Por Juarez Oliveira, Sávia Barreto e Thays Teixeira
Já virou tradição. Um dia antes da Caminhada da Fraternidade, o idealizador do evento que leva mais de 60 mil pessoas às ruas, padre Tony Batista, não janta. Ele fica até às 23 horas visitando os pontos de vendas de kits e coordenando os preparativos para a Caminhada. Ao chegar em casa, na companhia de apenas uma taça de vinho, o padre se prepara para um dia que começará às 5 horas. Ao chegar à Igreja São Benedito, no centro da capital, ele está acompanhado de apenas dez pessoas, que logo mais se multiplicam e se transformam em uma multidão de gente com camisas brancas estampando lemas que clamam pela solidariedade.
Mas padre Tony não quer levar nas costas a imagem de estrela da Caminhada, mesmo reconhecendo que seu nome traz junto uma carga gratuita de empatia. ?O mundo não precisa de estrela, queremos constelação?, frisa. Atuando como vigário geral da Arquidiocese de Teresina desde 2009, coordenando a cúria diocesana e com o trabalho ligado diretamente a outros padres, Tony já vislumbra deixar a linha de frente na organização da Caminhada da Fraternidade. ?Já era hora de ter padres novos que estivessem a frente. Eu já gostaria de vê-los. Tem uma meninada boa, a gente percebe. Eles ainda estão mais acanhados mas chegam lá?, conta. ?Não sei se ainda tenho pique, mas estou em forma?, completa, quando questionado sobre quantas edições ainda tem disposição para caminhar.
Apesar de todos esses anos de Caminhada, o padre Tony afirma que ainda não há um consenso sobre o ritmo da caminhada. Ele prefere que as pessoas andem devagar, já que cadeirantes, crianças e idosos fazem parte do público que compõe o evento. ?Eu me preocupo que seja devagarinho. As pessoas não me obedecem, caminham rápido, não sei para quê. Devia ser devagar, para sentir o prazer, não de chegar primeiro, mas chegar junto. Mas tem uma equipe da comissão de frente, que fica atenta ao ritmo para as pessoas não se apressarem tanto?, explica o monsenhor.
Padre Tony já vislumbra deixar o comando da Caminhada da Fraternidade, mas afirma que ainda tem fôlego para muitas edições do evento. Foto: José Alves Filho
Se a Caminhada da Fraternidade fosse uma caixinha de surpresas, o ano em que uma grávida deu à luz na avenida, durante o percurso, figuraria entre os momentos mais marcantes para o pároco. ?Já vi uma senhora parir na caminhada. Não lembro qual foi o ano, mas o parto foi feito na avenida. Acho que ela deu o nome para a criança de Maria da Caminhada?, brinca. Ele revela que todo ano tem algo surpreendente para contar sobre a Caminhada. ?Ainda terça-feira fui celebrar uma missa na Vila Operária e chegou uma velhinha e disse: "Padre, sabia que eu te amo?" E eu disse: "Não, mas eu acredito". Ela disse que tem 96 anos e é a quarta vez que vai?.
No escritório da sua residência, na zona Leste de Teresina, o padre faz um retrospecto da Caminhada em meio a fotos e quadros que lembram as edições passadas do evento. Mesmo lembrando do preconceito à causa da Aids no início da Caminhada, Tony afirma que no terceiro ou quarto ano de evento, viu ?a cidade assumir como sua? a Caminhada da Fraternidade. Apenas no ano passado, segundo estimativas da Polícia Militar, estiveram presentes mais de 65 mil pessoas. ?Zerou o preconceito?, enfatiza. Apesar de aproveitar as datas festivas para associar a Caminhada da Fraternidade - como em 2010, quando o ano da Copa do Mundo de Futebol foi transferido para as camisas verde e amarelo dos caminheiros ? a prioridade na ligação dos temas é feita com a Campanha da Fraternidade.
A Campanha da Fraternidade é realizada anualmente, desde 1962, pela Igreja Católica brasileira no período da Quaresma com o objetivo de despertar a solidariedade dos seus fiéis e da sociedade em relação a um problema concreto que envolve a sociedade brasileira. A cada ano é escolhido um tema e um lema, coordenados pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). No Domingo de Ramos é realizada em âmbito nacional, em todas as comunidades cristãs católicas e ecumênicas, uma coleta cuja destinação é de 45% para a própria paróquia aplicar em programas de promoção humana; 35% para a Diocese aplicar na mesma finalidade; 10% para a CNBB Regional e 10% para a CNBB Nacional.
A relação com a Campanha da Fraternidade também mostra laços com os temas da diocese. ?O tema da Campanha da Fraternidade deste ano reflete sobre a vida do planeta, cuidando da ecologia, enquanto na diocese é o ano da caridade. Já a Caminhada de 2011 tem como tema Amor pela vida e pelo planeta?, conta. Como a edição da Caminhada de hoje coincide com o Dia dos Namorados, o convite para que as pessoas participassem do evento foi feito com campanhas publicitárias, realizadas gratuitamente por uma empresa da capital, que ressaltam a data romântica e a compra do kit como presente aos casais de namorados.
Mesmo tendo o apoio de todas as zonas da cidade, o padre admite que sua paróquia, no bairro de Fátima, atua ?em peso? no trabalho voluntário e na participação da Caminhada da Fraternidade desde o primeiro ano. Padre Tony destaca que o dinheiro arrecadado é revertido para ajudar diversas causas, e mesmo com a dedicação de tempo e recursos para algumas com pessoas que nunca tiveram recuperação, outras conseguiram superar as dificuldades que pareciam insolúveis com a ajuda dos recursos que são fruto da venda dos kits da Caminhada.
Apesar de aproveitar as datas festivas para associar a Caminhada da Fraternidade, a ligação dos temas é feita diretamente com a diocese e a Campanha da Fraternidade. Foto: José Alves Filho
?Tinha uma menina, chamada Piaba, que eu fiz de tudo para ajudar, mandei até para São Paulo. Mas me desenganei. Não é que um dia desses entrei em um hospital de Teresina, e veio aquela senhora de branco, segurando uma maca? Quando me viu, ela me abraçou e perguntou: "Você sabe quem eu sou? Sua ex-Piaba". É um negócio muito forte. É uma pessoa que eu acreditei e fiz tudo para salvar e hoje é enfermeira. Como eu vou deixar de trabalhar? Não posso. Tem muita gente encaminhada, que se formou. Tem jornalista sabia? Eu trouxe da Ceasa, ele não podia nem crescer com a cesta na cabeça. Não quero saber de outra coisa não?, relata o monsenhor.
Também faz parte da tradição da Caminhada unir pessoas de todas as idades que têm como denominador comum o objetivo de ajudarem ao próximo. Francisca das Chagas Teixeira é uma simpática senhora de 75 anos, que chegou ao bazar da Caminhada da Fraternidade, localizado na Avenida Nossa Senhora de Fátima, acompanhada da sua filha para comprar três kits do evento. ?Este ano vou participar com a minha neta, de 14 anos, e com a minha sobrinha, de 20 anos. Meu netinho, que tem 07 anos, disse que vem comigo, só não sei se vai dar certo. Mas se ele vier mesmo eu compro outro kit para ele?, conta Dona Chaguinha, como é mais conhecida. Ela diz que frequenta a Caminhada desde a 2ª edição e que sua participação é de agradecimento e também para contribuir com o ?maravilhoso trabalho? realizado.
E a idade também não é empecilho para que todo o percurso traçado seja seguido até o fim pelos caminheiros. Dona Chaguinha afirma que acompanha o trajeto completo da Caminhada. "Às vezes os meus filhos ficam me esperando perto do Hospital Universitário, mas eu acompanho toda a Caminhada?, pontua. Ela se emociona ao lembrar das edições anteriores do evento e conta que a edição da Caminhada mais emocionante para ela, é a que ainda está por vir.
