Manifestantes favoráveis e contrários ao presidente do Egito, Hosni Mubarak, entraram em violento confronto nesta quarta-feira (2) na Praça Tahrir, no centro do Cairo, um dia após ele ter anunciado que não disputaria a reeleição e deixaria o governo em setembro.
Pouco antes, a coalizão de partidos oposicionistas disse que vai continuar com as manifestações pela saída imediata de Mubarak e que só depois de ele renunciar começaria a negociar com o vice-presidente Omar Suleiman.
Mubarak havia autorizado Suleiman a começar a negociar com todos os grupos opositores.
"Pedimos ao povo que continue protestando na Praça Tahrir e pedimos que todos participem da "Sexta-feira da Partida", disse o porta-voz.
Protestos de rua contra o governo continuavam espontaneamente nesta quarta no Cairo, um dia depois de Mubarak, ter anunciado que não vai concorrer à reeleição em setembro, depois de oito dias de crescentes protestos populares que terminaram com mais de 100 mortos no país.
Cerca de 1.500 ativistas fizeram vigília na praça Tahrir, centro do Cairo, no nono dia de protestos, pedindo a saída imediata do presidente, e a multidão crescia durante a manhã.
" "Não sairemos, ele sairá", diziam os manifestantes.
Na TV estatal, um porta-voz do Exército -que não reprimiu os manifestantes nos últimos dois dias- disse que os egípcios "transmitiram sua mensagem", que suas reivindicações foram atendidas, e que era hora de ajudar o Egito a "voltar à vida normal"
O país também atenuou o toque de recolher, que agora vai vigorar entre 17h e 7h (11h e 3h do horário brasileiro de verão), em vez de entre 15h e 8h, como era desde sexta-feira, segundo a TV estatal. A decisão foi do próprio Mubarak.
O acesso à internet, que havia sido cortado no país em 28 de janeiro, tinha voltado parcialmente nas cidades do Cairo e de Alexandria, segundo usuários. O corte, protagonizado pelo governo para tentar dificultar a organização dos protestos, gerou críticas da comunidade internacional.
Muitas lojas seguiam fechadas no centro do Cairo, mas alguns clientes afirmaram na terça-feira que vários caixas eletrônicos estavam funcionando normalmente.
No Cairo e em Alexandria, manifestantes pró e contra Mubarak se enfrentaram pelas ruas durante a madrugada.
Transição suave
Mubarak, que está há 30 anos no poder, afirmou em discurso que, nos meses que restam de seu quinto mandato à frente do pais, vai ajudar a cumprir as exigências da coalizão de forças oposicionistas que o desafia -inclusive, fazer reformas do judiciário que ajudem a combater a corrupção.
Em fala transmitida pela TV estatal, ele disse que o país atravessa um "momento difícil", que a prioridade é a "estabilidade da nação" e prometeu dialogar com todas as forças da oposição.
Mubarak afirmou também que sua decisão não estava relacionada aos protestos dos últimos dias e que nunca teve a intenção de tentar um novo mandato.
Pressão internacional
O presidente dos EUA, Barack Obama, disse que a situação de Mubarak é insustentável e que a transição deveria começar imediatamente.
O primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, considerou insuficiente o anúncio de Mubarake opinou que o presidente egípcio deve renunciar imediatamente para satisfazer as reivindicações de seu povo.
"O povo (egípcio) espera uma decisão muito diferente de Mubarak", disse Erdogan em visita ao Quirguistão, segundo o canal de notícias NTV.
O presidente da França, Nicolas Sarkozy, pediu nesta quarta-feira que a transição comece sem violência e o mais rápido possível.
Em Berlim, o chefe da diplomacia alemã, Guido Westerwelle, celebrou o fato de Mubarak querer "abrir o caminho para uma renovação política".
"Temos que ver agora que papel deseja e poderá desempenhar", declarou Westerwelle.
O ex-presidente cubano Fidel Castro disse na terça que "a sorte de Mubarak está lançada" e nem os Estados Unidos conseguirão manter em pé o governo do Egito.
Levantes em outros países
Nesta quarta, o presidente de Iêmen, no poder há 32 anos, cedeu a protestos da oposição e disse que não vai tentar a reeleição.
Na terça, o rei da Jordânia -outro importante aliado dos EUA no mundo árabe- havia anunciado uma mudança no governo o país, também depois de protestos populares e de opositores.
Os protestos em Egito e Jordânia -assim como Marrocos, Iêmen e Síria- foram inspirados pelo levante popular que derrubou o presidente da Tunísia, Zine El Abidine Ben Ali, que caiu pela pressão popular após 23 anos no poder.
País chave
O Egito, o mais populoso dos países árabes (80 milhões de habitantes), é importante aliado do Ocidente na região e administra o Canal de Suez, essencial para o abastecimento de petróleo dos países desenvolvidos.
Além disso, é um dos dois países árabes (o outro é a Jordânia) que assinou um tratado de paz con Israel. O premiê israelense, Benjamin Netanyahu, mencionou o fantasma de um regime ao estilo iraniano, caso, aproveitando o caos, "um movimento islamita organizado assuma o controle do Estado".
Parlamento suspenso
O Parlamento do Egito suspendeu suas sessões até a revisão dos resultados das eleições legislativas celebradas em 28 de novembro e 5 de dezembro, que foram denunciadas pela oposição como fraudulentas, informou a agência oficial Mena.
As duas Câmaras do Parlamento decidiram suspender as sessões de maneira indefinida até que uma decisão seja tomada sobre os resultados das eleições, segundo a agência.
"O presidente da Assembleia, Fathi Sorur, pediu ao secretário-geral do Parlamento, Sami Mahrane, que entre em contato com a Alta Comissão Eleitoral e envie os nomes dos deputados afetados por decisões da justiça", afirma um comunicado.
A justiça anulou as eleições em várias circunscrições.
Sorur informou que o Parlamento deve declarar nulas as eleições de deputados afetados por decisões da Corte de Apelações.
Suez
O Canal de Suez, eixo estratégico do comércio mundial, funcionou normalmente na terça apesar dos protestos, segundo a Autoridade do Canal.
O canal, que une Porto Said, no Mediterrâneo, a Suez, no Mar Vermelho, representa a terceira maior fonte de renda estrangeira do Egito.
O volume de seu tráfego é considerado indicador da saúde do comércio marítimo através do mundo.
O Conselho de Segurança Nacional dos EUA está monitorando os efeitos da crise egípcia nos mercados financeiro e de petróleo, disse o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs.