Tráfico de ossos rende nota alta, dizem alunos brasileiros de medicina

Negociam-se notas, diplomas e até ossos humanos roubados de cemitérios de Santa Cruz de La Sierra.

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Os alunos brasileiros com poder aquisitivo relativamente alto, o baixo salário dos professores e a falta de controle das faculdades de medicina alimentam uma enorme rede de corrupção na Bolívia.

Negociam-se notas, diplomas e até ossos humanos roubados de cemitérios de Santa Cruz de La Sierra.

Três alunos da Universidade Cristã da Bolívia (Ucebol) relataram que alguns professores dão pontos extras a estudantes que compram apostilas e até ossos do fornecedor indicados por eles.

"O aluno compra um osso e deixa o nome dele com o vendedor. Depois, o professor checa o nome e acrescenta de cinco a oito pontos num exame de 25 pontos", explica um estudante do primeiro ano.

Para passar numa disciplina, é preciso acumular ao menos 51 pontos --o máximo é 100 pontos.

Apesar de proibido por lei, a maioria dos alunos tem ossos humanos em casa.

Muitas vezes, essa é a única forma de estudar, já que as faculdades, com número ilimitado de vagas, não têm ossos para serem usados nas aulas por todos nas aulas.

O comércio é feito às claras, em anúncios na internet, em panfletos ou no boca a boca. Na semana passada, uma brasileira revendia um esqueleto completo por R$ 200.

Os ossos são roubados principalmente de cemitérios na empobrecida periferia de Santa Cruz, a maior cidade boliviana, com cerca de 1,7 milhão de habitantes.

VENDA DE NOTAS

Além do tráfico de ossos, é comum ainda a venda de notas em exames por parte dos professores, cujo piso é de apenas R$ 11 pela hora/aula.

Na Universidade de Aquino (Udabol), estudantes ouvidos pela Folha afirmam que professores costumam cobrar R$ 450 para aprovar em suas disciplinas --o valor é equivalente a 41 horas de trabalho dos docentes no país.

Outro golpe é usar a transferência de uma faculdade privada a outra para "saltar" até três semestres, por meio de currículos falsificados.

O vice-reitor da Ucebol, Cesar Ramiro, disse à Folha que qualquer prática ilegal é combatida, mas admite o problema. Desde de 2012, diz ele, 12 professores foram afastados por causa de irregularidades.

FALSIFICAÇÕES

Há ainda o caso dos diplomas falsificados. Em operação no mês passado, a Polícia Federal identificou 41 diplomas irregulares de universidades bolivianas.

Uma delas é a UNE (Universidade Nacional Ecológica), que pertence ao embaixador da Bolívia no Brasil, Jerjes Justiniano. Dos 2.200 alunos da instituição, 1.600 são brasileiros cursando medicina.

O porta-voz da UNE Giovanni Violeta disse que a universidade colaborou com as investigações no Brasil. "Expulsamos e denunciamos mais de dez alunos. Não podemos sujar o nome por causa de alguns títulos."

Violeta diz que um ex-funcionário da UNE é suspeito da fraude e que cada diploma falso foi vendido por R$ 3.800.

Apesar dos problemas, o ex-professor da Ucebol Ruben (nome fictício) disse que há bons alunos brasileiros, embora sejam em minoria.

Em quatro anos na sala de aula, o docente diz ter identificado ao menos dez estudantes com potencial.

Apontado pelos colegas como exemplar, o estudante do quarto ano de medicina da Udabol e auxiliar de enfermagem Claudio Simas, 35, resolveu estudar medicina após oito anos trabalhando na Santa Casa de Ribeirão Preto.

Simas assegura que nunca foi reprovado numa disciplina nem pagou para passar. A inspiração, diz, foi um médico que se formou na Bolívia, passou no Revalida e era seu colega de trabalho.

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