O avanço da tecnologia durante os anos também modificou a maneira de divulgar e vender os kits da Caminhada. Hoje eles podem ser adquiridos por R$ 16 e divididos em até 12 vezes no cartão de crédito, enquanto a divulgação passou do boca-a-boca e já invade as redes sociais na internet, como o Facebook, por exemplo. Alguns kits, inclusive, são sorteados em rádios da cidade. Outra mudança verificada ao longo dos anos foi no percurso, já que a 1ª Caminhada da Fraternidade teve o percurso inverso do atual. Os caminheiros saíram da Igreja Nossa Senhora de Fátima em direção à Igreja São Benedito. No ano seguinte, o percurso foi alterado para o atual sentido.
Atualmente, quem frequenta a Caminhada passa por toda a Avenida Frei Serafim, atravessando a Ponte Juscelino Kubitschek e continuando na Avenida João XXIII até o cruzamento com a Avenida Nossa Senhora de Fátima. Esta avenida é percorrida em toda a sua extensão, chegando à entrada da Universidade Federal do Piauí. Partindo para a parte final do trajeto, os caminheiros fazem a última curva, entrando na Avenida Petrônio Portela e finalizando a caminhada no encontro desta avenida com a Avenida Ininga.
Atual percurso da Caminhada passa pela Avenida Frei Serafim chegando às Avenida Petrônio Portela até o encontro com a Avenida Ininga
Com a realização da Caminhada, a Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (Strans), da Prefeitura de Teresina, interdita as Avenidas Frei Serafim e Nossa Senhora de Fátima, além da ponte Juscelino Kubitschek, indicando aos condutores que cedam passagem aos pedestres na massa de caminheiros que celebraram o amor à vida e ao planeta.
O início da Caminhada que reúne uma multidão de amigos da fraternidade
Uma briga de travestis chamou a atenção do Padre Tony e motivou uma reflexão sobre as ações concretas que estavam sendo feitas para ajudar as camadas mais excluídas da sociedade. ?Houve uma quinta-feira santa em que eu fiquei em adoração ao Santíssimo Sacramento até a meia-noite. Quando as pessoas foram embora, eu fechei a capela e entrei no meu carro. E ia atravessando a avenida. Nesse momento, vi uma senhora, sozinha, na parada de ônibus. E como padre, aquilo me espantou. Como eu vou para casa, no meu carro confortável, e essa senhora, na quinta-feira santa, que ônibus terá??, relatou.
Ao deixar a senhora em casa e retornar para sua residência, por volta da 1h da manhã, padre Tony passou em frente à Igreja São Benedito, e observou uma briga de travestis. ?Aqueles saltos grandes, gilete na mão, era uma confusão. Aí eu parei meu carro ali e fiquei olhando. Você nem acredita, mas eu sou padre a qualquer hora da minha vida, e eu achei que tinha que fazer alguma coisa?, conta. Alguns travestis o reconheceram e um deles gritou: ?- Padre Tony, não se aproxime não?. Mesmo afirmando que amavam e respeitavam o padre, o escutando em suas participações no rádio e na televisão, Tony foi chamado de hipócrita.
?E eu disse: "Mas por quê eu sou hipócrita?" E um deles respondeu que estava no ano dos excluídos e eu não havia falado sobre eles, os homossexuais?, disse. ?Aquilo me deixou muito machucado. Mas eu não tenho dúvida nenhuma que, naquele momento, Deus me chamou atenção para alguma coisa. Eu fico querendo traduzir os motes de Deus e pensei: "O que o Senhor está querendo dizer para mim?". Então lembrei: acho que vamos tentar trabalhar com o pessoal portador de Aids, porque naquela época era a homossexualidade que estava muito envolvida. Hoje não tem mais nada haver com isso, mas na época era?, ressaltou.
