A Polícia Civil mineira já detectou a presença da substância tóxica monoetilenoglicol em pelo menos uma das amostras periciadas de um petisco dado a um dos cachorros que sofreram intoxicação após o consumo do alimento. A análise combina com o que um laudo necroscópico preliminar de dois dos cães mortos, feito por veterinários da Universidade Federal de Minas (UFMG), já havia apontado.
O material químico é o mesmo identificado no caso da cervejaria Backer, em janeiro de 2020, quando dez pessoas morreram e várias outras foram hospitalizadas e acabaram com sequelas para a vida inteira. O caso tem causado grande temor e comoção a donos de pets e o número de relatos de animais adoecidos só fez aumentar nos últimos dias. Já há registro de pelo menos 18 animais mortos – oito em Minas Gerais, dois em São Paulo, sendo um na capital e outro no interior, e ao menos uma morte relatada nos estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Goiás, Alagoas, Sergipe e no Distrito Federal.
A polícia não soube informar quantos animais morreram em cada estado. Todos os cães consumiram alimentos de uma das três linhas de produtos fabricados pela Bassar Pet Food, que é investigada pelo crime de venda de produto impróprio para o consumo.
A perita Renata Fontes revelou, nesta sexta-feira (2), em coletiva de imprensa, que a substância tóxica foi encontrada já na primeira amostra analisada. Ela ressaltou que o produto não pode ser usado em nenhum tipo de alimento. Em MG, seis cães continuam internados.
– As análises ainda estão em andamento, mas a partir do momento em que nós começamos a perícia, a substância monoetilenoglicol já foi encontrada em um dos produtos. O etilenoglicol não é esperado de se encontrar em nenhum tipo de alimento. Não é uma substância alimentícia. Nem para animais, nem para humanos – disse.
A delegada Danúbia Quadros, da Delegacia do Consumidor, que está responsável pelas investigações em Belo Horizonte, onde os primeiros casos se concentraram, afirma que o resultado do exame pode ajudar a dar uma conclusão mais rápida ao inquérito. Segundo ela, a empresa pode ser responsabilizada.
– Tutores de outros estados têm entrado em contato com a gente relatando mortes de animais por ingestão dos mesmos produtos – afirmou, elencando os dez estados onde houve registro de intoxicações. – Temos várias outras diligências a serem tomadas, mas já trabalhamos com a possibilidade do crime de venda de produto impróprio para o consumo.
Danúbia também acrescentou que sua delegacia irá concentrar apenas casos ocorridos em Belo Horizonte; portanto, orientou como os tutores devem agir, caso seus cães comecem a apresentar os sintomas de crise renal.
– Além dos cuidados imediatos, é preciso procurar imediatamente a delegacia local com o produto em mãos para que seja periciado e, em caso de morte, disponibilizar o corpinho do animal para ser periciado – diz. – No caso de os animais terem ingerido esses produtos, apresentando convulsão, diarreia, vômito e prostração, o tutor deve procurar o veterinário para cuidar da saúde do animal e, paralelamente, procurar também a delegacia local para providência criminal.
Nesta quinta-feira (1), O GLOBO mostrou um dos primeiros casos que chegaram à Polícia Civil de Minas Gerais, das tutoras dos splitz alemães Bud, Wals, José e Stela e da pinscher Julieta. Todos tiveram crise renal após terem comido o petisco e precisaram ser internados. Dois deles, Bud e Wals, não resistiram e acabaram morrendo. José, Stela e Julieta já receberam alta.
– Imediatamente após à ingestão do petisco, os cães apresentaram muita sede. Poucas horas depois, vômito e prostração. Com dois dias, eles já tinham diagnóstico de injúria renal aguda – contou a advogada Silvia Valamiel as tutoras dos cinco cachorros intoxicados. – Além do laudo, os sintomas também indicam intoxicação por esta substância (mono-etilenoglicol).
Ela afirma que as tutoras dos cãezinhos pensam em entrar na Justiça contra a empresa.
– O prejuízo financeiro foi enorme e o emocional, então, imensurável – lamentou.
Governo determina recolhimento do produto
Após o surgimento de casos, agora em diversas partes do País, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento determinou, nesta sexta-feira, o recolhimento no país de todos os lotes de produtos da empresa Bassar Indústria e Comércio Ltda, "em razão da suspeita fundamentada de ocorrência de produtos contaminados", e "diante dos riscos iminentes à saúde de animais".
A pasta revelou que, a princípio, os produtos identificados com suspeita de contaminação são os das linhas Every Day sabor fígado (lote 3554) e o Dental Care (lote 3467). A Polícia Civil mineira, no entanto, ainda fala num terceiro sabor. "A medida é preventiva e poderá ser alterada em razão das informações que venham a ser obtidas com as investigações que estão sendo conduzidas", conclui comunicado do Ministério.
A Bassar, responsável pela fabricação dos alimentos, divulgou uma nota, onde diz ter sido pega de surpresa com os casos de intoxicação dos animais com seus produtos e afirma que não utiliza o mono-etilenoglicol em sua cadeia produtiva, na contramão do que dizem os laudos da Polícia Civil e da UFMG. A empresa afirma que utiliza apenas o propilenoglicol, "um aditivo alimentar presente em alimentos para humanos e animais em todo o mundo". Por fim, afirma que sua fábrica passou por inspeções do Ministério da Agricultura, e diz que mandou materiais para análise de um laboratório particular. Veja a nota na íntegra:
"Nós, da Bassar Pet Food, somos solidários com todos os tutores de pets, nossos consumidores, parceiros e razão de nossa empresa existir. Somos os maiores interessados no esclarecimento do caso, por isso a empresa vem tomando todas as providências para esclarecimento do fato, que nos pegou de surpresa, desde o dia em que recebeu o primeiro relato de possível intoxicação.
Assim que soubemos da situação, por precaução, iniciamos a retirada do mercado dos lotes 3554 e 3775 do produto Bone Everyday.
Queremos reforçar que nunca utilizamos a substância etilenoglicol, que está sendo apontada como possível intoxicante, na fabricação de nenhum de nossos produtos. Utilizamos apenas o propilenoglicol, um aditivo alimentar presente em alimentos para humanos e animais em todo o mundo. Reforçamos que o propilenoglicol utilizado pela Bassar em seus produtos é adquirido de fornecedores qualificados e renomados, os quais não fornecem somente para Bassar e sim para inúmeras indústrias no ramo alimentar para humanos e animais.
Nunca passamos por situação semelhante antes. São mais de 5 anos de história que comprovam a confiança em nossos processos de fabricação. Prezamos pela qualidade dos produtos e pelo bem-estar e satisfação de nossos clientes.
Nossa fábrica foi inspecionada por mais de uma vez nos últimos dias por funcionários do Ministério da Agricultura, que atestaram que a planta atende a todos as normas de segurança alimentar e de produção. Os laudos do MAPA comprovam, ainda, que não há contaminação na linha de produção.
É fundamental esclarecermos que não há nenhum laudo conclusivo sobre a causa das mortes de nenhum dos cães. Já enviamos os produtos citados para análise em laboratório externo, cujo resultado deve ser divulgado nos próximos dias".