Ao lado da casa da aposentada Deuzuita da Silva, de 64 anos, há um barranco de aproximadamente 7 metros de altura. Em sua encosta, além de casas, há mato, tapumes de madeira e sacos com areia instalados para conter erosão e princípio de escorregamento/deslizamento de terra durante as chuvas.
Dona Deuzuita está entre as mais de 300 famílias do Residencial Pedro Balzi, na zona Sudeste de Teresina (PI), que vivem em casas construídas em imediações de morros e barrancos.
A residência da aposentada possui apenas três cômodos: banheiro, sala e quarto. As paredes com tijolos aparentes e novos, o cimento úmido no banheiro e alguns itens de construção espalhados pela sala indicam que a casa ainda está em construção. Há cerca de um ano, ela vendeu o imóvel que tinha por questões familiares.
O dinheiro conseguiu pagar apenas os poucos metros quadrados na ocupação São Sebastião, no Pedro Balzi, justamente ao lado do barranco. A cada mês, ela tenta reconstruir a vida em uma das cinco regiões mais perigosas de Teresina. Sua vitória mais recente foi a compra de uma cama e o assentamento de cerâmica no quarto que divide com o filho.
O Mapa de Prevenção de Desastres do Serviço Geológico Nacional (CPRM) inclui o Residencial Pedro Balzi entre as cinco principais áreas de risco para a ocorrência de deslizamento de terra. Para quem vive na região, o medo de ter o lar soterrado se camufla na condição de subalternidade e na falta de melhores condições de habitação.
“Com o tempo, você esquece do barranco. Eu sei que vocês olham para cá e veem que o morro está corroendo, eu também estou vendo. Mas, rapaz, meu dinheiro só deu para comprar um terreno aqui. De vez em quando, quando o tempo escurece para chover, bate o medo, a gente tem que ficar atento”, diz a aposentada.
Deuzuita da Silva afirma que não sabia do levantamento do CPRM e que nunca recebeu visitas da Defesa Civil ou de qualquer órgão municipal ou estadual para conversar sobre o assunto.
“Essas notícias, a gente sabe pela televisão. Depois que cheguei, nunca me falaram sobre os riscos de morar aqui, não apareceu ninguém. Os primeiros moradores dizem que já estão aqui há cinco ou seis anos e nunca aconteceu nada, que não tem perigo. Quando tem chuva forte, desce um pouco de areia e muita água, mas eu fico aqui mesmo”, contou.
Embora a aposentada tente equilibrar as contas com compras de material para construção, ela mantém viva a esperança de morar em um local mais seguro. Por meio de uma reportagem televisiva, ficou sabendo do relançamento do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), um programa de habitação federal do Brasil.
“Eu quero continuar aqui e também quero falar com o CRAS [Centro de Referência da Assistência Social] para saber o que eu devo fazer para participar. Seria bom para nós ter uma casa normal”, contou.
Medo dia e noite
A jovem Danielle da Silva, 21 anos, mora com o marido e dois filhos pequenos na mesma área que Dona Deuzuita. A casa da família também possui três cômodos. No quintal da residência, o mesmo cenário: tapumes e sacos de areia cercam o barranco.
O rastro de terra provoca temor e faz um percurso direto para a porta da cozinha. Danielle não gosta de viver no Pedro Balzi e explica que ficou assustada com a tragédia no Litoral Norte de São Paulo.
“Tem uma cidade que teve deslizamento e que tem o mesmo nome da nossa ocupação, São Sebastião. A cada chuva, o medo aumenta, você precisa ficar olhando a quantidade de água que sair pelas pedras e evitar sair. Quando a chuva começa a ficar forte, é torcer para passar logo” relatou.
O barranco fica a uma distância de cerca de seis metros da casa da família de Danielle. Ela frisa que em cinco anos vivendo no mesmo lugar, ainda não recebeu visitas ou orientações sobre o que fazer em caso de um eventual deslizamento expressivo de terra.
“Vocês [equipe de reportagem] são as primeiras pessoas que chegam aqui, conversam com a gente e falam sobre o problema do deslizamento de terra. A maioria chega, sai do carro, tira foto e vai embora. Não sei quem trabalha com essas coisas, mas a gente fica sabendo mesmo que pode acontecer uma tragédia pela televisão, só assistindo o jornal”, contou.