Mas o atual formato da Caminhada realizada em Teresina é inspirado em um outro tipo de caminhada em prol de causas solidárias que nasceu nos Estados Unidos. ?Tenho um amigo, o Carlos Henrique Nery Costa, que teve uma experiência em Cambridge, nos Estados Unidos, quando ele fazia pós-doutorado. Ele me disse que existiam muitas pessoas famosas na cidade, e compravam a quilometragem para elas andarem. Comecei a pensar e saiu a ideia da caminhada da Fraternidade como é hoje. E a adesão foi maior e maior?, disse.
Ao acabar a Caminhada, o padre Tony vai para o que ele chama de ?fuzarca?, ou seja, a celebração após o evento realizada pelos voluntários que ajudaram a construir o maior exemplo vivo de solidariedade da cidade. ?Ficamos com umas 50 pessoas das equipes. A gente canta, brinca, depois chego em casa e me deito no chão. É muito forte a emoção do dia?.
Caminhada da Fraternidade contribuiu com R$ 2,9 milhões em projetos assistenciais
O que você faria se tivesse R$ 2.980.541,30? Viajar, fazer compras, festas, cuidar da beleza, são muitas as opções de como gastar uma fortuna como esta. Mas, e que tal usar esse dinheiro - todo esse dinheiro - para fazer o bem e ajudar as pessoas mais necessitadas? Esse é o destino dos recursos arrecadados com a Caminhada da Fraternidade. Ao longo dos últimos 15 anos, mais de 650 mil pessoas participaram da Caminhada e com isso, elas deram e continuam dando esperança a centenas de pessoas que são atendidas pelas instituições beneficiadas com o evento.
Iniciativas como o Projeto Periferia, a Casa Frederico Ozanam, o Lar de Misericórdia, o Lar da Fraternidade e o Centro Maria Imaculada, são beneficiadas através dos recursos obtidos com a Caminhada da Fraternidade. Esses projetos dão assistência, respectivamente, a crianças e adolescentes, a idosos, a pessoas em busca de tratamento de saúde em Teresina, portadoras de HIV/AIDS e portadores da hanseníase. O padre Tony Batista destaca as dificuldades da criação do Lar da Fraternidade, há 17 anos, por conta do preconceito contra os soropositivos. ?Quando abrimos o Lar da Fraternidade, foi um Deus nos acuda. Os vizinhos não aceitaram que eu fosse trabalhar com o problema de Aids. Naquela época o preconceito era muito grande?, lembra o monsenhor.
A Coordenadora Geral da Caminhada da Fraternidade, Irene Nogueira, explica que foi através das dificuldades encontradas para manter o Lar da Fraternidade que surgiu a Caminhada. ?Como naquela época o coquetel para o tratamento do HIV era muito caro, eu e a Emília Nunes, fizemos a campanha "Adote um paciente com AIDS", que não deu certo. Depois surgiu a ideia da Caminhada, que foi adotada pelo padre Tony Batista e por toda a população?, ressalta Irene. Ela conta ainda que a prioridade da Caminhada é o Lar de Fraternidade, que depende 100% desses recursos, já que os outros projetos vão sendo atendidos de acordo com as necessidades que surgem.
Nas quatro primeiras edições da Caminhada da Fraternidade, todos os recursos arrecadados foram destinados ao Lar da Fraternidade. A primeira edição, realizada em 1996, reuniu cerca de 3 mil pessoas e teve uma arrecadação líquida de R$ 24.622,21, possibilitando a manutenção do local durante todo o ano e a aquisição de dois terrenos ao lado da casa situada no Planalto Ininga. Em 1997, a Caminhada cativou 10 mil pessoas e gerou uma renda de R$ 29.085,64, que foi suficiente para a reforma do Grupo Escolar Pio XI, que passaria a abrigar o Lar da Fraternidade. As 20 mil pessoas que participaram da 3ª Caminhada contribuíram para a manutenção da casa e para que ela tivesse a capacidade de atender 46 portadores.
