A transexual Letícia Caroline Pereira do Nascimento é uma vitoriosa. Ela transformou dificuldades em inspiração e entre os muros do preconceito realizou o sonho de ser a primeira professora efetiva trans da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e foi eleita ao cargo, democraticamente, onde lecionará no curso de Pedagogia no campus de Floriano.
Apesar de ter enfrentado a "resistência de uma minoria", que acredita que a Universidade ainda seja pouco acessível ao público LGBT, a pedagoga mostrou que há espaços na educação para todos. Em entrevista ao jornal MN, a transexual falou sobre sua rotina e revelou que não sofreu preconceito pelos próprios colegas em sua vida acadêmica.
“Não sofri na UFPI nenhum preconceito direto, o que ocorre é uma falta de uma informação das pessoas em não saber como me chamar, às vezes de ele, professor, ou ela, professora. Mas não chega a ser uma violência para mim, diferente para outras trans. Isso não quer dizer que o preconceito não exista, mesmo sabendo que nos ambientes institucionais e na sociedade como um todo ainda sejam muito presentes”, disse.
Letíca Pereira é natural de Parnaíba onde se graduou em 2007 na UFPI. Logo depois, veio para Teresina em busca do título de Mestra em Educação. A profissional já lecionou como professora substituta na Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Sua vasta experiência acadêmica tem um incentivo: o poder da transformação da educação.
“Eu escolhi a Pedagogia porque desde os meus 17 anos – quando fiz a escolha pela profissão –, sempre tive um desejo muito grande de transformar o mundo e foi na Pedagogia que descobri que toda transformação passa pela educação como nos ensina Paulo Freire. Então, eu acredito na mudança, na transformação e acredito que o caminho é a educação e por isso escolhi ser pedagoga”, externou Letícia. “Desde a graduação eu estudo gênero, sexualidade e educação. No mestrado em educação também fiz pesquisa sobre o que é sexualidade para jovens do ensino médio e agora estou no doutorado em educação onde também vou estudar sobre gênero mais precisamente mulheres trans, negras e gordas”, completou ela.
Letícia se sublimava com os estudos. A experiência durou três anos até ser convocada para assumir um posto também de substituta na instituição onde se formou. Ano passado, a UFPI abriu vagas para o cargo efetivo e Letícia se inscreveu no certame. O resultado foi comemorado. Ela passou nas provas e aguardou ser convocada tornando-se pela primeira vez na história da UFPI uma professora trans concursada em uma instituição federal de ensino. Sua posse aconteceu na última segunda-feira (25/02) junto a outros convocados e com quinze dias a educadora entrará em sala de aula, agora interinamente.
“Risinhos ou chacotas”, esse pode ser o pensamento de alguma pessoa ao ver uma travesti dando aula. Entre o que esperar das aulas? Letícia, não se intimida, visto que agora ela está do outro lado, como professora e por revelar sua sexualidade como de uma mulher.
"É sempre muito interessante lembrar que fui aluna e agora me torno professora, pois já tenho sete anos de docência no ensino superior, o marco histórico que acontece agora é que me tornei professora efetiva. Esse processo faz com que a gente saiba que os alunos têm seus sonhos e dificuldades, e a gente, como professora, tenta compreendê-los. Esse é o primeiro passo para uma caminha de sucesso na universidade”, relembra.
Sobre deixar uma mensagem para as pessoas trans que querem chegar ao mercado de trabalho e na quebra do preconceito, Letícia é direta: “Não desistam dos seus sonhos e criem redes de apoio. Muitas vezes não temos apoio na família mais encontramos apoio nos amigos porque só é muito difícil, precisamos de ajuda para transformar nosso mundo num lugar mais inclusivo”, concluiu.
Mais espaço
O modelo, inédito na UFPI mostra que muitas universidades brasileiras já contam com algumas cotas para trans em cursos de doutorado e mestrado. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), apenas 0,02% frequentam esse espaço público. Para concorrer às vagas reservadas, a candidata ou candidato deve se declarar transexual, travesti ou transgênero. Uma comissão dentro da universidade fica responsável por avaliar possíveis fraudes no sistema de auto declaração, que também garante vagas para pretos e pardos.