Todos os anos, a jornalista Isabella Beatriz Peixoto, de 26 anos, tem o desafio de administrar a compra de três presentes de Dia dos Pais. Isso porque ela celebra a data especial com o pai, Joel Peixoto Souza, que trabalha como drag queen animando festas em Uberlândia, com o marido do pai, o empresário Marcelo Leite, e com o padrasto, Adailson Pinheiro, que é professor. Em entrevista ao site, ela contou sobre a experiência de ser filha de pais tão diferentes.
Joel ficou casado com a mãe de Isabella por três anos, período em que ela nasceu. Mas algum tempo após a separação, ele conheceu Marcelo e, com o parceiro, iniciou o relacionamento que já soma 22 anos.
Aproveitando o jeito descontraído de ser, descobriu a vocação para ser transformista e deu vida à espalhafatosa e divertida personagem Priscilla Kiss. Nesta época, a jornalista estava com quatro anos de idade, quando a mãe também começou a namorar o professor universitário Adailson Pinheiro. Desde então, ele ajudou a criar e a educar a enteada.
Segundo Isabella, ter a referência de três figuras paternas é motivo de muita gratidão. ?Eles são completamente diferentes. O Marcelo é o mais espiritualizado, o mais conselheiro, sempre que tenho um problema ligo para ele e converso para organizar minhas ideias. Meu pai é mais divertido, mais engraçado, o que me faz rir quando estou triste e também dá rala quando eu preciso. Já o meu pai Adailson é mais carinhoso, tem um jeitinho todo cuidadoso comigo?, comentou.
Isabella Beatriz também comentou que tem um pouquinho de cada pai, desde o dom para contar histórias e o instinto solidário de Joel até o estilo da ?Tia Priscilla Kiss?, que também dá uma parcela de contribuição à personalidade dela. ?O pessoal me questiona por eu usar muitas cores, estampas e make colorida, mas ser roqueira. Eu sempre falo que é natural até porque sou filha de drag queen [risos]?, brincou.
Assumir a orientação sexual para os familiares no início da década de 90 não foi um problema para Joel. Lidar com o momento em que a filha quis entender a situação da família também foi natural, logo depois de ela ter assistido uma reportagem sobre pais separados e questionado o pai, aos 12 anos de idade. Descobrir que, além de homossexual, o pai tinha uma dupla personalidade ao se vestir de drag queen também foi muito natural para Isabella que, curiosa, abriu uma cortina onde ele guardava as roupas e adereços de Priscilla e ficou encantada com o que viu. A única coisa que a filha disse foi: ?Tem mais peruca, pai? Me maquia também??, lembrou.
Contudo, Joel contou que o maior problema na relação entre pai e filha foi conviver com os ciúmes de ter que dividir a atenção dela com o padrasto. Ciúmes que afastou os dois por alguns anos. ?Era muito difícil ouvir minha filha chamando outro de pai. Uma vez ouvi um comentário de que a Isabella fez um presente na escola para o padrasto de Dia dos Pais e eu não recebi nada, fiquei muito magoado e senti que não tinha espaço para mim, então fui me afastando?, relembrou o pai.
Mas, depois de certo tempo, todos passaram a conviver muito bem e, cada qual com suas particularidades, contribuindo para a educação da jovem. Os laços dos integrantes da família e de Isabella com os três pais foram se tornando cada vez mais sólidos com a convivência e à medida em que todos se reuniam e confraternizavam.
Preconceito
Marcelo e Joel moram juntos há duas décadas. Eles foram o primeiro casal de Uberlândia a oficializar a relação depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou, em 2011, a legalidade da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Os dois concederam várias entrevistas sobre o assunto e a notícia teve repercussão nacional. Mas o que para a causa LGBT seria um grande avanço, para a vida pessoal dos dois foi retrocesso.
Eles mantêm um pensionato na região central do município mineiro e, quando a relação tornou-se pública, perderam vários pensionistas por causa do preconceito, somando queda drástica no orçamento de pelo menos R$ 10 mil. ?Fiquei assustado de as pessoas não assumirem que moravam em um local administrado por homossexuais e foi muito difícil nessa época, porque apareceram algumas dívidas. Eu não acho que o preconceito diminuiu, eu acho que ele se mascarou ainda mais?, opinou Marcelo Leite.
Durante a infância, Isabella nunca teve problemas com discriminação, muito pelo contrário. Pelo menos uma vez na semana ela e as amigas iam para a casa do pai biológico e adoravam ficar lá o dia todo, dançando e brincando com os adereços do pai artista. Contudo, na faculdade, já maior de idade, ela passou por alguns momentos constrangedores. Além dos "olhares cruéis", dois colegas de classe uma vez a abordaram e disseram que o que o pai fazia era errado e que ela precisava convertê-lo. ?Fiquei muito revoltado. Quando ela me contou, eu queria ir lá e tirar satisfação, mas me contive, aprendi a levar isso na naturalidade?, afirmou Joel.
Orgulho familiar
Preconceito à parte, Isabella sempre defendeu a família e a opção dos pais de viverem juntos. ?Eu acho que eu sou mais preconceituosa com homofóbico do que o meu pai. Quando eu converso com uma pessoa e vejo que ela vai tratar minha família com indiferença, para mim já não serve?, comentou a filha.
Ela reconhece que a família é incomum, mas afirmou que sempre leva tudo na esportiva e acaba se divertindo com algumas situações. As mais divertidas delas, de acordo com a própria jornalista, são em relação aos namorados, porque a dificuldade não é eles entenderem que ela tem um pai gay, mas entender que eles terão três sogros. Uma das situações que ela sempre comenta foi quando um namorado a questionou se o pai dela daria em cima dele.
?Meus pais são especiais para mim e não tenho porque não me orgulhar deles. Tenho profunda admiração por cada um e já estou acostumando em ficar desfalcada financeiramente no mês de agosto por comprar tantos presentes?, finalizou.