O padre Tony Batista define a equipe que comanda o Lar de Fraternidade como ?fabulosa?, pois consegue levar de forma eficiente o tratamento aos doentes. O monsenhor lembra ainda que sempre está aberto para novos projetos, mas que o Lar da Fraternidade é prioritário. ?O problema da AIDS tem prioridade. Não temos um real do Estado, Prefeitura ou Governo Federal. Vamos vendo as necessidades, nunca se cobre tudo. Sempre estamos abertos a novos projetos, quando a gente sabe que não existe ralo, a gente ajuda ?.
A atual coordenadora do Lar da Fraternidade, Enildes Oliveira, fala entusiasmada sobre o seu trabalho na instituição. ?Quando a Irene precisou se ausentar do Lar, o padre Tony me convidou para ser a nova coordenadora. E isso foi uma graça de Deus. Já fazem três anos que eu estou no Lar e é um lugar maravilhoso para se trabalhar. Temos 11 funcionários e todos gostam de trabalhar aqui?. O Lar é uma casa de passagem que atende pessoas de vários lugares como, Pará, Maranhão, Tocantins, Acre, Amapá e interior do Piauí. Todos os pacientes são acompanhamento de perto por quatro enfermeiras que se revezam em regime de plantão. ?As enfermeiras trabalham no sentido de agilizar o tratamento deles, de acompanhar numa consulta, de pegar medicamento, de marcar consultas?, explica a coordenadora.
Segundo Enildes Oliveira, coordenadora do Lar da Fraternidade, seu trabalho é uma "dádiva de Deus". Foto: José Alves Filho
A paciente Maria Mileide, que completa hoje 38 anos, descobriu que é soropositiva em 2007. Nessa época ela veio transferida de Laranjal do Jari, no Amapá, para fazer seu tratamento em Teresina. ?Passei 45 dias internada, no HDIC e depois dessa internação eu já vim direto para o Lar da Fraternidade, em fevereiro de 2008. Eu fiquei aqui na casa com o meu marido e minha filha, que também são portadores e também receberam apoio da casa?. De acordo com Maria, ela só tem a agradecer ao Lar da Fraternidade. ?O que eu tenho a dizer da casa, é que, se não fosse esse apoio, eu não estaria mais aqui para contar essa história. Além da assistência dos funcionários, que são muito humanos, o apoio, a compreensão e a força dos colegas é essencial?.
Mesmo estando em uma cadeira de rodas, Maria não hesita em responder, quando é perguntada se irá participar da 16ª Caminhada da Fraternidade: ?Mas é claro que sim, não posso perder. Eu sou da comissão de frente?, conta, entre sorrisos.
Maria Mileide é uma das centenas de pessoas atendidas com os recursos da Caminhada da Fraternidade. Foto: José Alves Filho
Trabalho é realizado por voluntários que depositam fé na solidariedade
A resistência da religiosidade em um mundo marcado pela descrença é uma das características de Teresina, que contabiliza, segundo o Censo de 2008 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 86% de católicos em sua população de 715.360 mil habitantes. É uma fé diferente, contudo, que anima católicos, evangélicos, judeus e ateus a unirem a disposição de caminhar seis quilômetros nas edições anuais, que se repetem há 15 anos, da Caminhada da Fraternidade. A fé na solidariedade é explicada pelo padre Tony Batista, que passou a caminhar com os amigos mais próximos, em 1996, e agora anda ao lado de uma multidão de amigos da fraternidade.
