A justificativa para a recusa de entrada de brasileiros no aeroporto de Buenos Aires, baseada na qualificação de "falso turista", remonta aos anos 1980, durante a ditadura militar argentina, conforme explicado pelo advogado especializado em questões migratórias Diego Morales, do Centro de Estudos Legais e Sociais da Argentina. Essa abordagem precede a promulgação da Lei de Imigração de 2002 e do acordo bilateral entre Brasil e Argentina de 2004.
"A aplicação de 'falso turista' aos residentes do Mercosul -- e mais ainda pelo acordo bilateral Argentina e Brasil -- é incompatível com o convênio, tratados internacionais e com a lei de imigração da Argentina", disse Diego Morales, do Centro de Estudos Legais e Sociais da Argentina.
Morales explicou que, na época da ditadura, o setor de migrações se baseava em uma ideia abstrata sobre quem entra na Argentina por turismo ou por razões distintas. A suspeita de "falso turista" recaía, principalmente, sobre o estrangeiro latino-americano, contou o advogado. "Mas a nova Lei de Imigração, o acordo Mercosul e o convênio Brasil-Argentina mudaram a resolução da ditadura", esclarece Morales.
De acordo com o portal do governo brasileiro, para ter a residência permanente na Argentina, valendo-se do acordo bilateral, o cidadão pode iniciar o processo estando no país. É necessário, contudo, apresentar documentos pessoais, antecedentes penais, um comprovante de endereço na Argentina e o pagamento de taxas. O procedimento é feito online.
O acordo entre os dois países facilita que brasileiros e argentinos possam circular e pedir a residência permanente direto, sem passar pela provisória de dois anos, como ocorre com outros cidadãos do Mercosul e de outras nacionalidades. Morales explica que, justamente por ter direito a solicitar a residência permanente, o brasileiro que quer se estabelecer na Argentina não necessitaria do visto de estudante para fazer uma universidade.
"Não está previsto na normativa que se pode expulsar alguém na figura de falso turista porque veio estudar", destaca. Impedir cidadãos do Mercosul de entrarem na Argentina só seria justificado, segundo o advogado, se a pessoa tivesse antecedentes penais, foi deportada antes, ou quando há um pedido da Interpol. "Se a pessoa tem a documentação necessária, é a autoridade migratória quem tem que explicar as razões pelas quais o cidadão não pode entrar na Argentina".
Acordo fala em direito de permanência, mas não de ingresso
Apesar da vigência do acordo bilateral e do tratado do Mercosul, os tratados falham enquanto ferramenta operativa que facilitaria que a pessoa possa migrar, diz o advogado Pablo Ceriani, membro do Comitê das Nações Unidas para assuntos migratórios. "No entanto, essa ausência não pode justificar que através de uma disposição administrativa, como falso turista, pessoas provenientes do Mercosul sejam impedidas de entrarem no país para iniciar o processo de residências, uma vez que ser falso turista foi uma exigência pensada para outros casos", explica Ceriani.
Sobre os relatos de brasileiros que receberam tratamento hostil, sem ter o direito de se comunicarem com familiares ou advogados, Ceriani é enfático: "São gravíssimos esses relatos. A pessoa tem direito a um defensor. São cidadãos que vieram estudar e têm o direito de permanecer na Argentina".