?Se os brasileiros vão à praia e não aos museus, talvez os museus devam ir à praia.? A imagem criada pelo alemão Hans-Martin Hinz seria apenas poética, não fosse a realidade. No século XXI, diz ele, ainda há museus que agem como se estivessem no século XIX e, ?ultrapassados, dispõem toda a sua coleção em redomas de vidro?, transformando a experiência de ir ao museu em algo ?pior do que qualquer programa de televisão?.
Hinz está no Rio para a 23ª conferência do Icom, o Conselho Internacional de Museus, órgão parceiro da Unesco que reúne mais de 30 mil profissionais de 137 países numa rede mundial de pesquisa, promoção e preservação do patrimônio cultural. Pela primeira vez no Brasil, a conferência ? criada em 1946 e realizada a cada três anos em países distintos ? começa neste sábado, na Cidade das Artes, com uma reunião do conselho executivo do Icom.
Estima-se que até o dia de seu encerramento, no próximo sábado, o evento trará à cidade 2.000 profissionais ligados a museus. A programação é extensa e se pretende plural ? há desde artistas renomados, como a cubana Tania Bruguera, e diretores de instituições longínquas, como Joanna Mytkowska, do Museu de Arte Moderna de Varsóvia, na Polônia, ao ex-secretário de Desenvolvimento Social de Medellín, na Colômbia, Jorge Melguizo, ou o escritor moçambicano Mia Couto. A ideia é que discorram, cada um à sua maneira, sobre ?Museus (memória + criatividade) = mudança social?, tema da conferência.
Com um doutorado em Ciências Naturais no currículo, Hinz foi encarregado pela presidência de seu país de assessorar a criação de novos museus na Alemanha nos anos 1990 e, por mais de dez anos, esteve à frente do Museu Histórico Alemão, em Berlim. Tem os olhos treinados para avaliar projetos museológicos. E sentencia:
? O Brasil não está distante dos padrões internacionais, de forma alguma. O padrão aqui é elevado, sim, mas tudo depende do público-alvo. Há museus em todo lugar e há formas de organização completamente diferentes.
Assim, Hinz desconstrói o pensamento predominante no Brasil de que museus precisam se modernizar tecnicamente para vingar no século XXI. Enquanto o Ibram estima que são necessários R$ 244 milhões para ?requalificar? os museus, ele prega que nem toda instituição precisa, por exemplo, de audioguia ou catálogos bilíngues.
? A questão é criatividade. Não é necessário imprimir tudo, por exemplo, porque é caro. Não precisa ter audioguia. Há países que escolheram ter só aplicativos para telefone, porque é mais barato e atrai públicos jovens. O público-alvo não é homogêneo, e não é fácil fazer com que todos os museus tenham o mesmo nível, embora todos tentem fazer seu melhor ? afirma. ? É claro que os museus nacionais são mais equipados, porque estão esperando público internacional. Mas esse não é o caso de todos. Há museus pequenos na Alemanha que não têm dinheiro para criar catálogos ou áudio em outros idiomas. Se um visitante internacional for até lá, talvez fique desapontado. Mas nos museus nacionais isso é diferente, eles são destinos turísticos.
Na tentativa de falar a língua do século XXI, os museus têm ampliado o uso de tecnologia em suas exposições ? de forma um tanto histérica, como avalia o físico espanhol Jorge Wagensberg, que criou e dirigiu o Museu de Ciência de Barcelona, conhecido por transformar a abordagem museológica em ciência. Tido como um dos grandes pensadores de museus na atualidade, Wagensberg dará palestra no Icom na próxima quarta-feira.
? A tecnologia caduca sempre muito rapidamente. As boas ideias, por outro lado, não caducam jamais. É nisso que os museólogos nunca devem economizar: as boas ideias para explicar boas histórias com inteligência e beleza! Um bom museu não se constrói como se faria um livro ou um filme, quer dizer, começando pelo índice. Um bom museu, insisto, se constrói sobre um punhado de ideias brilhantes ? defende o físico.
Para ele, as instituições podem ser mais atraentes usando apenas ?inteligência e beleza, e não sequestrando os típicos falsos estímulos do show business ou do best-seller?.
? Um estímulo é bom simplesmente quando te incita a continuar na aquisição de conhecimento. Os que se esgotam em si mesmos são outra coisa, talvez pornografia?, e o que faz um bom museu é contar boas histórias usando a realidade em vez de imagens e palavras ? completa Wagensberg.
À frente do debate intitulado ?O museu e a condição humana: o horizonte sensorial? (nesta segunda-feira), Ulpiano Bezerra de Meneses, professor emérito da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, é crítico do uso de exposições blockbuster para atrair público (?Sou também contra o caráter ?explosivo? e avulso desses megaeventos, o que a longo prazo não contribui para implantar o desejável funcionamento do museu?, argumenta) e diz que ?fetichizar a tecnologia é transferir para ela aquilo que se deve creditar aos homens e a seus interesses, aspirações, competência, criatividade?.
? Tornar o museu mais atraente não pode ser um alvo em si, mas um recurso para melhor atingir os objetivos a que a instituição se propõe. Seja como for, deve ser evitado a todo custo o risco de infantilizar o público. O museu tem que investir nesse público, para amadurecê-lo, e isso não quer dizer dispensa de esforço e compromissos. Já imaginar que a tecnologia, por si só, é fator de atração inclui sério risco, pois, se ela é uma mediação, pode também converter-se em objetivo. Ela deve servir aos propósitos e compromissos do museu e não, como pode acontecer, servir-se dele ? avalia o professor da USP.
De forma poética, o físico Wagensberg resume o que, para ele, é de fato o museu do século XXI:
? Um museu é hoje um valiosíssimo instrumento de troca social que se mede por como ele muda a vida das pessoas ? diz o espanhol. ? Um visitante tem que sair do museu com ?fome?, ou seja, com mais perguntas do que tinha ao entrar.