Parque Rodoviário: trauma com chuvas
Cada chuva forte em Teresina traz à tona o trauma da tragédia da noite do dia 4 de abril de 2019, quando uma lagoa de um clube desativado transbordou com a chuva, rompeu uma rua e atingiu casas no bairro Parque Rodoviário, Zona Sul da capital piauiense. Duas pessoas perderam a vida e centenas ficaram desabrigadas.
Hoje, quase quatro anos após o ocorrido, famílias pobres seguem em regiões de risco para deslizamentos. Das 82 casas atingidas pela correnteza de lama, mais de 60 famílias ainda aguardam a reconstrução total ou reforma das casas.
A aposentada Maria de Nazaré da Silva, de 67 anos, estava na sala de casa no dia da tragédia do Parque Rodoviário. Através da porta de casa, viu a lama arrastar dezenas de lares, incluindo a do seu filho.
“Eu ouvi um estrondo e eu não imaginava que poderia ser o rompimento da lagoa. Tinha chovido demais, só conseguia dar graças a Deus por meu filho não estar em casa no momento em que a água levou tudo”, contou.
A casa da aposentada foi afetada pela enxurrada. Rachaduras, paredes manchadas de lama amarelada e o trauma com chuvas fortes foram as cicatrizes deixadas na família de Nazaré.
Seu filho, que perdeu a casa e todos os móveis, conseguiu receber o aluguel social, no valor de R$ 300, pagos pela prefeitura. A aposentada, no entanto, ainda espera receber a casa.
Assistência esperada
A prefeitura de Teresina ordenou a construção de pelos menos 63 casas viabilizadas através de recursos do Finisa (Financiamento à Infraestrutura e ao Saneamento voltado ao Setor Público), mas a demora desanima quem está há quase quatro anos à espera.
“Eu ainda espero a reforma da minha e casa nova do meu filho, mas nunca deu certo. Eu já moro em um barranco, minha casa tem ainda várias rachaduras, é difícil. A gente tem medo de cair, mas o que recebemos até agora foi uma cesta básica e R$ 300 mensais por conta do aluguel”, falou.
As últimas chuvas escancararam a insegurança em que vivem os residentes no entorno da tragédia, assegura a moradora Carliane Morais.
“É péssimo. Você lembra da morte da criança, da mulher, de toda aquela destruição. A gente que está aqui todos os dias não consegue esquecer. Por sentir que as obras demoram para consertar o que foi destruído, é ainda pior. Deus sabe o que se passa na nossa cabeça com qualquer chuva. Não tem mais risco de rompimento de lagoa, mas tem o medo do deslizamento de terra. O que podemos fazer? Eu ainda não sei”, relatou.
Relatório da Defesa Civil será encaminhado às SAADs
A Defesa Civil Municipal de Teresina comunicou que vem realizando vistorias preventivas nos bairros com áreas de risco na cidade. Ao longo do mês, o órgão fez visitas técnicas para avaliação de riscos em imóveis com o intuito de avaliar as condições e as anomalias existentes nas edificações.
Os agentes da Defesa Civil Municipal formularam um relatório para encaminhar à SAAD responsável de cada zona para tomar as devidas providências.
Conforme o órgão, as famílias que moram em áreas de risco devem, em caso de emergência, acionar a Defesa Civil Municipal, por meio do 199 ou (86) 3223-7366 para que ocorra o monitoramento da residência e o cadastro inicial. O atendimento da Defesa Civil Municipal é 24h.
Ações na zona Sul
A Superintendência de Ações Administrativas Descentralizadas Sul (SAAD Sul) comunicou que está em andamento um projeto de um canal na região, orçado em cerca de R$ 5.000.000,00, com recursos do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF). Os serviços de terraplenagem, contenção de aterro em gabião e estruturação para receber o pavimento já foram concluídos.
No momento, estão em execução três frentes de forma paralela: a drenagem do canal, a construção do anfiteatro e a pavimentação em paralelepípedo. O projeto final prevê a inclusão de vias de passeio, ciclovia, o próprio anfiteatro e iluminação de led, além do intuito principal de evitar que ocorram novos incidentes no período chuvoso, devido às enxurradas.