?Na primeira Caminhada eu levei na esportiva. Fui daqui para a Igreja São Benedito e voltei de carro. Eram só meus amigos, mas depois não. Agora você encontra protestante, espírita, ateu, todo mundo com um profundo respeito pelo trabalho realizado?, explicou. O padre faz um convite a quem ainda não colocou a camisa branca de algodão, que já estampou lemas como ?Cultivar o amor é preservar a vida?, ?Novo milênio sem exclusão? e ?Todas as tribos em defesa da vida e da paz?. ?Quem for de boa vontade, vá que não se sentirá excluído?.
Padre Tony faz uma ressalva sobre ?uma coisa que acho que pode constranger?, mas que ele mesmo avisa que não abre mão: ?Eu começo com a missa. Para mim é coração, eu não me sinto fazendo nada sem a eucaristia?, frisa. O batalhão de cerca de 500 voluntários que ajudam a tornar concreta uma caminhada que reuniu no ano passado 63 mil pessoas - e estima receber mais de 70 mil este ano - não recebe um centavo pelo trabalho.
O pagamento, lembra o monsenhor, vem da satisfação em ajudar os projetos desenvolvidos pela Ação Social Arquidiocesana (ASA), beneficiando especialmente o Lar da Fraternidade, o Lar de Misericórdia, o Centro Maria Imaculada, a Casa Frederico Ozanan e o Projeto Periferia. Para os voluntários, o trabalho na Caminhada é uma porta aberta construir um mundo mais solidário.
Ação Social Arquiocesana desenvolve diversos projetos sociais, como o Lar da Fraternidade. Foto: José Alves Filho
?É impressionante, não existe um só funcionário em todo esse batalhão. Eu nunca paguei nem um vale transporte, um carro de som, nada. Todos são voluntários em tudo?, relata. Segundo ele, muita gente que não pode ir, compra camisetas para dar de presente. Também é comum casos de empresas que compram kits para distribuir aos funcionários. ?Tem muitas empresas que patrocinam, por exemplo 200 kits, por R$ 15, e compram de volta por R$ 16. Eu também estava na Vila Operária e vi muita gente pulando de felicidade com o kit comprado?, conta. Mas os símbolos impressos nas camisas, bonés e mochilas que compõem o kit da Caminhada da Fraternidade não são unanimidades.
?O pessoal gosta muito de santo nas costas, mas acho que tem que colocar os nomes das empresas. Só que eu não visto na minha camisa nenhuma empresa, só o nome da ASA?, revela, acrescentando que, durante todo o ano, encontra pessoas usando as camisas de edições anteriores. ?Vejo gente até com as camisas da primeira Caminhada?, brinca. Padre Tony é categórico sobre as dificuldades enfrentadas para colocar a Caminhada na rua: ?Não tenho dificuldade?. Ele reitera, no entanto, que o Centro Maria Imaculada, que cuida de pessoas com hanseníase, é o ?único lugar que faltam as coisas?. ?Nos outros nunca me falta, ao contrário?, completa. O monsenhor ilustra sua fé na solidariedade ao contar uma das histórias das contribuições que recebe.
?Alguns dias atrás me mandaram 200 toalhas lindas, brancas. Eu não estava precisando e doei todas. Minha secretária perguntou: "Padre, o senhor não vai ficar com nenhuma?" E eu disse que não. "Quando eu precisar, Deus me manda", respondi. Não fiquei com nenhuma para os serviços da Igreja. Em 15 dias veio uma nova remessa de 580 toalhas mais bonitas ainda?, pontua.
A coordenadora geral da Caminhada da Fraternidade, Irene Nogueira, destaca que as dificuldades que, porventura, surjam, nem são consideradas como empecilhos ao trabalho realizado. ?Nós não temos dificuldades, porque temos pessoas voluntárias, que se dedicam, então eu não posso dizer que tem problema. A maioria das pessoas são da paróquia de Fátima, mas tem muitas pessoas de outras paróquias que se envolvem com a parte de venda de kits. Se você for em todas as paróquias de Teresina você encontra pessoas voluntárias vendendo kits da Caminhada?, diz Irene, entre o ritmo frenético dos dias de preparação que antecedem a Caminhada da Fraternidade.
