O sociólogo e filósofo francês Edgar Morin completa, nesta quinta-feira (8), seu centésimo aniversário. Formado em Direito, História e Geografia, realizou estudos em filosofia, sociologia e epistemologia e se tornou um dos mais importantes e relevantes pensadores vivos, sendo uma das figuras mais respeitadas do pensamento ocidental contemporâneo.
Morin vivenciou duas guerras mundiais, uma guerra fria, e dezenas de mudanças no contexto social, econômico, cultural e educacional. Ele atribui boa parte de seu sucesso ao pensamento complexo, conceito defendido por ele, segundo o qual o conhecimento só é possível pela transdisciplinaridade. Essa ideia impactou o pensamento sobre educação no mundo todo. Em razão disso, em 1999, foi convidado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a escrever um livro explicitando as modificações que julga necessárias na educação, compiladas em “Os Sete Saberes Necessários à Educação no Futuro”.
Ainda bastante lúcido para a sua idade, ele continua escrevendo e expondo suas ideias, o seu mais recente livro foi publicado em junho deste ano: Leçons d’un siècle de vie (em português, Lições de um século de vida), uma autobiografia, onde recorda etapas cruciais de sua vida, destaca os erros cometidos, a dificuldade de compreender o presente e a necessidade do exercício da autocrítica para a vida em sociedade.
Segundo Morin, uma das grandes lições de sua vida foi deixar de acreditar na sustentabilidade do presente, na continuidade e na previsibilidade do futuro. Para o pensador, "a história humana é relativamente inteligível a posteriori, mas sempre imprevisível a priori”, como demonstraram a crise de 1929, a ascensão de Hitler e do nazismo na Alemanha, a desintegração da ex-União Soviética e o ataque às torres gêmeas do World Trade Center em Nova York. Diante dessa imprecisão do tempo presente, ele adverte que é fácil cometer erros políticos.
Tanto que em seu livro, ele considera que os principais momentos de equívoco em sua vida foi seu pacifismo antes da Segunda Guerra Mundial, que o impediu de ver a verdadeira natureza do nazismo; sua viagem ao que ele chama de "Stalinia" e sua longa crença no sistema soviético.
"Por isso, me arrependo de meus erros e não me arrependo deles, pois eles me deram a experiência de viver em um universo de religiosos absolutistas que, como qualquer religião, tiveram seus santos, mártires e algozes”, relata.
Viver é navegar em um mar de incertezas, através de ilhotas e arquipélagos de certezas nos quais nos reabastecemos
Reflexão sobre a pandemia da Covid-19.
Sobre a pandemia da Covid-19, Morin refletiu sobre todas as consequências da epidemia em todas as áreas, em entrevista ao jornal francês CNRS, no ano passado.
“Temos que aprender a aceitá-las e a viver com elas, enquanto nossa civilização instalou em nós a necessidade de certezas cada vez maiores sobre o futuro, muitas vezes ilusórias, às vezes frívolas. A chegada do coronavírus nos lembra que a incerteza permanece um elemento inexpugnável da condição humana. Todo o seguro social em que você pode se inscrever nunca poderá garantir que você não ficará doente ou será feliz em sua casa. Tentamos nos cercar com o máximo de certezas, mas viver é navegar em um mar de incertezas, através de ilhotas e arquipélagos de certezas nos quais nos reabastecemos”.
Contribuições para a sociedade
A principal obra de Edgar Morin é a constituída por seis volumes, "La Méthode" (em português, O Método). Foi escrita durante três décadas e meia. Trata-se de uma das maiores obras de epistemologia disponível até agora. A teoria da complexidade possibilita o diálogo com outros saberes e com a realidade, esta sempre em processo de mudança. De acordo com Morin, o pensamento complexo é incompleto, articulante e multidimensional, razão pelo qual não é absoluto.
Para ele, a própria essência do pensamento é nos ajudar a ficar em meio à contradição. Não para tentar fazer uma síntese para resolver as oposições (dialética), mas para viver na unidade dos opostos, fazendo-os dialogar (dialógicos). É assim que, segundo ele, encontramos o caminho da sabedoria, por exemplo, vivendo a paixão e a razão simultaneamente, 'a paixão regulada pela razão e a razão alimentada pela paixão'.
Educação
No campo da educação, especialmente, Morin foi um dos primeiros pensadores do início do século 20 a sugerir uma reforma de paradigmas, questionando, já naquela época, o ensino meramente disciplinar e pautado em conteúdos técnicos.
Em uma de suas vindas ao Brasil, Edgar Morin, explicou, em uma entrevista à imprensa, sobre os maiores problemas do modelo de ensino atual.
“O modelo de ensino que foi instituído nos países ocidentais é aquele que separa os conhecimentos artificialmente através das disciplinas. E não é o que vemos na natureza. No caso de animais e vegetais, vamos notar que todos os conhecimentos são interligados. E a escola não ensina o que é o conhecimento, ele é apenas transmitido pelos educadores, o que é um reducionismo. O conhecimento complexo evita o erro, que é cometido, por exemplo, quando um aluno escolhe mal a sua carreira. Por isso eu digo que a educação precisa fornecer subsídios ao ser humano, que precisa lutar contra o erro e a ilusão”.