A estudante de farmácia da Universidade de Brasília Priscila Veiga, de 19 anos, encontrou na escrita a oportunidade de se fortalecer para a luta contra um Linfoma de Hodgkin ? câncer que atinge o sistema linfático, semelhante ao enfrentado pelo ator Reynaldo Gianecchini, pela autora de novelas Glória Perez e pela presidente Dilma Rousseff. O blog, que já tem seis meses, chegou a atingir 2 mil visualizações em um único dia e traz as impressões da jovem sobre a doença e a vida.
Foi na plataforma virtual que Priscila narrou, por exemplo, as experiências com as 12 sessões de quimioterapia. "Muitas pessoas estavam me perguntando sobre o tratamento, mas no início eu não gostava de falar disso. Aí comentei com uma amiga que, se eu escrevesse, todo mundo poderia ler e eu não seria obrigada a responder a mesma coisa chata para todo mundo", explica.
Os desabafos também ajudaram Priscila a conhecer outras pessoas que passavam por situações semelhantes. Recentemente, uma mulher de 32 anos e com dois filhos que acabou de descobrir que tinha o mesmo tipo de câncer escreveu para a garota dizendo que seria mais fácil lidar com a doença contando com a ajuda dela.
"Eu estou tornando isso uma missão. Acredito que as coisas aconteçam por algum motivo e acho que o blog aconteceu por isso, para eu poder ajudar as pessoas de alguma forma", conta Priscila. "Sempre quis estar perto das pessoas que precisam de carinho ou algo especial. Agora, com o blog, posso ajudar da minha forma. Acho que escrevendo e falando de assuntos sérios, posso ajudar a abrir a mente das pessoas para outras coisas, além de unhas e roupas."
Apesar do bom humor com o fim das sessões de quimioterapia e com o resultado dos exames, que indicam a inexistência de células cancerígenas no corpo da estudante, nem sempre o tratamento foi fácil. Uma das maiores dificuldades enfrentadas pela família de Priscila começou assim que o linfoma foi detectado: os pais e a irmã, de 9 anos, moravam em Boa Vista, em Roraima, enquanto ela vivia com a avó na capital do país.
"Foi muito difícil. Meu pai passou em um concurso e eles foram para lá, mas depois acabaram voltando para me apoiar. Minha irmã sofreu muito, especialmente porque não tinha amigos no colégio. Ela me culpava por isso, e eu entendia. De certa forma, ela sempre estava jogada para escanteio, as atenções eram todas minhas. Nos meus dias de quimio, ela sempre tinha dor de cabeça, dor de barriga ou algo do tipo. Ela fazia contagem regressiva para o fim das sessões", lembra Priscila.
Com o tempo, segundo a jovem, a irmã foi entendendo a situação e se tornou a grande aliada. "Ela começou a ver que aquilo era uma doença séria, que eu não quis raspar meu cabelo, que eu precisava. Às vezes eu chorava e pedia para ela não contar para a mamãe. Ela só me abraçava. E quando eu ameaçava vomitar, ela já pegava o balde e se punha na minha frente, segurando minha cabeça."
A descoberta
Priscila recebeu o diagnóstico da doença em 14 de janeiro de 2013, depois de passar um ano esperando o sumiço de um caroço no pescoço. De acordo com a estudante, ele não causava dor, apenas crescia. "Até brincava que era meu filho, porque eu tinha quase um segundo pescoço. Realmente não levava a sério. Cheguei a ir ao médico, mas ele disse que era a reação de um linfonodo a uma dor de garganta."
Preocupado com o crescimento do caroço, que passou do tamanho de uma moeda para o de uma laranja, o pai de Priscila ordenou que ela procurasse novamente um especialista. Poucos dias após a biopsia ela viajou com o namorado para Buenos Aires, na Argentina. Lá, soube do resultado dos exames.
"Meus pais não queriam me contar. Não me deram a senha do laboratório para eu poder ver o resultado online. Eu sabia que tinha saído e que era algo ruim, já que eles não contavam. Implorei ajuda a uma amiga da família, que com algum custo me contou a senha. Aí liguei chorando para os meus pais, falando que eles não podiam esconder de mim que eu tinha câncer. Depois de muita conversa, entendi que só queriam me proteger", diz.Sentimentos confusos
O diagnóstico produziu em Priscila sensações bastante distintas: nervosismo e medo, por causa da gravidade da doença, e "tranquilidade" com a descoberta do que ela realmente tinha. "Acho que fiquei aliviada porque descobri o que eu tinha e porque eu sabia que a partir de então o caroço iria sumir. Mas aí eu fiquei com medo, porque esse linfoma tem 90% de chance de sobrevivência e de cura, só que eu poderia me encaixar nos outros 10%."
Por causa do tratamento, que provocava dores, sono e enjoos, Priscila precisou trancar a faculdade. Ela também decidiu raspar o cabelo ? e encontrou adesão em um grupo de amigos. Além disso, engordou 20 quilos e se tornou bastante ansiosa.
"Minha auto-estima ia lá embaixo, depois subia. Foi uma confusão de sentimentos. Tem dias em que você se acha linda: ah, vou sair de lenço rosa! Depois você acha que está horrível por não ter cabelo e porque roupa nenhuma serve em você", afirma Priscila.
Ainda passando por acompanhamento nos próximos cinco anos, a estudante diz temer uma recidiva ? volta da doença. "Acho que esse período vai passar muito devagar para mim, porque a cada exame que eu fizer vai ser como se eu estivesse fazendo o primeiro. "Será que tem, será que não tem?" Esse medo sempre vai existir, não só comigo, mas com a família inteira."
A força e o bom humor para prosseguir, conta, vêm do apoio da família e do oncologista Alexandre Barbosa, que se tornou um grande amigo. Para a menina, as palavras positivas e o fato de o médico sempre estar disposto a ouvi-la, mesmo em relação a outras coisas que não tenham a ver com a doença, ajudam com que ela se sinta amparada diante da situação.
Aprendizagem
Nos seis meses de quimioterapia, Priscila diz não ter encontrado ninguém que seguia o mesmo protocolo que o dela. Mas foi em uma das idas à clínica que ela conheceu uma pessoa que julga especial: um homem de 87 anos, seis filhos, 18 netos e um câncer terminal.