Depois de fazer uma pausa para atender ao telefone que não para de tocar e esclarecer dúvidas de pessoas que visitam o bazar da Igreja da Nossa Senhora de Fátima, Irene afirma que a atenção voltada à Caminhada é compartilhada pelo esposo, ele mesmo um voluntário, assim como ela. ?O meu esposo está bem ali no caixa?, diz apontando para Valdir Nogueira. ?Às vezes um filho vem e dirige um carro, tem dois filhos que já moram fora, mas toda vida eles sempre foram muito presentes. E até na parte de eu estar 24 horas envolvida e eles estarem a mercê é um grande esforço deles também, principalmente do meu esposo?, diz Irene.
E quando a 16º edição da Caminhada da Fraternidade terminar hoje, a população de Teresina já pode começar a marcar no calendário: faltarão apenas 365 dias para darem novamente as mãos em um exemplo concreto de solidariedade e amor ao próximo.
Irene Nogueira, ao fundo, e Emília Nunes, fazem parte do batalhão de voluntários da Caminhada. Foto: José Alves Filho
Participação de políticos já é tradição na Caminhada da Fraternidade
Um passeio pelas imagens que compõem o álbum dos 15 anos de Caminhada da Fraternidade logo revela personagens conhecidos da vida política no Piauí. A adesão vem de todos os partidos, quando governistas e oposicionistas deixam os embates de lado por algumas horas e também dão as mãos à solidariedade. O padre Tony conta que alguns vão porque ?é época de aparecer?. Mas outros não.
?Eu tenho políticos que nunca faltaram uma caminhada. Por exemplo, o Wellington Dias nunca faltou a nenhuma. A Trindade morreu sem faltar, o Nazareno Fonteles nunca faltou. São todos bem-vindos porque vão por amor. Você nunca viu o Firmino Filho deixar de ir. Todo mundo é igual, o que interessa é a presença por solidariedade. A mim interessa ver o governador, o prefeito na avenida, porque é uma caminhada da cidade?, conta Tony.
Mesmo sendo evangélica, a deputada estadual Rejane Dias, do Partido dos Trabalhadores, e ex-primeira-dama do Estado, conta que participa da Caminhada todos os anos. ?Todo evento com uma causa nobre torna-se um evento ecumênico. Pode ser católico, protestante, todos estão unidos participando de uma coisa boa, simbolizamo que a população quer ser fraterna e ajudar uns aos outros?, diz. O senador Wellington Dias (PT), conta que mesmo fazendo uma viagem à trabalho no sábado, estará no domingo de manhã participando da Caminhada.
Senador Wellington Dias (PT-PI) participa da Caminhada desde a primeira edição e prometeu que não iria faltar à 16º edição
?Eu nunca perco um ano. É um momento ímpar, em que a população faz o maior ato de solidariedade do Estado?, acredita Dias. O deputado estadual do PSDB, Firmino Filho, afirma que a Caminhada mostra que povo piauiense é ?fraterno e solidário?. ?É uma data do ano em que a cidade pode mostrar seus valores e princípios de fraternidade?, pontua.
O prefeito de Teresina, Elmano Férrer (PTB), lembra que a Caminhada da Fraternidade já é tradição em Teresina. ?Desde a segunda edição que a Prefeitura colabora com a realização da Caminhada da Fraternidade e este ano não seria diferente. Queremos e defendemos o trabalho feito em parceria e é sempre uma alegria dar as mãos à Ação Social Arquidiocesana de Teresina. É uma honra poder ajudar uma causa que ajuda a cuidar da cidade de Teresina".
