
"O sentimento é de que o Poder Judiciário reafirmou que ninguém neste país pode ser discriminado pelo gênero, uma vez que mesmo dentro das Forças Armadas, que reconhecidamente é um ambiente mais conservador, pode haver uma pessoa transexual exercendo o seu direito ao trabalho."
Longa disputa
Maria Luiza foi obrigada a se aposentar das funções em 2000, após 22 anos de serviço. À ocasião, ela foi considerada "incapaz" para o serviço militar por uma junta médica da FAB, após passar pela cirurgia de mudança de sexo. Desde então, passou a receber aposentadoria proporcional.
Ela então acionou a Justiça, pedindo para ser reintegrada ao serviço. Uma decisão sobre o caso só ocorreu em 2016, quando o TRF-1 entendeu que "a orientação sexual não pode ser considerada incapacidade definitiva" e anulou o ato que ordenou a reforma de Maria Luiza.
No entanto, quando a decisão saiu, a militar já não poderia retornar ao serviço porque tinha mais de 48 anos – idade máxima para atuação no posto de cabo. Com a impossibilidade de voltar ao trabalho, ela passou a pedir a concessão de aposentadoria integral, com direito às promoções que poderia ter, caso não tivesse sido reformada compulsoriamente.
Os advogados alegavam que, se não tivesse sido obrigada a se aposentar, Maria Luiza já teria sido promovida a subtenente. Por isso, pediam que ela recebesse o valor de aposentadoria referente a esse cargo.
Decisão do ministro
A União recorreu e o caso chegou ao STJ. Ao analisar o caso, o ministro Herman Benjamin entendeu que "ainda que a agravada tenha passado para a reserva remunerada, entende-se, em primeiro momento, que ela possui direito de receber aposentadoria no último posto de praças das Força Aérea Brasileira, qual seja subtenente, tendo em vista que lhe foi tirada a oportunidade de progredir em sua carreira".
"Desse modo, constata-se, desde logo, a flagrante necessidade de se concluir a demanda relativa à aposentadoria, a qual já dura mais de 14 anos."
Em fevereiro, o ministro também concedeu outra decisão favorável a Maria Luiza. À ocasião, ela morava em um imóvel funcional da FAB e havia recebido uma ordem para desocupar o local.
A defesa de Maria Luiza acionou a Justiça alegando que a medida era ilegal. Herman Benjamin então determinou que ela permanecesse no local até que houvesse uma decisão definitiva sobre a questão da aposentadoria da militar reformada.