A dona de casa Romilda Justina Franco, de 62 anos, moradora de Goiânia, entrou na Justiça para obter a guarda de um papagaio que há 32 anos faz parte de sua família. Conhecida por Lourinho, a ave pertencia ao filho dela, um policial militar que foi morto dentro do quartel em 2004, aos 29 anos.
A mulher, que está depressiva desde a morte do filho, teme que a Justiça não conceda a guarda doméstica do animal. ?Nas recaídas que tenho, ele é meu medicamento, ele que me tira de lá. Já não basta tanta dor que sofri, mais essa eu não aguento. Ninguém sabe a dimensão da dor?, declara a aposentada.
A advogada de Romilda, Carolina Alves Luiz Pereira, contou que desde 2010 a idosa entrou na Justiça com o pedido de guarda doméstica e o processo estava parado desde fevereiro deste ano. O caso só voltou a tramitar após a denúncia de um vizinho ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em Goiás, alegando que o bicho faz muito barulho.
Na terça-feira (12), a idosa recebeu a notícia de que não poderia ter a guarda do animal e ainda teria de pagar uma multa no valor de R$ 5 mil. ?Ela se enquadra em todos os pré-requisitos da resolução vigente no Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente], mas a decisão foi desfavorável. O animal está em boas condições, ela não tem antecedente de crime ambiental. Laudos médicos comprovam que ela depende emocionalmente da ave e o bicho não está na lista de animais em extinção?, defende a advogada Carolina Alves, que já protocolizou um mandado de segurança na Justiça Federal contra a decisão.
Paixão por animais
Segundo a dona de casa, Lourinho foi encontrado pelo seu filho, quando o menino tinha seis anos de idade. O papagaio, de acordo com ela, já era adulto e estava na cerca de uma fazenda no município de Aragoiânia, Região Metropolitana de Goiânia. Na época, meados de 1980, não existiam leis que impedissem a criação da ave em casa.
?Meu filho salvou a vida dele. Depois disso, eles criaram uma amizade muito grande. Quando meu filho ia trabalhar, ele queria ir junto. Era o dodói dele. Eles dormiam juntos e o papagaio só levantava quando meu filho levantava?, conta Romilda.
Falante, a ave dá gargalhadas, grita gol, pede café e fala os nomes das crianças da rua e até de um cachorro da vizinhança. A dona garante que ele, inclusive, imita cães latindo. ?Depois da morte do meu filho, ele ficou mudo por cinco meses. Com o tempo, ele foi se aproximando e transferiu para mim o amor que tinha pelo Euler?, contou Romilda, emocionada.
Cuidados
Apaixonada por bichos, Romilda Justino pega animais abandonados nas ruas de Goiânia e leva para casa. Quando deu a entrevista, na quarta-feira (13), além do papagaio, ela tinha na residência cinco cães, um gato e uma galinha. Ela garante que esse número muda a cada dia. ?A galinha, Ana Francisca, eu peguei faz cinco meses. Ela estava amarrada e um pedreiro ia matá-la para comer. Então, eu comprei dois quilos de coxa de frango e troquei por ela. Já a Nina [cadela] peguei esta semana. Ela estava amarrada a uma árvore havia três dias e estava sem comer. Aí a trouxe para cá?, lembra a dona de casa.
Segundo a idosa, ela conta com a ajuda da filha para conseguir um novo lar para os animais. ?Quando meu filho morreu, minha filha largou o último ano de zootecnia para fazer veterinária, só para cuidar desse papagaio. Hoje, ela me ajuda a pegar os animais e divulga na internet para adoção. Direto, as pessoas ligam aqui para adotá-los?, relata Romilda.
Mesmo com todos os cuidados, o Ibama se mostra contra a permanência do animal silvestre na casa da aposentada e alega que, mesmo após 32 anos fora do habitat natural, ele pode ser reinserido na natureza. ?O posicionamento do Ibama é que, mesmo não tendo condições iniciais de voltar para a natureza, nada se opõe a tentar treiná-lo e reabilitá-lo ou encaminhá-lo para um criador legalizado?, explica o coordenador do Centro de Triagem de Animais silvestres do Ibama de Goiás, o analista ambiental Luiz Alfredo Lopes.
De acordo com Lopes, animais silvestres criados como animais domésticos não têm como se reproduzir e acabam estimulando outras pessoas a criar esse tipo de bicho em casa: ?Nessas condições, o animal não traz descendentes e acaba fomentando a cadeia do tráfico de animais silvestres. Mesmo que não tenha sido ela [Romilda] que pegou o animal na natureza, ela acaba fazendo parte da cadeia do tráfico?.
A aposentada, que preparou um viveiro em casa para abrigar o animal, diz que ele passa a maior parte do tempo com ela e, inclusive, dorme em seu quarto durante a noite. ?Uma alegação muito comum de quem tem esses animais em casa é dizer que os cria como se fosse da família, como se fosse parente, mas isso é mentira, pois não se cria um parente em cativeiro?, contesta o analista ambiental Luiz Alfredo.
Apelo
O aposentado João Bento é vizinho de Romilda há 22 anos e garante que Lourinho não atrapalha. Ele torce para que a Justiça permita que o animal permaneça com Romilda Justino. ?Ave não incomoda ninguém. Gosto de animal e acho injusto, impróprio, retirar o animal dela, até porque ele era do filho que foi assassinado?, alega.
Para a aposentada, resta a esperança de que a Justiça dê um parecer favorável e dê a ela a guarda doméstica. ?Se ele puder ficar comigo, será uma parte do meu filho que vai voltar para mim, um pouquinho dele que vai ficar aqui. E para mim, essa vai ser a maior justiça feita pela morte dele?, declara Romilda.