Em junho do ano passado, foi sancionada a Lei que criou o dia oficial da Caminhada da Fraternidade. O autor da lei foi o vereador Edvaldo Marques (PSB). De acordo com a Lei, ficou instituido o Dia oficial da Caminhada da Fraternidade, que será definido a cada ano pela coordenação do evento, a Ação Social Arquidiocesana. Edvaldo Marques afirmou que criou a Lei inspirado pelo pioneirismo e dedicação da mãe, Antônia Marques Lopes, que sempre participou e incentivou a família a participar da Caminhada da Fraternidade.
A CAMINHADA DA FRATERNIDADE EM NÚMEROS
A CAMINHADA DA FRATERNIDADE EM IMAGENS
Caminhada da Fraternidade de 1996
Caminhada da Fraternidade de 1997
Caminhada da Fraternidade de 1998
Caminhada da Fraternidade de 1999
Caminhada da Fraternidade de 2000
Caminhada da Fraternidade de 2001
Caminhada da Fraternidade de 2002
Caminhada da Fraternidade de 2003
Caminhada da Fraternidade de 2004
Caminhada da Fraternidade de 2005
Caminhada da Fraternidade de 2006
Caminhada da Fraternidade de 2007
Caminhada da Fraternidade de 2008
Caminhada da Fraternidade de 2009
Caminhada da Fraternidade de 2010
Caminhada da Fraternidade de 2011
Fotos: Divulgação
Além de comprar os kits para participar da Caminhada da Fraternidade, a população pode ver o resultado da sua contribuição e ajudar diretamente os projetos mantidos com os recursos do evento:
Lar da Fraternidade
Lar da Fraternidade, criado em 1995, é uma casa de apoio aos portadores de HIV/AIDS, que atende atualmente 280 pacientes (homens, mulheres, crianças), internos ou em acompanhamento.
Endereço: Rua Goiás, 731 ? Ilhotas Fone: (86)3221 ?2230
Lar de Misericórdia
O Lar de Misericórdia, inaugurado em dezembro de 1996, surgiu com o propósito de abrigar pessoas carentes que vêm em busca de tratamento de saúde em Teresina. O Lar possui infraestrutura para acomodação dos doentes, bem como dos seus acompanhantes. Administrado por casais do movimento de Encontro de Casais de Teresina. Neste local os pacientes têm alimentação saudável, além de auxílio para os encaminhamentos necessários no momento da realização do tratamento.
Endereço: Av. Dom Severino, 2451 Bairro de Fátima. Fone: (86) 3232-4868.
Centro Maria Imaculada
O Centro Maria Imaculada de Reabilitação de Hansenianos desenvolve um trabalho no processo de reabilitação do portador desta enfermidade, buscando além da cura, o fim do preconceito. O Centro conta com laboratório de análise, centro cirúrgico, farmácia, sala de curativos, salas e ginásio de fisioterapia, odontologia e outros espaços destinados ao atendimento.
Endereço: Rua 19 de novembro, 4370 ? Real Copagri Fone: (86) 3225 ? 1766
Projeto Periferia
O Projeto Periferia, mantido pela Ação Social Arquidiocesana, com 17 anos de atuação junto às regiões mais carentes de Teresina, desenvolvendo ações de promoção e garantia da proteção integral de crianças e de adolescentes em suas próprias comunidades. O projeto atende atualmente 38 comunidades na zona urbana e rural de Teresina e a mais de 4. 264 crianças e adolescentes.
Endereço: Av. Frei Serafim, 3200. Centro Pastoral Paulo VI - Fone: (86)3222-2051
Casa Frederico Ozanan
A Casa Frederico Ozanan é uma entidade de caráter beneficente e de assistência social, sem fim lucrativo. Seu objetivo principal é amparar pessoas idosas. O abrigo tem capacidade para 44 idosos. Eles recebem assistência médica, material e espiritual, lazer e serviço funeral.
Endereço: Rua Des. Pires de Castro, 2137/N - Primavera, Fone: (86) 3223-0018