SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) - O ex-primeiro-ministro do Japão Shinzo Abe morreu depois de ter sido baleado durante um evento de campanha nesta sexta-feira (8), informaram o canal público NHK e a agência de notícias Jiji.
"De acordo com uma fonte do PLD (Partido Liberal Democrata), o ex-primeiro-ministro Abe morreu em um hospital na cidade de Kashihara, na região de Nara, onde estava recebendo tratamento médico. Ele tinha 67 anos", afirmou a NHK.
O ataque contra Abe ocorreu durante um comício para as eleições do Senado no próximo domingo (10), apesar das rígidas leis no país contra a posse de armas. Segundo o porta-voz do governo japonês, Hirokazu Matsuno, os tiros foram disparados pouco antes do meio-dia, no horário local, e "um homem, que se acredita ser o atirador, foi detido".
Ainda de acordo com a NHK, Abe foi levado inconsciente ao hospital e teve uma parada cardiorrespiratória - o que, no Japão, indica a ausência de sinais de vida e geralmente precede um atestado de óbito oficial. Segundo informações da emissora citando fontes policiais, um homem de cerca de 40 anos foi desarmado e preso por tentativa de homicídio.
Em um pronunciamento feito mais cedo, o chefe de governo, Fumio Kishida, disse que o ex-premiê estava em estado "muito grave" e considerou o atentado "absolutamente imperdoável".
"O ex-primeiro-ministro Shinzo Abe foi atingido por tiros em Nara (oeste) e fui informado que se encontra em estado muito grave", disse Kishida à imprensa.
"É um ato de barbárie durante a campanha eleitoral, que é a base da democracia, e é absolutamente imperdoável. Condeno este ato nos termos mais fortes", acrescentou o atual primeiro-ministro.
Imagens exibidas pela NHK mostram Abe de pé em um palco quando é possível ouvir um grande barulho e observar fumaça. Pouco depois, um homem foi imobilizado por agentes de segurança.
Segundo o relato de uma fonte anônima do Partido Liberal Democrático (PLD) feito à agência Jiji, Abe caiu após o ataque e sangrava pelo pescoço. Vários meios de comunicação informaram que o ex-chefe de governo foi atacado pelas costas, provavelmente com uma escopeta.
O governo japonês anunciou a criação de uma força-tarefa após o ataque, que provocou uma série de reações internacionais.
O secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, expressou tristeza e preocupação com o caso. Abe era tido como um aliado de Washington. "Este é um momento muito, muito triste", declarou Blinken à imprensa durante a reunião do G20 em Bali.
Os principais líderes das instituições da UE (União Europeia) e da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) afirmaram que estavam em "choque" com o ataque. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, classificou o ato como "abjeto".
A TRAJETÓRIA DE ABE
Vítima do ataque, Shinzo Abe bateu recordes como o primeiro-ministro mais longevo do Japão, resistindo a vários escândalos político-financeiros.
Abe tinha 52 anos quando assumiu o cargo de primeiro-ministro em 2006 e se tornou a pessoa mais jovem a ocupar a posição.
Ele era considerado um símbolo de mudança e juventude, mas também apresentava o pedigree de um político de terceira geração, preparado desde cedo para exercer o poder dentro de uma família conservadora de elite.
Seu primeiro mandato foi turbulento, marcado por escândalos e disputas, e terminou com sua renúncia abrupta após um ano.
Inicialmente ele declarou que renunciou por motivos políticos, mas depois admitiu que tinha um problema de saúde, que mais tarde foi diagnosticado como colite ulcerativa. A condição exigiu meses de tratamento, superado graças a um novo medicamento, segundo Abe.
Recuperado, ele voltou a ser candidato e retornou ao cargo de primeiro-ministro como um salvador do país em dezembro de 2012. Sua vitória encerrou um período turbulento em que os primeiros-ministros se sucediam ao ritmo de de até um por ano.
Afetado pelos efeitos do tsunami em 2011 e o desastre nuclear de Fukushima, o Japão encontrou em Abe uma mão confiável.
A ERA 'ABENOMICS'
Abe ficou famoso no exterior por sua estratégia de recuperação econômica, conhecida como "abenomics", iniciada em 2012, na qual misturou flexibilização monetária, grande recuperação orçamentária e reformas estruturais.
Alguns avanços foram registrados, como o aumento da taxa de emprego das mulheres e dos idosos. O país também passou a recorrer de maneira mais intensa à imigração para enfrentar a escassez de mão de obra.
Porém, sem reformas realmente ambiciosas, o programa teve sucesso apenas parcial, atualmente ofuscados pela crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus.
TEMPESTADES POLÍTICAS
Abe foi preparado desde muito jovem para exercer o poder, marcado pela história familiar de duas gerações de líderes políticos antes dele.
A grande ambição de Abe era revisar a Constituição pacifista do Japão de 1947, redigida durante a ocupação por parte dos Estados Unidos, e nunca alterada.
No cenário internacional, Abe adotou uma linha dura com a Coreia do Norte, mas assumiu um papel de pacificador entre Estados Unidos e Irã.
Ele priorizou um relacionamento próximo com o ex-presidente americano Donald Trump para proteger a relação entre os dois países do nacionalismo de Trump, ao mesmo tempo que tentou ajustar os vínculos com Rússia e China.
Mas os resultados foram mistos: Trump insistiu em forçar o Japão a pagar mais pelos soldados americanos presentes no país, não conseguiu concretizar um acordo com a Rússia sobre ilhas em disputa e o mesmo aconteceu com seu plano de convidar o presidente chinês, Xi Jinping, para uma visita de Estado.
Abe, muitas vezes atingido por escândalos que afetaram pessoas próximas, soube aproveitar os acontecimentos externos - lançamentos de mísseis norte-coreanos, desastres naturais - para desviar a atenção e se apresentar como um líder indispensável diante das adversidades.
Também foi beneficiado pela falta de um rival do mesmo porte dentro de seu partido, PLD (Partido Liberal Democrata), e a fragilidade da oposição, que ainda não se recuperou de sua passagem desastrosa pelo governo entre 2009 e 2012.
Mas sua popularidade caiu a partir do início da pandemia de covid: as ações do governo Abe foram consideradas lentas e confusas.
Durante muito tempo ele se agarrou à esperança de manter os Jogos Olímpicos de Tóquio em 2020, que seriam o grande momento de de seu mandato.