A placentofagia - prática de guardar a placenta após o nascimento do bebê para comê-la - não é um hábito hippie, um rito de passagem de culturas primitivas nem um ritual de bruxaria assustador. Está acontecendo no estado do Utah, nos Estados Unidos, e em outros locais do país com frequência crescente.
É uma prática sem precedentes antropológicos, promovida por um grupo de mães que acreditam piamente em seus benefícios para a saúde, apesar da escassez de pesquisas sobre o assunto. O hábito tem promovido um novo nicho profissional: o dos preparadores de placenta.
Os hostpiais de Utah não têm uma estimativa precisa de quantas mães pedem para ter as placentas empacotadas e colocadas no gelo, em vez de descartá-las. O Hospital Universitário de Utah estima que entre 5% e 10% das mães fazem esse pedido. Já o Intermountain Medical Center afirma receber cerca de dois pedidos a cada mês.
"Mas parece que há uma tendência de aumento", diz Bernice Tenort, gerente de enfermagem da ala de partos do Hospital Universitário.
Para muitos, pensar em canibalizar algo expelido de seu próprio corpo desencadeia um reflexo de ânsia. A placenta contém material genético da mãe, do pai e do bebê. Mas a prática "pegou" principalmente entre mulheres brancas, casadas, de classe média, com formação universitária, a maioria das quais relatam experiências positivas de acordo com um estudo recente na revista científica "Ecology of Food and Nutrition". Também é popular entre mulheres que escolhem ter seus bebês em casa, segundo o estudo.
O órgão passa nutrientes essenciais da mãe para o bebê e contém ferro e hormônios benéficos do pós-parto, como progesterona e ocitocina, por isso supõe-se que ingeri-lo traga benefícios. Blogs sobre a maternidade e sites que estimulam o parto em casa asseguram que a prática pode diminuir o sangramento pós-parto, ajudar o útero a voltar a seu tamanho normal, enriquecer a produção de leite, além de prevenir a depressão pós-parto.
"Tem várias coisas que fazemos para melhorar nossa saúde que não foram estudadas e provadas pela ciência médica, ainda assim sabemos que funcionam", diz Laura Curtis, dona da maior empresa voltada para encapsular placenta em Utah, a PlacentaWise, em Lindon.
Laura aprendeu a encapsular placentas durante um treinamento para se tornar doula. "Foi estranho para mim e pareceu nojento", ela diz. "Eu nem encosto em carne. Sou vegana". Mas ela foi convencida por depoimentos de outras pessoas. "Existe uma demanda por esse serviço e a necessidade de pessoas que o façam de forma segura", diz Laura, que segue os protocolos aplicados ao manejo de comida.
Nada disso tem base na ciência. Já existiram muitos estudos observacionais em humanos, datando desde 1900, e estudos com animais: a maioria dos mamíferos come sua placenta. Mas nunca houve estudos randomizados. "Tem várias coisas que animais fazem e que humanos não deveriam fazer", diz Mark Kristal, um psicólogo do programa de neurociência comportamental da Universidade de Buffalo.
Apesar de a prática ser comum entre os animais, não existem evidências antropológicas de que a prática existiu entre humanos. "Em qualquer cultura, quando isso é mencionado, é mencionado como um tabu", diz Kristal.
Ainda assim, não existem evidências de que a prática faça mal. "Não vamos contra a prática", diz Bernice, do Hospital Universitário. "Nosso objetivo é honrar os direitos dos pacientes e fazer a experiência do nascimento da maneira que eles querem".
Cozido a vapor
Há vários métodos de encapsular placentas. Laura cozinha o órgão no vapor de 10 a 12 minutos de cada lado. Depois o material é fatiado, desidratado e transformado em um pó, que é encapsulado.
Todo o local de preparo é limpo e desinfetado. Os pacientes devem entregar a placenta, mantida em ambiente refrigerado, até 48 horas depois do parto. Os médicos devem assinar um documento com os resultados de testes para patógenos, como HIV e hepatite.
Laura encapsula de 18 a 20 placentas por mês. O pacote básico, composto por um vidro de cápsulas e o cordão umbilical desidratado e moldado no formato de um coração, custa 200 dólares.